segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

ENSAIO SOBRE A VIDA DE UM ANIMAL CHAMADO ANTROPHOS

Do grego ανθρωπος, antrophos, ou em nosso idioma, homem
Tentar dizer alguma coisa sobre este “bicho homem”, embora possa parecer, à primeira vista, uma tarefa simples, na verdade, à medida que tentamos realizá-la, acaba por se se transformar em uma das mais difíceis empreitadas à qual podemos nos propor executar.
            A complexidade do tema é tal, que podemos fragmentar as premissas que postulamos partindo ora de um cientificismo acadêmico, ao qual sempre podemos somar algo de místico, ora de elucubrações pautadas em dogmas religiosos e metafísicos e, mesmo assim, sem dúvida alguma, deixaríamos muitas questões, para não dizer, a maioria delas, sem resposta.
            A ciência que se preocupa em conhecer o ser humano, em sua totalidade, é a antropologia (ανθρωπολογία, em grego: ανθρωπος, antrophos, homem e λογία, logia, estudo), e dizer, a ciência que procura compreender o homem em todos os seus aspectos, quer no espaço quer no tempo; enquanto ciência social (o homem enquanto elemento de um grupo; seu comportamento como membro de uma sociedade), enquanto ciência humana (o homem como um todo) e enquanto como ciência natural (o homem e sua evolução), valendo-se para tal de rigorosos procedimentos metodológicos.
            Como ciência física ou biológica, procura conhecer a origem do homem, sua evolução, sua estrutura anatômica, seus processos fisiológicos e as diferentes características raciais das várias populações humanas ao longo do tempo e do espaço, dividindo-se em:

1-    Paleontologia (παλαιοντολογία, em grego: παλαιος, palaio, velho e λογία, logia, estudo), que estuda a evolução do homem através do conhecimento das formas fósseis entre os primatas e o homem moderno.
2-    Somatologia, que descreve as variedades existentes do homem,
3-    Raciologia, interessada pela história racial do homem e
4-    Antropometria (ανθρωπομετρία, em grego: ανθρωπος, antropos, homem  e μετρία, metria, medida) que usa técnicas de medição, quantitativa, para mensurar fosseis comparando-os às medidas do corpo humano atual.

            No campo cultural, investiga a origem e o desenvolvimento das culturas humanas, no tempo e no espaço, suas semelhanças e suas diferenças, preocupando-se em identificar os modos de comportamento instintivos (hereditários) e adquiridos (por aprendizagem), dividindo-se em:

1-    Arqueologia (αρχαιολογία, em grego: αρχαιο, archaio, antigo e λογία, logia, estudo), que tem por objeto de estudo as culturas do passado.
2-    Etnografia (εθνογραφία, em grego: εθνο, éthnos, povo e γραφία, grafia, escrever), que se preocupa com a descrição das sociedades humanas, visando a reconstituição da forma de vida de cada grupo particular e, em especial, as primitivas ou ágrafas (αγραφα, em grego, onde o prefíxo “a” conota uma negação;ou seja, sem grafia, sem linguagem escrita)
3-    Etnologia (εθνολογία, em grego: εθνο, éthnos, povo e λογία, logia, estudo) que procura analisar e comparar as variedades culturais existentes.
4-    Linguística, que compreende a linguagem como meio da comunicação e como um instrumento do pensamento.
5-    Folclore, a cultura espontânea dos grupos humanos.

            O naturalista sueco Carl Lineu (1707/1778), considerado o “pai da taxonomia moderna”, disciplina que define os grupos de organismos biológicos, foi o primeiro a fazer uma classificação da raça, em sua obra “Sistema Naturae”, que somente na sua 10ª edição, em 1758, dividiu a espécie humana em quatro grandes grupos: o homem europeu, o homem americano, o homem asiático e o homem africano.
            A zoologia (ζωολογία, em grego: ζώο, zoon, animal e λογία, logia, estudo), por sua vez, classifica o homem como um espécime do Reino Animal, pertencente ao Filo dos Cordados (aqueles que têm medula espinhal e sistema nervoso), Sub-Filo dos Vertebrados, Mamífero, Subclasse dos Eutérios (onde a criança se desenvolve no útero da materno), Primata, Subordem Antropoide, Superfamília Hominídea, do Gênero Homo, Espécie Homo Sapiens e Variedade Homo Sapiens Sapiens.
            Charles Darwin (1809/1882), a quem designaremos um capítulo especial no decorrer do presente trabalho, em seu livro “A Origem das Espécies” (10), publicado em 1859, deu origem oficial à teoria evolucionista, rompendo os paradigmas vigentes e aceitos até então, que pregavam o criacionismo.
            Apoiado sobre o trabalho de Thomas Robert Malthus (1766/1834), um economista britânico, a quem também destinaremos um capítulo especial neste nosso livro, que afirmava em sua obra, existir de forma permanente, uma luta pela vida em função do número excessivo de indivíduos de uma mesma espécie que disputam os recursos disponíveis e finitos em certa região, onde sobrevive somente o mais forte, aquele que melhor se adapta às mudanças ocorridas, Darwin, assumindo a posição de um observador meticuloso e imparcial dos fenômenos naturais, além de um colecionador de espécimes, estabelecendo correlações e tabulando seus dados com estremo zelo, ofereceu ao mundo sua “teoria da seleção natural entre as espécies” que, segundo ele, explicava a grande extinção, quase inevitável, das formas de vida menos aperfeiçoadas.

         Alguns exemplos de correlação são muito caprichosos: assim, os gatos que são brancos e têm os olhos azuis, geralmente são surdos; mas ultimamente o senhor Tait (Robet Lawson Tait            [1845/1899]) mostrou que isto está limitado aos machos. (DARWIN, 1859).

            Analisando espécimes de diferentes espécies de animas e plantas, com diferentes expectativas de vida e com diferentes ciclos de reprodução, Darwin pode encontrar pequenas variações anatômicas, que ele classificou como adequações às novas condições oferecidas, e dizer, pequenas mutações sofridas pelos organismos estudados que lhes garantiriam a sobrevivência e a continuidade da espécie.
            Percebeu também que, dentre as numerosas espécies e espécimes estudados, tinham maior possibilidade de sobrevivência aqueles cuja população era maior (a raridade era quase um sinônimo de extinção no médio e no longo prazo) e que, em função das variações geográficas, climáticas, alimentares, já oferecia, per se, um número maior de subtipos.
            Algo que nos dias atuais, por exemplo, justificaria a dificuldades que temos para encontrar uma vacina eficaz contra o vírus da influenza (gripe), que se modifica (adapta) de forma rápida, permanente e também diferente, segundo a região do planeta em que se desenvolve.
            Isto agravado, ainda, pela excepcional velocidade com que se propaga, migrando de uma região a outra, acompanhando seu hospedeiro, que pode ser humano, suíno, ave, além de qualquer outro animal, planta ou objeto, onde colônias virais possam ser instaladas (roupas ou utensílios domésticos, por exemplo).
            Percebeu também, que a espécie humana, entre várias outras, é praticamente a única que consegue ocupar todas as regiões do planeta, em suas diferentes latitudes, longitudes e altitudes, apresentando um maior número de subtipos, e que também influi, de forma incisiva, sobre o desenvolvimento de outras espécies, principalmente daquelas que domestica para seu alimento ou prazer.
           
         A variabilidade indeterminada é um resultado bem mais frequente da mudança de condições do que a variabilidade determinada, e desempenhou, provavelmente, um papel mais importante na formação das raças domésticas. (DARWIN, 1859).
                                                                                                       
            Afirmou também que, pela influência humana, os cruzamentos genéticos provocam o surgimento de novos subtipos, alteram-se ciclos reprodutivos e acentuam-se características antes inexistentes, tanto em plantas como em animais, o que, de forma natural, ao longo dos anos, também aconteceu com o bicho homem.

                     Nada é mais fácil do que amansar um animal, e existem poucas coisas mais difíceis do que fazê-lo se reproduzir em cativeiro, ainda que o macho e a fêmea se unam.
                     ...
                     Muitas plantas cultivadas mostram maior vigor e, no entanto, raramente ou nunca produzem sementes.
                     ...
                     No pato doméstico, verifico que, em proporção a todo o esqueleto, os ossos da asa pesam menos e os ossos da pata mais, do que os mesmos ossos do pato selvagem, e esta mudança pode ser atribuída seguramente ao fato de o pato doméstico voar muito menos e andar mais do que seus progenitores selvagens.
                     ...
                     Não se pode citar um animal doméstico que não tenha em algum país as orelhas caídas, e parece provável a opinião, que se sugere; de que o fato de ter as orelhas caídas se deve ao desuso dos músculos da orelha, porque esses animais raramente se sentem muito alarmados.     (DARWIN, 1859).

            Na antropologia, que é por excelência a ciência que estuda o homem, considerando-se seus principais campos de investigação (biológico e cultural), é importante levar em consideração a distinção entre método e técnica, aplicados a cada uma delas.
            Entenda-se por método, um conjunto de regras para a investigação, um procedimento cuidadosamente elaborado, visando provocar respostas, na natureza ou na sociedade para, paulatinamente descobrir suas lógicas e leis.
            O método histórico consiste em investigar eventos do passado para compreender os modos de vida do presente, explicados a partir da reconstrução da cultura e da observação das mudanças ocorridas ao longo do tempo.
            O método estatístico, verificando as variações das populações estudadas, onde os dados, depois de coletados, são reduzidos a termos quantitativos, demonstrados em tabelas, gráficos, etc.
            É importante frisar que os métodos estatísticos, em termos quantitativos, oferecem sempre probabilidades de ocorrência, e não certezas absolutas.
Segundo Max Scheler (1874/1928), considerado o fundador da disciplina de Antropologia Filosófica, uma ciência fundamental que tenta compreender a estrutura essencial do homem, entendendo, a priori, que vivenciamos a primeira época em que o homem tornou-se total e completamente “problemático” para si mesmo, na qual ele não sabe mais o que é ao mesmo tempo em que também sabe que não sabe.
Uma ciência que, fundamentando o pensamento de Hegel (1770/1831), estuda a história da consciência de si do homem, uma história das formas ideais essenciais em que ele pensava a si mesmo, em que se via, sentia e se concebia como inserido nas ordens do ser, deveria preceder uma história das teorias míticas, religiosas, teológicas e filosóficas sobre o homem.
Segundo ele, os povos chamados primitivos não são os únicos que se sentiam ainda totalmente aparentados e unos com o mundo animal e vegetal do seu grupo e do seu espaço vital.
Da mesma forma, o cristianismo representava, no seu conjunto, uma nova intensificação da consciência de si do homem.
Assim sendo, segundo Scheler, um dos problemas mais fundamentais de uma antropologia filosófica é sabermos o que significam na realidade estes desenvolvimentos, em saltos, da consciência de si no homem.
Em sua obra, Visão Filosófica do Mundo, Max Scheler distingue cinco tipos fundamentais da concepção que o homem tem de si mesmo, demonstrando, de maneira inequívoca, que estão ligadas, conforme seu sentido, a uma espécie de abordagem histórica, isto é, a uma concepção fundamental da história humana.
Ele afirma, categoricamente nesta obra, que toda teoria histórica tem seu fundamento numa determinada espécie de antropologia, e que é indiferente, para o resultado, se tem dela consciência e conhecimento o historiador, o sociólogo ou o filósofo da história.
Três destas cinco ideias são conhecidas no âmbito da cultura geral e as duas outras, as mais recentes, não se submetem, ainda, na sua peculiaridade definida, à consciência da cultura científica.
A primeira ideia seria um produto da fé religiosa, representando um resultado muito complexo do judaísmo religioso e seus documentos, conhecido como o mito de uma criação do homem (corpo e alma) por um Deus pessoal.
Esta antropologia religiosa seria totalmente destituída de sentido para uma filosofia e uma ciência autônomas; entretanto, precisa ser sublinhado, segundo Scheler, que este mito continua poderoso e exerce sobre todos os homens uma influência maior do que se suspeita.
Para ele, mesmo aquele que deixou de crer dogmaticamente nestas coisas, não se despojou nem de longe da forma, do timbre de valor da consciência de si do homem, do sentimento da dignidade humana, que têm suas raízes históricas no conteúdo objetivo desta fé.
Uma segunda ideia sobre o homem, hoje ainda em vigor entre nós, seria uma invenção dos gregos, que estabeleceria uma distinção entre o homem e o animal em geral.
Nela, o conceito de homem dominante na história originou-se numa lei de formação totalmente diversa.
A filosofia clássica grega seria, por assim dizer, a primeira a conceber este pensamento, onde se elevaria, pela primeira vez, a consciência de si humana acima de todo o resto da natureza.
Só por meio da razão (logos, ratio), tornar-se-á o homo capaz de conhecer o ser como é em si, a divindade, o mundo e a si próprio.
A chamada razão do homem, vista como uma função parcial (somente mais tarde como criatura) do logos, do nous divino, possui a força das ideias e produz constantemente este mundo e a sua ordem, não no sentido de uma criação, mas de um eterno mover e transformar.
Scheler atribui, aqui, uma importância especial a quatro características particulares desta teoria: 1. O homem, portanto, possui em si um agente divino que toda a natureza não contém subjetivamente. 2. Este agente é ontologicamente, ou pelo menos de acordo com seu princípio, o mesmo que aquele que eternamente transforma o mundo e dá-lhe forma de mundo (que racionaliza o caos, a matéria, até se tornarem cosmos); portanto este agente é verdadeiramente adequado para o conhecimento do mundo. 3. Este agente, enquanto logos (reino das “formae substantiales” em Aristóteles [384/322 a.C.]) e enquanto razão humana, tem o poder e a força de realizar seus conteúdos ideais (poder do espírito, poder próprio da ideia) também sem o instinto e a sensibilidade comuns ao homem e ao animal (percepção). 4. Este agente é absolutamente constante na história, nos povos e nas classes.
Segundo ele, as quatro características acima expostas permanecem totalmente independentes também da oposição teísmo-panteísmo.
Scheler afirma que, entre os quatro elementos esboçados que constituem esta teoria, somente um, a característica da estabilidade, teria sido superada, em oposição à filosofia do iluminismo, pela maior personalidade da filosofia pós kantiana, personalidade que foi ao mesmo tempo a mais influente para a ciência histórica.
Assim, a única ideia que a filosofia traz para a história universal é a simples ideia da razão, que a razão domina o mundo e que, portanto, também a história universal tenha acontecido racionalmente.
Seria somente num processo de devir que o homem atinge a crescente consciência daquilo que ele é, desde sempre, de acordo com sua ideia: a consciência da sua liberdade, superior ao instinto e à natureza.
Registre-se aqui, na opinião de Scheler, a importância de perceber-se que esta teoria do Homo sapiens assumiu para toda a Europa o caráter mais perigoso que uma ideia pode assumir: o caráter de evidencia.
Segundo ele, Nietzsche (1844/1900), reconhecendo a razão como uma invenção dos gregos, colocou a questão radical sobre o sentido e o valor do que chamamos a “própria verdade”, compreendendo de uma forma eminente que a ideia tradicional da verdade, que é a correspondência entre o pensamento e o objeto, subsiste e cai logicamente com a ideia espiritualista de Deus.
Na continuação, conheceremos, ainda conforme Scheler, duas outras ideias sobre o homem, irreconciliáveis com a ideia exposta do Homo sapiens, começando, primeiramente, pelo “homem dionisíaco” que procura eliminar sua vida instintiva e sensorial a fim de aprender as “ideias eternas”; e que, pelo contrário, não aspira mais a nada, a não ser eliminar o espírito, a razão, para tornar-se uno com a natureza criadora, uma ideia antropológica que percebe a razão como a enfermidade da vida.
Em segundo lugar, o Homo faber do positivismo, que nega por completo um novo agente essencialmente espiritual do homem.
Já, a terceira das cinco ideologias descritas por Scheler sobre o homem, dominante entre nós, inclui a teoria naturalista, “a positivista”, e mais tarde também a pragmatista, as quais ele designa pela curta fórmula de Homo faber, distinta da teoria do homem descrita como Homo sapiens.
Esta teoria do Homo faber começaria por negar uma faculdade racional particular, específica, do homem, não havendo aqui diferença de essência entre o homem e o animal, existindo somente uma diferença de grau.
Assim, seria a partir de instintos e percepções sensíveis e seus derivados, aqui compreendido como tudo o que é próprio da alma e do espírito - o chamado “espírito” pensante, a faculdade distinta do instinto, de querer e de propor-se objetivos a compreensão de valores e a atribuição de valores, -  que os epifenômenos (fenômenos secundários e acessórios que acompanham outro, principal) posteriores e reflexos inativos da consciência de agentes que também atuariam no mundo animal.
Assim, segundo Scheler, o homem não seria em primeiro lugar um ser racional, não seria Homo sapiens, mas um ser de instinto, não passando de um ser vivo altamente desenvolvido.
Ou seja, ele seria a evolução da capacidade de adaptar-se ativamente a situações novas e atípicas, sem experiência prévia, por antecipação às estruturas objetivas do meio ambiente.
Para Scheler, o que chamamos conhecimento seria simplesmente uma série de imagens que se inserem de uma forma cada vez mais rica entre o estímulo e a reação do organismo, signos das coisas fabricados por nós próprios.
Segundo ele, chamamos de verdadeiros estes signos e suas combinações justamente quando conduzem ao êxito das reações propícias à vida, e de falsos, quando não o fazem.
O homem seria, então, essencialmente, um animal de signos (linguagem), um animal de instrumentos e um ser cerebral, isto é, um ser que, para o cérebro, especialmente para a função cortical, consome uma parcela muito maior de energia do que os outros animais.
Assim, os signos, as palavras, os chamados conceitos, seriam aqui somente instrumentos, instrumentos psíquicos mais refinados.
Para Scheler, lentamente, desde o sensualismo grego, foi elaborada a imagem do homem como Homo faber, que encontrou apoio razoável nos grandes psicólogos do instinto, como Hobbes (1588/1679) e Maquiavel (1469/1527), designados como seus progenitores.
Desta forma, toda sensação, toda percepção, como todo processo de uma unidade funcional fisiológica, seria condicionada pelo instinto.
Seriam precisamente estes instintos os que constituem a unidade do organismo psicofísico.
Conforme Scheler, todas as tendências e impulsos, no homem, podem ser reduzidos a três e somente três potencias instintivas primordiais.
São elas:
                        1º - Os instintos de reprodução e todos os seus derivados (instinto sexual, o da criação da prole, libido);
                        2.º - Os instintos de crescimento e de potência;
                        3.º - Os instintos que servem à nutrição no sentido mais amplo.
Entre estes três sistemas de instintos primordiais do animal e do homem, caberia o primeiro lugar ao sistema de reprodução, o segundo ao sistema de poder e o terceiro ao sistema de nutrição.
Scheler chama a atenção para o fato de que grandes teóricos do instinto, chamados naturalistas, deram também origem a três teorias naturalistas distintas e particulares da história, encontrando-se, contudo, todas elas, em concordância lógica com o sentido destas teorias.
1)           A concepção da história chamada econômica (marxista), para a qual a história é essencialmente a luta de classes.
2)           Uma outra concepção naturalista da história considera os processos da miscigenação e da purificação do sangue e também a mudança dos sistemas de reprodução e de procriação como a variável independente de todo acontecimento.
3)           Como uma última variedade da concepção naturalista da história podemos citar a concepção do poder político. Iniciando-se já em Thomas Hobbes e Maquiavel, que vê no resultado das lutas políticas (e não das econômicas) pelo poder, isto é, das lutas pela supremacia entre os Estados e das lutas de classes e grupos no interior do Estado, o fator que também determina as linhas fundamentais para todo possível ser e todo possível acontecer econômico, espiritual e cultural, isto é, o fator determinante da história.
Esta concepção da história corresponderia, segundo Scheler, a uma teoria sobre o homem que, com Nietzsche e com A.Adler (1870/1937), vê o motor primeiro da vida instintiva na “vontade de poder” e na aspiração pelo “reconhecimento”, isto é, na aspiração pelo poder espiritualizado.
            Teríamos assim, no fim do Iluminismo, a imagem de A.Comte (1798/1857) que, na sua “lei dos três estádios” (teológico, metafísico e positivo) dividiu e avaliou a história de acordo com as etapas do saber humano.
            Todos estes tipos de antropologia e teorias de história naturalistas conservam, ainda segundo Scheler, rigorosamente algo em comum: a crença, mais firme ou menos firme, numa unidade da história humana e a crença numa evolução plena de sentido, num movimento da história em direção a um grande objetivo sublime, movimento este que é preciso afirmar.
            Para ele, a Kant, Hegel, Ranke, Comte, Spencer, Darwin, Haeckel, Marx e Gumplowicz, além de outros menores, une-se uma poderosa crença num argumento do valor das coisas humanas e do próprio homem, embora situem este aumento em domínios e bens diversos.
            A quarta das cinco ideias sobre o homem, descritas por Scheler, não foi até agora compreendida e reconhecida pelo mundo da cultura em geral nem no que diz respeito à sua unidade, nem à sua significação, nem à sua relativa justificação.
            Segundo ele, o caráter radical desta nova antropologia consistiria na afirmação de uma decadência necessária do homem na sua história, na introdução desta decadência na própria essência e origem do homem.
            Partindo-se do Homo sapiens progressivo ou do Homo faber que se purifica de maneiras diversas até alcançar o “ser espiritual”, ele viveria numa doentia exaltação do seu próprio ser, valendo-se de simples substitutos (linguagem, utensílios, etc.) das autenticas qualidades e atividades vitais passiveis do desenvolvimento.
            O homem seria, assim, uma espécie de símio predador que, aos poucos, se tornou megalômano, em vista do seu espírito.
            O homem não passaria de um macaco infantil com secreções internas perturbadas.
            Para Scheler o homem enfrentaria tão desarmado o seu meio e seria a ele especificamente tão menos adaptado do que os seus mais próximos parentes animais, e como por outro lado ele não poderia prosseguir no seu desenvolvimento organológico, formou-se nele uma tendência a anular na medida do possível, na sua luta pela existência, a ação de seus órgãos, substituindo-os pelos utensílios (a linguagem e a formação de conceitos recebem aqui também o valor de “utensílios imateriais”) que tornariam desnecessário o desenvolvimento e o aperfeiçoamento funcionais dos órgãos dos sentidos.
            Assim sendo, de acordo com esta teoria, o homem seria o beco sem saída da vida em geral.
            O seu espírito, ele próprio, sua ratio, seria uma doença, uma tendência fundamental doentia da própria vida universal.
            Esta ratio, segundo Scheler, faz dele o Homo sapiens e o faz participar de Deus, sendo ela também o fator que constitui sua “cerebralização”.
            Nesta teoria, o homem individual não estaria doente, podendo mesmo estar são dentro da organização da sua espécie, mas o homem, ele próprio, seria uma doença.
            Segundo Scheler,   em concordância com a teoria do Homo sapiens, distinguirmos o espírito, respectivamente a razão e a vida, como dois agentes metafísicos irredutíveis, identificando entretanto a vida com a alma e o espírito com a inteligência técnica e, ao mesmo tempo, e este seria o fator decisivo, considerando os valores vitais como valores supremos.
            O espírito e a consciência apareceriam, então, logicamente como o princípio que simplesmente destrói, que aniquila a vida, o mais alto dos valores.
            O espírito surgiria aqui como um parasita metafísico que se introduz na vida e na alma para destruí-las.
            Assim, para Scheler, de acordo com esta teoria, a história humana seria somente o processo necessário de extinção de uma espécie que, deste o início, estaria mortalmente ferida, que nasceria mortalmente ferida.
            Esta passagem seria, conforme determina a teoria, uma rigorosa sequência de fases de um caminho que levaria seguramente à morte, cujo termo pode ser alcançado por culturas diferentes em épocas diferentes, mas que seria destinado à humanidade como um todo num tempo não muito longínquo.
            Para Scheler, de acordo com esta teoria, o homem perdeu mais do que ganhou no decorrer da sua história, não somente quanto ao seu ser e à sua existência, mas também no que diz respeito às suas faculdades de conhecimento metafísico.
            Vejamos agora a última, a quinta, das ideias de Scheler sobre o homem.
            Esta quinta ideia lança a consciência de si do homem a um degrau tão elevado, que não se encontra paridade em nenhuma teoria conhecida.
            Nela, segundo Scheler, o ponto de partida emocional seria a caracterização do homem por Nietzsche, em Zaratustra, como “a repulsa e a dolorosa vergonha”, onde esta nova forma de antropologia retomou a ideia nietzschiana do super-homem e forneceu-lhe novos fundamentos racionais para um ateísmo que não pode ser comparado com nenhum outro existente.         
            Nesta teoria, segundo Scheler, todo ateísmo conhecido até agora (no sentido mais lato), dos materialistas, dos positivistas, etc., a existência de um Deus era em si considerada desejável, mas ou indemonstrável ou inatingível pela compreensão direta ou indireta, ou então era refutável pelo curso do mundo, onde se existissem deuses, como poderia o homem suportar não ser um deus?
            Para Scheler, encontra-se aqui, pela primeira vez, o ateísmo postulante, o oposto mais extremo do teísmo postulante de Kant (1724/1804).
            Um ateísmo postulante que tenta alcançar um fundamento rigorosamente científico onde, num mundo mecânico, ou pelo menos num mundo não construído teleologicamente, um ser moral livre, uma pessoa, tem possibilidade de existência.
            Nele o homem seria aniquilado enquanto ser moral, enquanto pessoa, num mundo criado por uma divindade.
            Assim, seria preciso escolher entre uma teleologia da natureza e do ser em geral ou uma teleologia do homem.
            Scheler também faz notar que, pela primeira vez, nesta forma de ateísmo postulante, a negação de Deus não é sentida como uma exoneração da responsabilidade e como uma diminuição da independência e da liberdade do homem mas, precisamente como o maior aumento imaginável da responsabilidade e da soberania, ou seja, se conforme Nietzsche, Deus está morto, ele só pode estar morto se o super-homem vive.
            Nesta teoria, o pensamento e a vontade do homem não devem apoiar-se em nada para dar ao curso do mundo uma direção, um sentido, um valor.
            Assim, para Scheler, no curso desta antropologia, a história torna-se por si própria uma exposição monumental da “figura espiritual” dos heróis e dos gênios, ou, falando como Nietzsche, dos mais altos exemplares da espécie humana.
Sob este aspecto antropológico, analisando tudo o que foi dito até aqui, podemos afirmar, então, que o homem pertence ao reino animal, é vertebrado, mamífero, dotado de consciência e possui longevidade quando comparado a outras espécies.
            Graças à sua condição de ser racional tem excelente capacidade de adaptação climática, tem sexo definido (macho e fêmea) e ocupa o topo da cadeia alimentar.
            Suas crias são geradas no ventre da fêmea, na maioria das vezes com somente uma criança por vez, que nascem após a trigésima sexta semana, sendo totalmente dependentes da mãe até alcançarem aproximadamente dois anos de idade, quando, conforme Kohlberg (1927/1987) e Piaget (1896/1980) iniciam o processo de construção do seu Eu individual.
            No seu processo evolutivo, percebemos que, na infância, todo ser humano é protegido por uma inteligência delegada, que o ampara, protege e orienta, assegurando sua inocência.
            Com o passar dos anos, ele atinge a adolescência que significa adolescer, ficar doente, perdendo como consequência dessa enfermidade, a sua inocência, que o leva ao estágio adulto onde a sensação de perda o inquieta e perturba.
            Nesta fase ele escolhe um caminho, inicia uma jornada, em busca daquilo que perdeu, sem saber propriamente o que procurar.
            Bens materiais, poder, autossuficiência financeira ou econômica, desejo de reconhecimento, são algumas das máscaras que ele veste nesta sua busca, na tentativa de buscar aquilo que foi perdido.
            Atingindo uma idade avançada, dependendo do seu caminho, alguns podem chegar a alcançar novamente a inocência perdida, desta feita de uma forma adquirida, uma Inteligência Adquirida, que também poderia ser chamada de iluminação.
            Neste processo gnosiológico, muitas serão as suas dúvidas e muitas destas questões ficarão sem resposta, ao menos no campo das ciências exatas, sendo a maior e a mais perturbadora delas, a pergunta sobre a existência ou não de Deus.
            Segundo Santo Anselmo (1033/1109), nos quatro primeiros capítulos do “Proslogion”, para quem a fé requer o entendimento em virtude de que Deus concede o entendimento à fé, Deus é aquilo que nada maior pode ser pensado.
            Para Anselmo, mesmo o descrente deve admitir que o que se ouve ou o que se entende está no campo do entendimento, da realidade.
            Assim, aquilo que nada maior pode ser pensado, será maior do que é possível ser pensado e, portanto, deve existir, tanto no entendimento quanto na realidade, algo maior que aquilo de que se possa pensar, e esse algo é precisamente Deus.
            Em outra afirmação, agora segundo São Tomaz de Aquino (1225/1274), em seu princípio da causalidade, onde afirma que “Em algum ponto deve existir uma causa sem causa, algo que iniciou toda a cadeia de causas ...", Essa causa sem causa é Deus, nos leva a concluir, analisando a questão apenas por estes dois aspectos apresentados, por Anselmo e por Aquino, que a existência de Deus, como Grande Arquiteto do Universo, é uma possibilidade real, da mesma forma que podemos concluir que a comprovação deste fato está, e sempre estará, além da capacidade humana de compreendê-lo.
            Trata-se simplesmente de acreditar.
            Por sua vez, compreender também que este acreditar é de caráter eminentemente individual, tanto em forma quanto em intensidade, existindo tantas versões de Deus quantos humanos sobre a Terra.
            Pelos mesmos enunciados “aquilo que é maior do que pode ser pensado” e o da “causa primeira, a causa sem causa”, aceitamos também a possibilidade de existir um Deus maior, único, que pode até mesmo comandar outros deuses, anjos e arcanjos, porém, Uno.
            Dessa forma, evitando fazer afirmações sobre esta ou aquela corrente de pensamento, compreendendo que tudo aquilo que sabemos sobre o assunto, aprendemos de opiniões escritas ou pronunciadas por outros homens, vítimas do seu tempo, de suas superstições, mitos ou pior, vitimas influenciadas por interesses econômicos, de dominação ou de conveniência., podemos afirmar, sem nenhum constrangimento ou dúvida, que, para o convívio harmonioso entre os homens, que necessitam viver em uma sociedade, o Estado deve ser laico para poder representar e servir uma sociedade de homens livres e de bons costumes.
            Igualmente entendemos que, este direito ao credo e à prática religiosa deve ser assegurado a todas as pessoas que encontram nela um conforto e esperança em dias melhores, da mesma forma que deve ser repudiada qualquer forma de discriminação ou preconceito.
            A história demonstrou que os conflitos ocorrem pela tentativa de impor um conceito, uma imagem, uma doutrina ou uma corrente de pensamento de forma hegemônica.
            Por sua vez o Estado, como promotor da felicidade, deve assegurar o direito de livre associação para a prática religiosa, qualquer que seja ela, desde que esta não venha a interferir no direito de outros grupos fazerem o mesmo, garantindo-se que a integridade física, emocional ou psicológica de seus praticantes não seja afetada e que seus membros sejam induzidos ao erro ou a prejuízos de qualquer espécie, a si ou a outros.
            Outra grande questão levantada no caminho da iluminação do homem refere-se à sua vida propriamente dita.
            Questões sobre sua expectativa, em termos de longevidade, sobre a qualidade desta vida e até mesmo sobre o direito de decidir sobre sua interrupção, suscitam temas como aborto, eutanásia, pena de morte que, dada as consequentes questões morais envolvidas, só contribuem para aumentar a sensação de desamparo quando se perde a inocência.
            Durante o desenvolvimento da espécie humana, a longevidade do homem sempre esteve ligada a questões alimentares e, a partir de sua vida em comunidade, às condições sanitárias.
            O homem de Neandertal, que habitou o planeta a milhares de anos atrás, não vivia mais de três décadas.
            A expectativa média de vida das civilizações grega e romana era bem parecida, raramente ultrapassando os 30 anos, chamando a atenção o fato de que, tanto os filósofos quanto os governantes chegavam aos 70 anos ou mais, evidenciando os cuidados que deveriam ser necessários para manter uma boa saúde, e dizer, boa alimentação e condições sanitárias adequadas.
            No século XIV, a peste negra, transmitida por ratos, matou um terço da população europeia.
            Por volta do ano 1500, como as condições de alimentação e de higiene continuavam precárias, as epidemias se multiplicavam e, em geral, as pessoas continuavam morrendo com 30 anos.
            Somente em 1791, quando o químico francês Nicholas Leblanc (1742/1806) descobriu um método eficiente e barato de produzir sabão, é que as coisas começaram a mudar.
            Na época de Napoleão, o banho ainda não era costume corrente na Europa e as pessoas não o praticavam.
            Nos tempos elisabetanos, o banho era um evento anual.
            Com a invenção do “Savonete” (sabão em francês), como resultado da reação química entre a gordura animal e um álcali, resultando em um sal ácido de gordura com ação detergente, aos quais eram inseridos cores e aromas, o banho passou a ser mais frequente.
            Em 1810, os países eram pobres e doentes e, apenas o Reino Unido e a Holanda apresentavam expectativas médias de vida superior a 40 anos.
            Com o advento da Revolução Industrial e a consequente melhoria da situação econômica da parcela mais significativa da população, o salto foi inegável e, ao longo de todo o século XX, embora de forma desigual, a expectativa de vida média aumentou, chegando aos dias atuais com níveis superiores ha 83 anos em Andorra (um pequeno país europeu localizado nos Pirineus), ainda que se mantenha nos 30 anos em Botsuana, na África.
            No século XX, mesmo com a melhoria das condições sanitárias, com o aumento do volume de água potável oferecida às populações, com a maior oferta de alimentos e com desenvolvimento da medicina, a expectativa média de vida da população foi afetada pelas duas grandes guerras, somadas a uma enormidade de conflitos menores, igualmente sangrentos, de caracteres regionais.
            Curiosamente, os homens que sempre ficaram atrás das mulheres em relação à expectativa de vida, no início deste novo milênio estão vivendo mais, chegando-se a prever para a metade do século XXI a igualdade dos números médios.
            Esta mudança se deve muito ao fato da equiparação dos direitos entre homens e mulheres ocorridos no século XX, onde as mulheres dividiram o espaço no mercado de trabalho com os homens, provocando para elas o efeito chamado de “dupla jornada de trabalho”, aliado ao fato de que um maior número de mulheres passou a usar o tabaco, passando a fumar, o que provocou um consequente aumento dos transtornos cardíacos.
            De acordo com o Dr. Radi Macruz (1926/...) médico, professor e cientista brasileiro, em sua obra Matemática da Arquitetura Humana (Editora Roca, 2010), o homem poderá alcançar os 144 anos de vida, quando então ocorreria a morte súbita ou apoptótica (sem doença).
            Com o avanço da medicina e de outras ciências, é inegável a oferta de produtos e serviços que propiciam melhoria da qualidade de vida para os homens, principalmente nos países mais desenvolvidos.
            Paradoxalmente, com este desenvolvimento tecnológico associado ao sedentarismo, ao stress da vida moderna, à poluição e ao consumo de alimentos industrializados, a saúde dessas populações começa a declinar assustadoramente neste século XXI, aumentando de forma exponencial os números de doenças, e consequentes óbitos, ligadas a causas como obesidade, problemas respiratórios, etc.
            Da mesma forma, devido ao gigantesco crescimento populacional e à facilidade de locomoção oferecida por sistemas de transporte cada dia mais eficiente, a miscigenação de tipos humanos diferentes acaba por gerar novas doenças e deficiências, de origem genética, em número igualmente significativo.
            Este número de crianças geradas com problemas genéticos, associado ao número dos casos de gravidez provocada por violência sexual, traz o tema do aborto para um contexto atual.
            “O homem ao alterar a natureza, alterando os alimentos que consome, acaba por alterar a si mesmo e, em caráter geográfico, acaba por formar novas tribos ou tipos de homens diferentes.”
            Como fruto do meio, da alimentação, da exposição ao Sol, as diferenças genéticas se acentuam, provocando diferentes resultados sobre os humanos, sem, contudo, evidenciar superioridade de tipos distintos.
            Assim, podemos admitir que os seres humanos diferenciam-se uns dos outros, enquanto indivíduos e, ainda assim, insistir na afirmação de que não existem diferenças moralmente significativas entre tipos e sexos.
            Somente agora se começa a refletir sobre as injustiças que têm sido cometidas contra as pessoas com deficiência e a considerá-las como pertencentes a um grupo desfavorecido.
            É bem possível que o fato de termos demorado tanto a fazê-lo se deva à confusão entre igualdade factual e igualdade moral.
            Hoje sabemos que muitas crianças deficientes são capazes de ter uma escolaridade normal, mas são impedidas de fazê-lo devido à inexistência de recursos adicionais imprescindíveis para suas necessidades específicas.
            No entanto, devemos ter ciência que pouco mais de 15% do total da população mundial apresenta algum tipo de deficiência, agravando sua condição de sobrevivência na maioria dos países pobres onde uma considerável parcela de humanos vive em condições precárias e não chegam a adquirir consciência de si mesmos, e dizer, não se reconhece como pessoas.
            A palavra pessoa tem origem no termo latino que remete a uma máscara usada por um ator no teatro clássico.
            Ao usarem máscaras, os atores davam a entender que estavam representando um papel e, com o passar do tempo, “pessoa” passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, alguém que é um agente.
            John Locke (1632/1704) definiu uma pessoa como “um ser pensante e inteligente, dotado de razão e reflexão, que pode ver-se como tal, a mesma coisa pensante, em tempos e lugares diferentes”.
            Essa definição aproxima “pessoa” daquilo que J.Fletcher (1905/1991), queria dizer como “humano”, salvo pelo fato de escolher duas características fundamentais: a racionalidade e a consciência de si, como âmago do conceito.
            Segundo Patrick Baert (1961/...), em “Algumas Limitações das Explicações da Escolha Racional na Ciência Política e na Sociologia”, as mais importantes características das explicações da escolha racional são:

a)    A premissa da intencionalidade
b)    A premissa da racionalidade
c)    A distinção entre informação completa e incompleta e, no caso da última, a diferença entre risco e incerteza.
d)    A distinção entre ação estratégica e ação interdependente.

            As explicações intencionais não estipulam apenas que os indivíduos agem intencionalmente, mas tentam dar conta de práticas sociais fazendo referencia a finalidades e objetivos.
            As explicações da escolha racional são um subconjunto das explicações intencionais que atribuem, como o nome sugere, racionalidade à ação social.
            Racionalidade, neste contexto, significa que, ao agir e interagir, os indivíduos têm planos coerentes e tentam maximizar a satisfação de suas preferências ao mesmo tempo em que tentam minimizar os custos envolvidos.
            A racionalidade pressupõe a ideia (premissa) de que o indivíduo é capaz de estabelecer um completo ordenamento das alternativas.
            Hoje, a ciência admite que os golfinhos (delphins) são capazes de desenvolver atitudes intencionais e atitudes racionais, promovendo-os junto com o homem ao status de pessoas.
            Alguns filósofos têm afirmado que os animais não são capazes de pensar ou raciocinar e, em decorrência disso, não tem uma concepção ou uma consciência de si mesmos.
            Vivem o aqui e o agora.
            As pessoas muito frequentemente têm apenas “informações imperfeitas” com respeito à relação entre um conjunto particular de ações e seus resultados.
            Enfrentando riscos, as pessoas são capazes de atribuir probabilidades aos vários resultados, ao passo que, confrontadas com situações de incerteza, não serão capazes de fazê-lo.
            No interior da teoria da escolha racional, a teoria dos jogos, que objetiva trabalhar, por meio de conceitos, situações nas quais os indivíduos tomam decisões considerando as consequências das decisões tomadas por outros, trata da formalização de escolhas estratégicas ou interdependentes por meio da constituição de modelos ideais típicos.
            Na definição que Fletcher usou para o termo humano, ele compilou uma lista, que chamou “indicadores de humanidade”, que incluía as seguintes características:

a)    Autoconsciência
b)    Autodomínio
c)    Sentido de futuro
d)    Sentido de passado
e)    Capacidade de se relacionar com outros
f)     Preocupação pelos outros
g)    Comunicação
h)   Curiosidade

            Esta definição de características humanas, na verdade deveriam ser consideradas como características de pessoas, já que os golfinhos demonstraram possuí-las, ao mesmo tempo em que o embrião humano, o feto subsequente, a criança com deficiência intelectual grave e até mesmo o recém-nascido, todos indiscutivelmente membros da espécie Homo Sapiens, não apresentam estas características, não podendo, portanto, ser consideradas pessoas, muito embora potencialmente possam vir a sê-las.
            É exatamente nesta possibilidade potencial que reside a maior parte da argumentação contrária ao aborto.
            No entanto, para uma avaliação racional e desapaixonada da questão, precisamos considerar aspectos mais amplos do que a simples manutenção da vida; aspectos como a qualidade desta vida em questão, onde o “prazer” e “felicidade”, mesmo com carência de precisão, remetem a algo que se vivencia, ou se sente, e dizer, a estados de consciência fundamentais para o desejo de viver.
            Conforme John Stuart Mill(1806/1873)

Poucas criaturas humanas consentiriam em ser transformadas em qualquer um dos animais inferiores, caso lhes fosse feita a promessa de viverem plenamente todos os prazeres de um animal; nenhum ser humano inteligente consentiria em tornar-se um idiota, nenhuma pessoa instruída aceitaria ser transformada num ignorante, nenhuma pessoa sensível e consciente gostaria de tornar-se egoísta e vil, ainda que se conseguisse convencê-la de que o idiota, o ignorante ou o tratante vivem mais satisfeitos com sua própria sorte do que elas com as suas... É melhor ser um humano insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E, se o idiota ou o porco tem opinião diferente, é porque só conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece os dois lados.

            Enfim, em uma visão plausível do utilitarismo preferencial, uma vida deixa de valer a pena ser vivida, da perspectiva da pessoa que a leva, e somente dela.

Professor Orosco