Do grego ανθρωπος, antrophos, ou em nosso idioma,
homem
Tentar dizer alguma coisa sobre este “bicho homem”, embora possa parecer,
à primeira vista, uma tarefa simples, na verdade, à medida que tentamos
realizá-la, acaba por se se transformar em uma das mais difíceis empreitadas à
qual podemos nos propor executar.
A complexidade do tema é tal, que
podemos fragmentar as premissas que postulamos partindo ora de um cientificismo
acadêmico, ao qual sempre podemos somar algo de místico, ora de elucubrações
pautadas em dogmas religiosos e metafísicos e, mesmo assim, sem dúvida alguma,
deixaríamos muitas questões, para não dizer, a maioria delas, sem resposta.
A ciência que se preocupa em
conhecer o ser humano, em sua totalidade, é a antropologia (ανθρωπολογία, em
grego: ανθρωπος, antrophos, homem e λογία, logia,
estudo), e dizer, a ciência que procura compreender o homem em todos os seus
aspectos, quer no espaço quer no tempo; enquanto ciência social (o homem
enquanto elemento de um grupo; seu comportamento como membro de uma sociedade),
enquanto ciência humana (o homem como um todo) e enquanto como ciência natural
(o homem e sua evolução), valendo-se para tal de rigorosos procedimentos
metodológicos.
Como
ciência física ou biológica, procura conhecer a origem do homem, sua evolução,
sua estrutura anatômica, seus processos fisiológicos e as diferentes
características raciais das várias populações humanas ao longo do tempo e do
espaço, dividindo-se em:
1-
Paleontologia (παλαιοντολογία, em grego: παλαιος, palaio, velho e λογία, logia, estudo), que estuda a
evolução do homem através do conhecimento das formas fósseis entre os primatas
e o homem moderno.
2-
Somatologia, que descreve as variedades
existentes do homem,
3-
Raciologia, interessada pela história racial do
homem e
4-
Antropometria (ανθρωπομετρία, em grego: ανθρωπος, antropos, homem e
μετρία, metria, medida) que usa técnicas de medição, quantitativa, para
mensurar fosseis comparando-os às medidas do corpo humano atual.
No campo cultural, investiga a
origem e o desenvolvimento das culturas humanas, no tempo e no espaço, suas
semelhanças e suas diferenças, preocupando-se em identificar os modos de
comportamento instintivos (hereditários) e adquiridos (por aprendizagem),
dividindo-se em:
1-
Arqueologia (αρχαιολογία, em grego: αρχαιο,
archaio, antigo e λογία, logia, estudo), que tem por objeto de estudo as
culturas do passado.
2-
Etnografia (εθνογραφία, em grego: εθνο, éthnos,
povo e γραφία, grafia, escrever), que se preocupa com a descrição das
sociedades humanas, visando a reconstituição da forma de vida de cada grupo
particular e, em especial, as primitivas ou ágrafas (αγραφα, em grego, onde o
prefíxo “a” conota uma negação;ou seja, sem grafia, sem linguagem escrita)
3-
Etnologia (εθνολογία, em grego: εθνο, éthnos,
povo e λογία, logia, estudo) que procura analisar e comparar as variedades
culturais existentes.
4-
Linguística, que compreende a linguagem como
meio da comunicação e como um instrumento do pensamento.
5-
Folclore, a cultura espontânea dos grupos
humanos.
O naturalista sueco Carl Lineu
(1707/1778), considerado o “pai da taxonomia moderna”, disciplina que define os
grupos de organismos biológicos, foi o primeiro a fazer uma classificação da
raça, em sua obra “Sistema Naturae”, que somente na sua 10ª edição, em 1758,
dividiu a espécie humana em quatro grandes grupos: o homem europeu, o homem
americano, o homem asiático e o homem africano.
A zoologia (ζωολογία, em grego: ζώο,
zoon, animal e λογία, logia, estudo), por sua vez, classifica o homem como um
espécime do Reino Animal, pertencente ao Filo dos Cordados (aqueles que têm
medula espinhal e sistema nervoso), Sub-Filo dos Vertebrados, Mamífero, Subclasse
dos Eutérios (onde a criança se desenvolve no útero da materno), Primata,
Subordem Antropoide, Superfamília Hominídea, do Gênero Homo, Espécie Homo
Sapiens e Variedade Homo Sapiens Sapiens.
Charles Darwin (1809/1882), a quem
designaremos um capítulo especial no decorrer do presente trabalho, em seu
livro “A Origem das Espécies” (10), publicado em 1859, deu origem
oficial à teoria evolucionista, rompendo os paradigmas vigentes e aceitos até
então, que pregavam o criacionismo.
Apoiado sobre o trabalho de Thomas
Robert Malthus (1766/1834), um economista britânico, a quem também destinaremos
um capítulo especial neste nosso livro, que afirmava em sua obra, existir de
forma permanente, uma luta pela vida em função do número excessivo de
indivíduos de uma mesma espécie que disputam os recursos disponíveis e finitos
em certa região, onde sobrevive somente o mais forte, aquele que melhor se
adapta às mudanças ocorridas, Darwin, assumindo a posição de um observador
meticuloso e imparcial dos fenômenos naturais, além de um colecionador de
espécimes, estabelecendo correlações e tabulando seus dados com estremo zelo,
ofereceu ao mundo sua “teoria da seleção natural entre as espécies” que,
segundo ele, explicava a grande extinção, quase inevitável, das formas de vida
menos aperfeiçoadas.
Alguns
exemplos de correlação são muito caprichosos: assim, os gatos que são brancos e
têm os olhos azuis, geralmente são surdos; mas ultimamente o senhor Tait (Robet
Lawson Tait [1845/1899])
mostrou que isto está limitado aos machos. (DARWIN, 1859).
Analisando espécimes de diferentes
espécies de animas e plantas, com diferentes expectativas de vida e com
diferentes ciclos de reprodução, Darwin pode encontrar pequenas variações
anatômicas, que ele classificou como adequações às novas condições oferecidas,
e dizer, pequenas mutações sofridas pelos organismos estudados que lhes
garantiriam a sobrevivência e a continuidade da espécie.
Percebeu também que, dentre as
numerosas espécies e espécimes estudados, tinham maior possibilidade de
sobrevivência aqueles cuja população era maior (a raridade era quase um
sinônimo de extinção no médio e no longo prazo) e que, em função das variações
geográficas, climáticas, alimentares, já oferecia, per se, um número maior de
subtipos.
Algo que nos dias atuais, por
exemplo, justificaria a dificuldades que temos para encontrar uma vacina eficaz
contra o vírus da influenza (gripe), que se modifica (adapta) de forma rápida,
permanente e também diferente, segundo a região do planeta em que se desenvolve.
Isto agravado, ainda, pela
excepcional velocidade com que se propaga, migrando de uma região a outra,
acompanhando seu hospedeiro, que pode ser humano, suíno, ave, além de qualquer
outro animal, planta ou objeto, onde colônias virais possam ser instaladas
(roupas ou utensílios domésticos, por exemplo).
Percebeu também, que a espécie
humana, entre várias outras, é praticamente a única que consegue ocupar todas
as regiões do planeta, em suas diferentes latitudes, longitudes e altitudes,
apresentando um maior número de subtipos, e que também influi, de forma
incisiva, sobre o desenvolvimento de outras espécies, principalmente daquelas
que domestica para seu alimento ou prazer.
A variabilidade indeterminada é um
resultado bem mais frequente da mudança de condições do que a variabilidade
determinada, e desempenhou, provavelmente, um papel mais importante na formação
das raças domésticas. (DARWIN, 1859).
Afirmou também que, pela influência
humana, os cruzamentos genéticos provocam o surgimento de novos subtipos, alteram-se
ciclos reprodutivos e acentuam-se características antes inexistentes, tanto em
plantas como em animais, o que, de forma natural, ao longo dos anos, também
aconteceu com o bicho homem.
Nada é mais fácil do que
amansar um animal, e existem poucas coisas mais difíceis do que fazê-lo se
reproduzir em cativeiro, ainda que o macho e a fêmea se unam.
...
Muitas plantas cultivadas
mostram maior vigor e, no entanto, raramente ou nunca produzem sementes.
...
No pato doméstico, verifico
que, em proporção a todo o esqueleto, os ossos da asa pesam menos e os ossos da
pata mais, do que os mesmos ossos do pato selvagem, e esta mudança pode ser
atribuída seguramente ao fato de o pato doméstico voar muito menos e andar mais
do que seus progenitores selvagens.
...
Não
se pode citar um animal doméstico que não tenha em algum país as orelhas
caídas, e parece provável a opinião, que se sugere; de que o fato de ter as
orelhas caídas se deve ao desuso dos músculos da orelha, porque esses animais
raramente se sentem muito alarmados. (DARWIN, 1859).
Na antropologia, que é por
excelência a ciência que estuda o homem, considerando-se seus principais campos
de investigação (biológico e cultural), é importante levar em consideração a
distinção entre método e técnica, aplicados a cada uma delas.
Entenda-se por método, um conjunto
de regras para a investigação, um procedimento cuidadosamente elaborado,
visando provocar respostas, na natureza ou na sociedade para, paulatinamente
descobrir suas lógicas e leis.
O método histórico consiste em
investigar eventos do passado para compreender os modos de vida do presente,
explicados a partir da reconstrução da cultura e da observação das mudanças
ocorridas ao longo do tempo.
O método estatístico, verificando as
variações das populações estudadas, onde os dados, depois de coletados, são
reduzidos a termos quantitativos, demonstrados em tabelas, gráficos, etc.
É importante frisar que os métodos
estatísticos, em termos quantitativos, oferecem sempre probabilidades de
ocorrência, e não certezas absolutas.
Segundo Max
Scheler (1874/1928), considerado o fundador da disciplina de Antropologia
Filosófica, uma ciência fundamental que tenta compreender a estrutura essencial
do homem, entendendo, a priori, que vivenciamos a primeira época em que o homem
tornou-se total e completamente “problemático” para si mesmo, na qual ele não
sabe mais o que é ao mesmo tempo em que também sabe que não sabe.
Uma ciência que,
fundamentando o pensamento de Hegel (1770/1831), estuda a história da
consciência de si do homem, uma história das formas ideais essenciais em que
ele pensava a si mesmo, em que se via, sentia e se concebia como inserido nas
ordens do ser, deveria preceder uma história das teorias míticas, religiosas,
teológicas e filosóficas sobre o homem.
Segundo ele, os
povos chamados primitivos não são os únicos que se sentiam ainda totalmente
aparentados e unos com o mundo animal e vegetal do seu grupo e do seu espaço
vital.
Da mesma forma,
o cristianismo representava, no seu conjunto, uma nova intensificação da
consciência de si do homem.
Assim sendo,
segundo Scheler, um dos problemas mais fundamentais de uma antropologia
filosófica é sabermos o que significam na realidade estes desenvolvimentos, em
saltos, da consciência de si no homem.
Em sua obra,
Visão Filosófica do Mundo, Max Scheler distingue cinco tipos fundamentais da
concepção que o homem tem de si mesmo, demonstrando, de maneira inequívoca, que
estão ligadas, conforme seu sentido, a uma espécie de abordagem histórica, isto
é, a uma concepção fundamental da história humana.
Ele afirma, categoricamente
nesta obra, que toda teoria histórica tem seu fundamento numa determinada
espécie de antropologia, e que é indiferente, para o resultado, se tem dela
consciência e conhecimento o historiador, o sociólogo ou o filósofo da
história.
Três destas
cinco ideias são conhecidas no âmbito da cultura geral e as duas outras, as
mais recentes, não se submetem, ainda, na sua peculiaridade definida, à
consciência da cultura científica.
A primeira ideia
seria um produto da fé religiosa, representando um resultado muito complexo do
judaísmo religioso e seus documentos, conhecido como o mito de uma criação do
homem (corpo e alma) por um Deus pessoal.
Esta
antropologia religiosa seria totalmente destituída de sentido para uma
filosofia e uma ciência autônomas; entretanto, precisa ser sublinhado, segundo
Scheler, que este mito continua poderoso e exerce sobre todos os homens uma
influência maior do que se suspeita.
Para ele, mesmo
aquele que deixou de crer dogmaticamente nestas coisas, não se despojou nem de
longe da forma, do timbre de valor da consciência de si do homem, do sentimento
da dignidade humana, que têm suas raízes históricas no conteúdo objetivo desta
fé.
Uma segunda ideia
sobre o homem, hoje ainda em vigor entre nós, seria uma invenção dos gregos,
que estabeleceria uma distinção entre o homem e o animal em geral.
Nela, o conceito
de homem dominante na história originou-se numa lei de formação totalmente
diversa.
A filosofia
clássica grega seria, por assim dizer, a primeira a conceber este pensamento,
onde se elevaria, pela primeira vez, a consciência de si humana acima de todo o
resto da natureza.
Só por meio da
razão (logos, ratio),
tornar-se-á o homo capaz de conhecer o ser como é em si, a divindade, o mundo e
a si próprio.
A chamada razão
do homem, vista como uma função parcial (somente mais tarde como criatura) do
logos, do nous divino, possui a
força das ideias e produz constantemente este mundo e a sua ordem, não no
sentido de uma criação, mas de um eterno mover e transformar.
Scheler atribui,
aqui, uma importância especial a quatro características particulares desta
teoria: 1. O homem, portanto, possui em si um agente divino que toda a natureza
não contém subjetivamente. 2. Este agente é ontologicamente, ou pelo menos de
acordo com seu princípio, o mesmo que aquele que eternamente transforma o mundo
e dá-lhe forma de mundo (que racionaliza o caos, a matéria, até se tornarem
cosmos); portanto este agente é verdadeiramente adequado para o conhecimento do
mundo. 3. Este agente, enquanto logos (reino das “formae substantiales” em
Aristóteles [384/322 a.C.]) e enquanto razão humana, tem o poder e a força de
realizar seus conteúdos ideais (poder do espírito, poder próprio da ideia)
também sem o instinto e a sensibilidade comuns ao homem e ao animal
(percepção). 4. Este agente é absolutamente constante na história, nos povos e
nas classes.
Segundo ele, as
quatro características acima expostas permanecem totalmente independentes
também da oposição teísmo-panteísmo.
Scheler afirma
que, entre os quatro elementos esboçados que constituem esta teoria, somente
um, a característica da estabilidade, teria sido superada, em oposição à
filosofia do iluminismo, pela maior personalidade da filosofia pós kantiana,
personalidade que foi ao mesmo tempo a mais influente para a ciência histórica.
Assim, a única ideia
que a filosofia traz para a história universal é a simples ideia da razão, que
a razão domina o mundo e que, portanto, também a história universal tenha
acontecido racionalmente.
Seria somente num
processo de devir que o homem atinge a crescente consciência daquilo que ele é,
desde sempre, de acordo com sua ideia: a consciência da sua liberdade, superior
ao instinto e à natureza.
Registre-se
aqui, na opinião de Scheler, a importância de perceber-se que esta teoria do
Homo sapiens assumiu para toda a Europa o caráter mais perigoso que uma ideia
pode assumir: o caráter de evidencia.
Segundo ele, Nietzsche
(1844/1900), reconhecendo a razão como uma invenção dos gregos, colocou a
questão radical sobre o sentido e o valor do que chamamos a “própria verdade”,
compreendendo de uma forma eminente que a ideia tradicional da verdade, que é a
correspondência entre o pensamento e o objeto, subsiste e cai logicamente com a
ideia espiritualista de Deus.
Na continuação,
conheceremos, ainda conforme Scheler, duas outras ideias sobre o homem,
irreconciliáveis com a ideia exposta do Homo sapiens, começando, primeiramente,
pelo “homem dionisíaco” que procura eliminar sua vida instintiva e sensorial a
fim de aprender as “ideias eternas”; e que, pelo contrário, não aspira mais a
nada, a não ser eliminar o espírito, a razão, para tornar-se uno com a natureza
criadora, uma ideia antropológica que percebe a razão como a enfermidade da
vida.
Em segundo
lugar, o Homo faber do positivismo, que nega por completo um novo agente
essencialmente espiritual do homem.
Já, a terceira das
cinco ideologias descritas por Scheler sobre o homem, dominante entre nós,
inclui a teoria naturalista, “a positivista”, e mais tarde também a
pragmatista, as quais ele designa pela curta fórmula de Homo faber, distinta da
teoria do homem descrita como Homo sapiens.
Esta teoria do
Homo faber começaria por negar uma faculdade racional particular, específica,
do homem, não havendo aqui diferença de essência entre o homem e o animal, existindo
somente uma diferença de grau.
Assim, seria a
partir de instintos e percepções sensíveis e seus derivados, aqui compreendido
como tudo o que é próprio da alma e do espírito - o chamado “espírito”
pensante, a faculdade distinta do instinto, de querer e de propor-se objetivos
a compreensão de valores e a atribuição de valores, - que os epifenômenos (fenômenos secundários e
acessórios que acompanham outro, principal) posteriores e reflexos inativos da
consciência de agentes que também atuariam no mundo animal.
Assim, segundo
Scheler, o homem não seria em primeiro lugar um ser racional, não seria Homo
sapiens, mas um ser de instinto, não passando de um ser vivo altamente
desenvolvido.
Ou seja, ele
seria a evolução da capacidade de adaptar-se ativamente a situações novas e
atípicas, sem experiência prévia, por antecipação às estruturas objetivas do
meio ambiente.
Para Scheler, o
que chamamos conhecimento seria simplesmente uma série de imagens que se
inserem de uma forma cada vez mais rica entre o estímulo e a reação do
organismo, signos das coisas fabricados por nós próprios.
Segundo ele, chamamos
de verdadeiros estes signos e suas combinações justamente quando conduzem ao
êxito das reações propícias à vida, e de falsos, quando não o fazem.
O homem seria,
então, essencialmente, um animal de signos (linguagem), um animal de
instrumentos e um ser cerebral, isto é, um ser que, para o cérebro,
especialmente para a função cortical, consome uma parcela muito maior de
energia do que os outros animais.
Assim, os
signos, as palavras, os chamados conceitos, seriam aqui somente instrumentos,
instrumentos psíquicos mais refinados.
Para Scheler, lentamente,
desde o sensualismo grego, foi elaborada a imagem do homem como Homo faber, que
encontrou apoio razoável nos grandes psicólogos do instinto, como Hobbes
(1588/1679) e Maquiavel (1469/1527), designados como seus progenitores.
Desta forma, toda
sensação, toda percepção, como todo processo de uma unidade funcional
fisiológica, seria condicionada pelo instinto.
Seriam
precisamente estes instintos os que constituem a unidade do organismo
psicofísico.
Conforme
Scheler, todas as tendências e impulsos, no homem, podem ser reduzidos a três e
somente três potencias instintivas primordiais.
São elas:
1º
- Os instintos de reprodução e todos os seus derivados (instinto sexual, o da
criação da prole, libido);
2.º
- Os instintos de crescimento e de potência;
3.º
- Os instintos que servem à nutrição no sentido mais amplo.
Entre estes três
sistemas de instintos primordiais do animal e do homem, caberia o primeiro
lugar ao sistema de reprodução, o segundo ao sistema de poder e o terceiro ao
sistema de nutrição.
Scheler chama a
atenção para o fato de que grandes teóricos do instinto, chamados naturalistas,
deram também origem a três teorias naturalistas distintas e particulares da
história, encontrando-se, contudo, todas elas, em concordância lógica com o
sentido destas teorias.
1)
A concepção da história chamada econômica
(marxista), para a qual a história é essencialmente a luta de classes.
2)
Uma outra concepção naturalista da história
considera os processos da miscigenação e da purificação do sangue e também a
mudança dos sistemas de reprodução e de procriação como a variável independente
de todo acontecimento.
3)
Como uma última variedade da concepção
naturalista da história podemos citar a concepção do poder político.
Iniciando-se já em Thomas Hobbes e Maquiavel, que vê no resultado das lutas
políticas (e não das econômicas) pelo poder, isto é, das lutas pela supremacia
entre os Estados e das lutas de classes e grupos no interior do Estado, o fator
que também determina as linhas fundamentais para todo possível ser e todo
possível acontecer econômico, espiritual e cultural, isto é, o fator
determinante da história.
Esta concepção
da história corresponderia, segundo Scheler, a uma teoria sobre o homem que,
com Nietzsche e com A.Adler (1870/1937), vê o motor primeiro da vida instintiva
na “vontade de poder” e na aspiração pelo “reconhecimento”, isto é, na
aspiração pelo poder espiritualizado.
Teríamos
assim, no fim do Iluminismo, a imagem de A.Comte (1798/1857) que, na sua “lei
dos três estádios” (teológico, metafísico e positivo) dividiu e avaliou a
história de acordo com as etapas do saber humano.
Todos
estes tipos de antropologia e teorias de história naturalistas conservam, ainda
segundo Scheler, rigorosamente algo em comum: a crença, mais firme ou menos
firme, numa unidade da história humana e a crença numa evolução plena de
sentido, num movimento da história em direção a um grande objetivo sublime,
movimento este que é preciso afirmar.
Para
ele, a Kant, Hegel, Ranke, Comte, Spencer, Darwin, Haeckel, Marx e Gumplowicz,
além de outros menores, une-se uma poderosa crença num argumento do valor das
coisas humanas e do próprio homem, embora situem este aumento em domínios e
bens diversos.
A
quarta das cinco ideias sobre o homem, descritas por Scheler, não foi até agora
compreendida e reconhecida pelo mundo da cultura em geral nem no que diz
respeito à sua unidade, nem à sua significação, nem à sua relativa
justificação.
Segundo
ele, o caráter radical desta nova antropologia consistiria na afirmação de uma
decadência necessária do homem na sua história, na introdução desta decadência
na própria essência e origem do homem.
Partindo-se
do Homo sapiens progressivo ou do Homo faber que se purifica de maneiras
diversas até alcançar o “ser espiritual”, ele viveria numa doentia exaltação do
seu próprio ser, valendo-se de simples substitutos (linguagem, utensílios,
etc.) das autenticas qualidades e atividades vitais passiveis do
desenvolvimento.
O
homem seria, assim, uma espécie de símio predador que, aos poucos, se tornou
megalômano, em vista do seu espírito.
O
homem não passaria de um macaco infantil com secreções internas perturbadas.
Para
Scheler o homem enfrentaria tão desarmado o seu meio e seria a ele
especificamente tão menos adaptado do que os seus mais próximos parentes
animais, e como por outro lado ele não poderia prosseguir no seu
desenvolvimento organológico, formou-se nele uma tendência a anular na medida
do possível, na sua luta pela existência, a ação de seus órgãos,
substituindo-os pelos utensílios (a linguagem e a formação de conceitos recebem
aqui também o valor de “utensílios imateriais”) que tornariam desnecessário o
desenvolvimento e o aperfeiçoamento funcionais dos órgãos dos sentidos.
Assim
sendo, de acordo com esta teoria, o homem seria o beco sem saída da vida em
geral.
O
seu espírito, ele próprio, sua ratio, seria uma doença, uma tendência
fundamental doentia da própria vida universal.
Esta
ratio, segundo Scheler, faz dele o Homo sapiens e o faz participar de Deus, sendo
ela também o fator que constitui sua “cerebralização”.
Nesta
teoria, o homem individual não estaria doente, podendo mesmo estar são dentro
da organização da sua espécie, mas o homem, ele próprio, seria uma doença.
Segundo
Scheler, em concordância com a teoria do
Homo sapiens, distinguirmos o espírito, respectivamente a razão e a vida, como
dois agentes metafísicos irredutíveis, identificando entretanto a vida com a
alma e o espírito com a inteligência técnica e, ao mesmo tempo, e este seria o
fator decisivo, considerando os valores vitais como valores supremos.
O
espírito e a consciência apareceriam, então, logicamente como o princípio que simplesmente
destrói, que aniquila a vida, o mais alto dos valores.
O
espírito surgiria aqui como um parasita metafísico que se introduz na vida e na
alma para destruí-las.
Assim,
para Scheler, de acordo com esta teoria, a história humana seria somente o
processo necessário de extinção de uma espécie que, deste o início, estaria
mortalmente ferida, que nasceria mortalmente ferida.
Esta
passagem seria, conforme determina a teoria, uma rigorosa sequência de fases de
um caminho que levaria seguramente à morte, cujo termo pode ser alcançado por
culturas diferentes em épocas diferentes, mas que seria destinado à humanidade
como um todo num tempo não muito longínquo.
Para
Scheler, de acordo com esta teoria, o homem perdeu mais do que ganhou no
decorrer da sua história, não somente quanto ao seu ser e à sua existência, mas
também no que diz respeito às suas faculdades de conhecimento metafísico.
Vejamos
agora a última, a quinta, das ideias de Scheler sobre o homem.
Esta
quinta ideia lança a consciência de si do homem a um degrau tão elevado, que
não se encontra paridade em nenhuma teoria conhecida.
Nela,
segundo Scheler, o ponto de partida emocional seria a caracterização do homem
por Nietzsche, em Zaratustra, como “a repulsa e a dolorosa vergonha”, onde esta
nova forma de antropologia retomou a ideia nietzschiana do super-homem e
forneceu-lhe novos fundamentos racionais para um ateísmo que não pode ser
comparado com nenhum outro existente.
Nesta
teoria, segundo Scheler, todo ateísmo conhecido até agora (no sentido mais
lato), dos materialistas, dos positivistas, etc., a existência de um Deus era
em si considerada desejável, mas ou indemonstrável ou inatingível pela
compreensão direta ou indireta, ou então era refutável pelo curso do mundo,
onde se existissem deuses, como poderia o homem suportar não ser um deus?
Para
Scheler, encontra-se aqui, pela primeira vez, o ateísmo postulante, o oposto
mais extremo do teísmo postulante de Kant (1724/1804).
Um
ateísmo postulante que tenta alcançar um fundamento rigorosamente científico
onde, num mundo mecânico, ou pelo menos num mundo não construído
teleologicamente, um ser moral livre, uma pessoa, tem possibilidade de
existência.
Nele
o homem seria aniquilado enquanto ser moral, enquanto pessoa, num mundo criado
por uma divindade.
Assim,
seria preciso escolher entre uma teleologia da natureza e do ser em geral ou
uma teleologia do homem.
Scheler
também faz notar que, pela primeira vez, nesta forma de ateísmo postulante, a
negação de Deus não é sentida como uma exoneração da responsabilidade e como
uma diminuição da independência e da liberdade do homem mas, precisamente como
o maior aumento imaginável da responsabilidade e da soberania, ou seja, se
conforme Nietzsche, Deus está morto, ele só pode estar morto se o super-homem
vive.
Nesta
teoria, o pensamento e a vontade do homem não devem apoiar-se em nada para dar
ao curso do mundo uma direção, um sentido, um valor.
Assim,
para Scheler, no curso desta antropologia, a história torna-se por si própria
uma exposição monumental da “figura espiritual” dos heróis e dos gênios, ou,
falando como Nietzsche, dos mais altos exemplares da espécie humana.
Sob este aspecto
antropológico, analisando tudo o que foi dito até aqui, podemos afirmar, então,
que o homem pertence ao reino animal, é vertebrado, mamífero, dotado de
consciência e possui longevidade quando comparado a outras espécies.
Graças
à sua condição de ser racional tem excelente capacidade de adaptação climática,
tem sexo definido (macho e fêmea) e ocupa o topo da cadeia alimentar.
Suas
crias são geradas no ventre da fêmea, na maioria das vezes com somente uma
criança por vez, que nascem após a trigésima sexta semana, sendo totalmente
dependentes da mãe até alcançarem aproximadamente dois anos de idade, quando,
conforme Kohlberg (1927/1987) e Piaget (1896/1980) iniciam o processo de
construção do seu Eu individual.
No
seu processo evolutivo, percebemos que, na infância, todo ser humano é
protegido por uma inteligência delegada, que o ampara, protege e orienta,
assegurando sua inocência.
Com
o passar dos anos, ele atinge a adolescência que significa adolescer, ficar
doente, perdendo como consequência dessa enfermidade, a sua inocência, que o
leva ao estágio adulto onde a sensação de perda o inquieta e perturba.
Nesta
fase ele escolhe um caminho, inicia uma jornada, em busca daquilo que perdeu,
sem saber propriamente o que procurar.
Bens
materiais, poder, autossuficiência financeira ou econômica, desejo de
reconhecimento, são algumas das máscaras que ele veste nesta sua busca, na
tentativa de buscar aquilo que foi perdido.
Atingindo
uma idade avançada, dependendo do seu caminho, alguns podem chegar a alcançar
novamente a inocência perdida, desta feita de uma forma adquirida, uma
Inteligência Adquirida, que também poderia ser chamada de iluminação.
Neste
processo gnosiológico, muitas serão as suas dúvidas e muitas destas questões
ficarão sem resposta, ao menos no campo das ciências exatas, sendo a maior e a
mais perturbadora delas, a pergunta sobre a existência ou não de Deus.
Segundo
Santo Anselmo (1033/1109), nos quatro primeiros capítulos do “Proslogion”, para
quem a fé requer o entendimento em virtude de que Deus concede o entendimento à
fé, Deus é aquilo que nada maior pode ser pensado.
Para
Anselmo, mesmo o descrente deve admitir que o que se ouve ou o que se entende
está no campo do entendimento, da realidade.
Assim,
aquilo que nada maior pode ser pensado, será maior do que é possível ser
pensado e, portanto, deve existir, tanto no entendimento quanto na realidade,
algo maior que aquilo de que se possa pensar, e esse algo é precisamente Deus.
Em
outra afirmação, agora segundo São Tomaz de Aquino (1225/1274), em seu
princípio da causalidade, onde afirma que “Em algum ponto deve existir uma
causa sem causa, algo que iniciou toda a cadeia de causas ...", Essa causa
sem causa é Deus, nos leva a concluir, analisando a questão apenas por estes
dois aspectos apresentados, por Anselmo e por Aquino, que a existência de Deus,
como Grande Arquiteto do Universo, é uma possibilidade real, da mesma forma que
podemos concluir que a comprovação deste fato está, e sempre estará, além da
capacidade humana de compreendê-lo.
Trata-se
simplesmente de acreditar.
Por
sua vez, compreender também que este acreditar é de caráter eminentemente
individual, tanto em forma quanto em intensidade, existindo tantas versões de
Deus quantos humanos sobre a Terra.
Pelos
mesmos enunciados “aquilo que é maior do que pode ser pensado” e o da “causa
primeira, a causa sem causa”, aceitamos também a possibilidade de existir um
Deus maior, único, que pode até mesmo comandar outros deuses, anjos e arcanjos,
porém, Uno.
Dessa
forma, evitando fazer afirmações sobre esta ou aquela corrente de pensamento, compreendendo
que tudo aquilo que sabemos sobre o assunto, aprendemos de opiniões escritas ou
pronunciadas por outros homens, vítimas do seu tempo, de suas superstições,
mitos ou pior, vitimas influenciadas por interesses econômicos, de dominação ou
de conveniência., podemos afirmar, sem nenhum constrangimento ou dúvida, que,
para o convívio harmonioso entre os homens, que necessitam viver em uma
sociedade, o Estado deve ser laico para poder representar e servir uma
sociedade de homens livres e de bons costumes.
Igualmente
entendemos que, este direito ao credo e à prática religiosa deve ser assegurado
a todas as pessoas que encontram nela um conforto e esperança em dias melhores,
da mesma forma que deve ser repudiada qualquer forma de discriminação ou
preconceito.
A
história demonstrou que os conflitos ocorrem pela tentativa de impor um
conceito, uma imagem, uma doutrina ou uma corrente de pensamento de forma
hegemônica.
Por
sua vez o Estado, como promotor da felicidade, deve assegurar o direito de
livre associação para a prática religiosa, qualquer que seja ela, desde que
esta não venha a interferir no direito de outros grupos fazerem o mesmo,
garantindo-se que a integridade física, emocional ou psicológica de seus
praticantes não seja afetada e que seus membros sejam induzidos ao erro ou a
prejuízos de qualquer espécie, a si ou a outros.
Outra
grande questão levantada no caminho da iluminação do homem refere-se à sua vida
propriamente dita.
Questões
sobre sua expectativa, em termos de longevidade, sobre a qualidade desta vida e
até mesmo sobre o direito de decidir sobre sua interrupção, suscitam temas como
aborto, eutanásia, pena de morte que, dada as consequentes questões morais
envolvidas, só contribuem para aumentar a sensação de desamparo quando se perde
a inocência.
Durante
o desenvolvimento da espécie humana, a longevidade do homem sempre esteve
ligada a questões alimentares e, a partir de sua vida em comunidade, às
condições sanitárias.
O
homem de Neandertal, que habitou o planeta a milhares de anos atrás, não vivia
mais de três décadas.
A
expectativa média de vida das civilizações grega e romana era bem parecida,
raramente ultrapassando os 30 anos, chamando a atenção o fato de que, tanto os
filósofos quanto os governantes chegavam aos 70 anos ou mais, evidenciando os
cuidados que deveriam ser necessários para manter uma boa saúde, e dizer, boa
alimentação e condições sanitárias adequadas.
No
século XIV, a peste negra, transmitida por ratos, matou um terço da população
europeia.
Por
volta do ano 1500, como as condições de alimentação e de higiene continuavam
precárias, as epidemias se multiplicavam e, em geral, as pessoas continuavam
morrendo com 30 anos.
Somente
em 1791, quando o químico francês Nicholas Leblanc (1742/1806) descobriu um
método eficiente e barato de produzir sabão, é que as coisas começaram a mudar.
Na
época de Napoleão, o banho ainda não era costume corrente na Europa e as
pessoas não o praticavam.
Nos
tempos elisabetanos, o banho era um evento anual.
Com
a invenção do “Savonete” (sabão em francês), como resultado da reação química
entre a gordura animal e um álcali, resultando em um sal ácido de gordura com
ação detergente, aos quais eram inseridos cores e aromas, o banho passou a ser
mais frequente.
Em
1810, os países eram pobres e doentes e, apenas o Reino Unido e a Holanda
apresentavam expectativas médias de vida superior a 40 anos.
Com
o advento da Revolução Industrial e a consequente melhoria da situação
econômica da parcela mais significativa da população, o salto foi inegável e,
ao longo de todo o século XX, embora de forma desigual, a expectativa de vida
média aumentou, chegando aos dias atuais com níveis superiores ha 83 anos em
Andorra (um pequeno país europeu localizado nos Pirineus), ainda que se
mantenha nos 30 anos em Botsuana, na África.
No
século XX, mesmo com a melhoria das condições sanitárias, com o aumento do
volume de água potável oferecida às populações, com a maior oferta de alimentos
e com desenvolvimento da medicina, a expectativa média de vida da população foi
afetada pelas duas grandes guerras, somadas a uma enormidade de conflitos
menores, igualmente sangrentos, de caracteres regionais.
Curiosamente,
os homens que sempre ficaram atrás das mulheres em relação à expectativa de
vida, no início deste novo milênio estão vivendo mais, chegando-se a prever
para a metade do século XXI a igualdade dos números médios.
Esta
mudança se deve muito ao fato da equiparação dos direitos entre homens e
mulheres ocorridos no século XX, onde as mulheres dividiram o espaço no mercado
de trabalho com os homens, provocando para elas o efeito chamado de “dupla
jornada de trabalho”, aliado ao fato de que um maior número de mulheres passou
a usar o tabaco, passando a fumar, o que provocou um consequente aumento dos
transtornos cardíacos.
De
acordo com o Dr. Radi Macruz (1926/...) médico, professor e cientista
brasileiro, em sua obra Matemática da Arquitetura Humana (Editora Roca, 2010),
o homem poderá alcançar os 144 anos de vida, quando então ocorreria a morte
súbita ou apoptótica (sem doença).
Com
o avanço da medicina e de outras ciências, é inegável a oferta de produtos e
serviços que propiciam melhoria da qualidade de vida para os homens,
principalmente nos países mais desenvolvidos.
Paradoxalmente,
com este desenvolvimento tecnológico associado ao sedentarismo, ao stress da
vida moderna, à poluição e ao consumo de alimentos industrializados, a saúde
dessas populações começa a declinar assustadoramente neste século XXI,
aumentando de forma exponencial os números de doenças, e consequentes óbitos,
ligadas a causas como obesidade, problemas respiratórios, etc.
Da
mesma forma, devido ao gigantesco crescimento populacional e à facilidade de
locomoção oferecida por sistemas de transporte cada dia mais eficiente, a
miscigenação de tipos humanos diferentes acaba por gerar novas doenças e
deficiências, de origem genética, em número igualmente significativo.
Este
número de crianças geradas com problemas genéticos, associado ao número dos casos
de gravidez provocada por violência sexual, traz o tema do aborto para um
contexto atual.
“O
homem ao alterar a natureza, alterando os alimentos que consome, acaba por
alterar a si mesmo e, em caráter geográfico, acaba por formar novas tribos ou
tipos de homens diferentes.”
Como
fruto do meio, da alimentação, da exposição ao Sol, as diferenças genéticas se
acentuam, provocando diferentes resultados sobre os humanos, sem, contudo,
evidenciar superioridade de tipos distintos.
Assim,
podemos admitir que os seres humanos diferenciam-se uns dos outros, enquanto
indivíduos e, ainda assim, insistir na afirmação de que não existem diferenças
moralmente significativas entre tipos e sexos.
Somente
agora se começa a refletir sobre as injustiças que têm sido cometidas contra as
pessoas com deficiência e a considerá-las como pertencentes a um grupo
desfavorecido.
É
bem possível que o fato de termos demorado tanto a fazê-lo se deva à confusão
entre igualdade factual e igualdade moral.
Hoje
sabemos que muitas crianças deficientes são capazes de ter uma escolaridade
normal, mas são impedidas de fazê-lo devido à inexistência de recursos
adicionais imprescindíveis para suas necessidades específicas.
No
entanto, devemos ter ciência que pouco mais de 15% do total da população
mundial apresenta algum tipo de deficiência, agravando sua condição de
sobrevivência na maioria dos países pobres onde uma considerável parcela de
humanos vive em condições precárias e não chegam a adquirir consciência de si
mesmos, e dizer, não se reconhece como pessoas.
A
palavra pessoa tem origem no termo latino que remete a uma máscara usada por um
ator no teatro clássico.
Ao
usarem máscaras, os atores davam a entender que estavam representando um papel
e, com o passar do tempo, “pessoa” passou a designar aquele que desempenha um
papel na vida, alguém que é um agente.
John
Locke (1632/1704) definiu uma pessoa como “um ser pensante e inteligente,
dotado de razão e reflexão, que pode ver-se como tal, a mesma coisa pensante,
em tempos e lugares diferentes”.
Essa
definição aproxima “pessoa” daquilo que J.Fletcher (1905/1991), queria dizer
como “humano”, salvo pelo fato de escolher duas características fundamentais: a
racionalidade e a consciência de si, como âmago do conceito.
Segundo
Patrick Baert (1961/...), em “Algumas Limitações das Explicações da Escolha
Racional na Ciência Política e na Sociologia”, as mais importantes
características das explicações da escolha racional são:
a)
A premissa da intencionalidade
b)
A premissa da racionalidade
c)
A distinção entre informação completa e
incompleta e, no caso da última, a diferença entre risco e incerteza.
d)
A distinção entre ação estratégica e ação
interdependente.
As
explicações intencionais não estipulam apenas que os indivíduos agem
intencionalmente, mas tentam dar conta de práticas sociais fazendo referencia a
finalidades e objetivos.
As
explicações da escolha racional são um subconjunto das explicações intencionais
que atribuem, como o nome sugere, racionalidade à ação social.
Racionalidade,
neste contexto, significa que, ao agir e interagir, os indivíduos têm planos
coerentes e tentam maximizar a satisfação de suas preferências ao mesmo tempo
em que tentam minimizar os custos envolvidos.
A
racionalidade pressupõe a ideia (premissa) de que o indivíduo é capaz de
estabelecer um completo ordenamento das alternativas.
Hoje,
a ciência admite que os golfinhos (delphins) são capazes de desenvolver
atitudes intencionais e atitudes racionais, promovendo-os junto com o homem ao
status de pessoas.
Alguns
filósofos têm afirmado que os animais não são capazes de pensar ou raciocinar
e, em decorrência disso, não tem uma concepção ou uma consciência de si mesmos.
Vivem
o aqui e o agora.
As
pessoas muito frequentemente têm apenas “informações imperfeitas” com respeito
à relação entre um conjunto particular de ações e seus resultados.
Enfrentando
riscos, as pessoas são capazes de atribuir probabilidades aos vários
resultados, ao passo que, confrontadas com situações de incerteza, não serão
capazes de fazê-lo.
No
interior da teoria da escolha racional, a teoria dos jogos, que objetiva
trabalhar, por meio de conceitos, situações nas quais os indivíduos tomam
decisões considerando as consequências das decisões tomadas por outros, trata
da formalização de escolhas estratégicas ou interdependentes por meio da
constituição de modelos ideais típicos.
Na
definição que Fletcher usou para o termo humano, ele compilou uma lista, que
chamou “indicadores de humanidade”, que incluía as seguintes características:
a)
Autoconsciência
b)
Autodomínio
c)
Sentido de futuro
d)
Sentido de passado
e)
Capacidade de se relacionar com outros
f)
Preocupação pelos outros
g)
Comunicação
h)
Curiosidade
Esta
definição de características humanas, na verdade deveriam ser consideradas como
características de pessoas, já que os golfinhos demonstraram possuí-las, ao
mesmo tempo em que o embrião humano, o feto subsequente, a criança com
deficiência intelectual grave e até mesmo o recém-nascido, todos
indiscutivelmente membros da espécie Homo Sapiens, não apresentam estas
características, não podendo, portanto, ser consideradas pessoas, muito embora
potencialmente possam vir a sê-las.
É
exatamente nesta possibilidade potencial que reside a maior parte da
argumentação contrária ao aborto.
No
entanto, para uma avaliação racional e desapaixonada da questão, precisamos
considerar aspectos mais amplos do que a simples manutenção da vida; aspectos
como a qualidade desta vida em questão, onde o “prazer” e “felicidade”, mesmo
com carência de precisão, remetem a algo que se vivencia, ou se sente, e dizer,
a estados de consciência fundamentais para o desejo de viver.
Conforme
John Stuart Mill(1806/1873)
Poucas criaturas humanas
consentiriam em ser transformadas em qualquer um dos animais inferiores, caso
lhes fosse feita a promessa de viverem plenamente todos os prazeres de um
animal; nenhum ser humano inteligente consentiria em tornar-se um idiota,
nenhuma pessoa instruída aceitaria ser transformada num ignorante, nenhuma
pessoa sensível e consciente gostaria de tornar-se egoísta e vil, ainda que se
conseguisse convencê-la de que o idiota, o ignorante ou o tratante vivem mais
satisfeitos com sua própria sorte do que elas com as suas... É melhor ser um
humano insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser Sócrates
insatisfeito do que um idiota satisfeito. E, se o idiota ou o porco tem opinião
diferente, é porque só conhecem o seu lado da questão. A outra parte da
comparação conhece os dois lados.
Enfim,
em uma visão plausível do utilitarismo preferencial, uma vida deixa de valer a
pena ser vivida, da perspectiva da pessoa que a leva, e somente dela.
Professor Orosco