sexta-feira, 21 de março de 2014

CHAMAMENTO AOS HOMENS LIVRES



Compartilhando a imagem de Ivy France, meu amigo e irmão aqui do Facebook, gostaria de comentar que, diante de sua colocação de que
"o povo brasileiro precisa da mobilização dos homens livres e de bons costumes", gostaria de destacar que, recentemente, tive a oportunidade de colocar a um seleto grupo de irmãos, uma breve reflexão sobre o momento que vivemos. 
Argumentei que, diante da falta de respostas em que nos encontramos, onde a ciência não responde às nossas dúvidas; onde a religião não consegue mais justificar as coisas que vemos e percebemos; onde a política e os políticos, administrando e legislando para um tipo de homem "pensado", "idealizado", que nada tem de real, igualmente não dá vazão às nossas demandas, é normal e até compreensível que as pessoas se sintam perdidas, desorientadas, sem referência.
Este fenômeno é global e está acontecendo simultaneamente em todas as partes do planeta.
Neste sentido, como seres animais, impedidos de "raciocinar" e de vislumbrar um futuro imediato, também é normal que retornemos às nossas origens, em busca da referência perdida e que, como consequência deste ato, nos comportemos de forma tão bestial.
Como alerta o professor e filósofo Laez Barbosa Fonseca, nesta condição, observa-se estar em curso, uma mudança de paradigma no mundo, similar àquela em que os gregos aboliram o mito e passaram a filosofar; similar àquela em que o advento do cristianismo introduziu o monoteísmo global e uma religião que atendeu Roma em seu domínio mundial; similar àquela que, no despertar da ciência renascentista sepultou o geocentrismo e com ele o teocentrismo.
Concordando com Ivy, gostaria de acrescentar que, é necessário a real mobilização de todos os homens "livres e de bons costumes", não só no Brasil, mas no mundo, para que se possa conduzir este processo de mudança com o menor sofrimento possível para a espécie humana.
Igualmente é necessário que esta mobilização se dê de forma libertária, inclusive dos nossos próprios dogmas, para que não sejamos outros a propor formas alternativas de dominação.
É do nosso exemplo cotidiano, que podemos fazer a diferença.
Recusar-se a corromper ou ser corrompido; recusar-se a escolher o caminho que contemple apenas o seu interesse, desconsiderando as implicações sobre os demais; respeitar todos os seres viventes, inclusive aqueles dos quais nos alimentamos, como parceiros nesta existência, etc.
Enfim, levar e propagar a ideia de uma vida justa que busca a perfeição, honrando um juramento proferido junto do livro da lei.
Levar a serio a lapidação da pedra bruta e a construção do templo interior.
Como pedreiros, ajudar a humanidade a edificar templos à virtude e cavar masmorras ao vício.
Só isso, nada mais.

Professor Orosco

quinta-feira, 13 de março de 2014

MEU BRASIL ESTÁ DOENTE

Meu Brasil está doente, ele sofre da Síndrome de Estocolmo

Hoje é 13 de Março, 13 escreve-se como contrário de 31 e, portanto, vamos partir do pressuposto que hoje também é o melhor dia para falar contrariamente ao 31 de Março, data que alguns desejam comemorar.

Ao ver postado nas redes sociais uma infinidade de artigos e chamamentos comemorativos ao GOLPE militar que nossa combalida democracia sofreu em 1964, não tenho dúvidas, percebo que "Meu Brasil está doente, ele sofre da Síndrome de Estocolmo".

Síndrome de Estocolmo é o nome dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, ou no caso, toda uma nação, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor. 

Em uma manhã de agosto de 1973, dois assaltantes invadiram um banco, o “Sveriges Kreditbank of Stockholm”, em Estocolmo, Suécia. Após a chegada da polícia, resultando em uma considerável troca de tiros, tal dupla transformou em reféns, por seis dias, quatro pessoas que ali se encontravam.

Ao contrário do que se poderia imaginar, quando os policiais iniciaram suas estratégias visando à libertação dos reféns, esses recusaram ajuda, usaram seus próprios corpos como escudos para proteger os criminosos e, ainda, responsabilizaram tais profissionais pelo ocorrido. Um deles foi ainda mais longe: após sua libertação, criou um fundo para os raptores, com o intuito de ajudá-los nas despesas judiciais que estes teriam, em consequência de seus atos.

Tal estado psicológico particular passou então a ser chamado de “síndrome de Estocolmo”, em homenagem ao referido episódio. Ao contrário do que se imagina, ele não é tão raro quanto pensamos, e não se resume somente a relações entre raptores e reféns. Escravos e seus senhores, sobreviventes de campos de concentração, aqueles submetidos a cárcere privado, pessoas que participam de relacionamentos amorosos destrutivos, e até mesmo algumas relações de trabalho extremas, geralmente permeadas de assédio moral; podem desencadear o quadro. Em todos esses casos, são características marcantes: a existência de relações de poder e coerção, ameaça de morte ou danos físicos e/ou psicológicos e um tempo prolongado de intimidação.

Nesse cenário de estresse físico e mental extremos, o que está em jogo inconscientemente é a necessidade de autopreservação por parte do oprimido, aliada à ideia, geralmente errônea, de que, de fato, não há como escapar daquela situação. Assim sendo, ele inicialmente percebe que somente acatando as regras impostas é que conseguirá garantir pelo menos uma pequena parcela de sua integridade.

Aos poucos, a vítima busca evitar comportamentos que desagradem seu agressor, pelo mesmo motivo pontuado anteriormente; e também começa a interpretar seus atos gentis, educados, ou mesmo de não violência como indícios de uma suposta simpatia da parte dele a ela. Tal identificação permite a desvinculação emocional da realidade perigosa e violenta a qual está submetida.

Por fim, a vítima passa a encarar aquela pessoa com simpatia, e até mesmo amizade – a final de contas, graças à sua “proteção”, ela ainda se encontra viva. No caso de pessoas sequestradas, mais um agravante: tal indivíduo é geralmente a sua única companhia!

A história registra um caso em que, uma moça, de boa família, sequestrada por grupo terrorista, após prolongado cativeiro, acabou aderindo à causa de seus algozes, transformando-se em novo militante e cometendo os mesmos crimes que eles.

Durante praticamente 30 anos, vivemos no Brasil sob as incertezas de um regime totalitário, em que assistimos muitos de nossos amigos, parentes, professores, CAMARADAS ou, como de costuma dizer "nunca antes neste país", companheiros, desaparecerem, retirados do seio de suas famílias, assassinados em Petrópolis, nos porões do DOI-CODI, esquartejados, enterrados em Perus, jogados na represa de Avaré, incinerados como lixo, na usina das "Memórias de Uma Guerra Suja".

Vimos pais e mães serem privados de seus filhos e outros filhos serem privados de seus pais.

Segundo o "Tuminha", a bem da verdade, no DOPS do "Tumão", nem todos os presos eram torturados. Lá, alguns tomavam água de coco, liam jornal e comiam mortadela.

Não importa.

O importante é que, por muitos anos, sofrendo das agruras de um regime totalitário, que como todos os outros, de direita ou esquerda, de cima ou de baixo, nazista, fascista, stalinista, chavista, fidelista, etc, acabamos sofrendo desta doença.

Pior, estamos ensinando nossos filhos que isto foi bom.

Não foi.

Nosso futuro é incerto, os desafios são enormes, o trabalho é árduo, mas é somente pelo caminho democrático, participativo e responsável que poderemos virar a página e seguir adiante como uma nação livre e soberana.

Nada temos a comemorar, só a lamentar.

Tudo o que de bom foi construído neste período, teria sido melhor construído se o fosse livremente.

Professor Orosco
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terça-feira, 11 de março de 2014

PARMÊNIDES - SOBRE A NATUREZA


     Valendo-me do fato de ter citado Parmênides em minha última publicação, dada a importância deste personagem que viveu aproximadamente entre 530 e 450 a.C., sinto-me compelido a explicitar um pouco de sua obra, tecendo um breve comentário sobre seu poema, Sobre a Natureza.
     Diante do florescer daquela ciência que os gregos desenvolveram, que nós chamamos filosofia, alguns filósofos marcaram sobremaneira sua passagem pela história.
     Entre os primeiros, que tentaram romper com os mitos, muitas vezes recorrendo a eles, a quase totalidade valia-se de exemplos das coisas materiais conhecidas, percebidas, para explicar seus pontos de vista, suas opiniões.
     Parmênides, em seu poema "Sobre a Natureza" inovou no método, introduzindo o hábito de expor argumentos, valendo-se de metáforas e marcando sua posição, radicalmente contrária à defendida por Heráclito, para quem tudo era transitório ou movimento.
     Parmênides negava o movimento defendendo sua posição, que ficou conhecida por dois princípios lógicos fundamentais: 
     O princípio de identidade, o ser é o ser, e o princípio da não contradição, não ser, não é.
     Em outros termos, se o ser é e pode ser pensado e dito, então o ser é ele mesmo, e será impossível que seu negativo, o nada ou não ser, também seja e possa ser pensado e dito.
     Para eleger o ser como objeto de sua argumentação, Parmênides acabou criando aquilo que conhecemos como ontologia (estudo ou conhecimento do ser).
     Seu poema, descreve de forma metafórica uma experiência de renúncia e de revelação, apresentando como conteúdo principal, aquilo que foi revelado, a via da verdade.
     Contrapondo-se a este caminho, ele explora a via da opinião.
      A distância fundamental entre os dois caminhos está em que, no primeiro, a via da verdade, o homem se deixa conduzir apenas pela razão e é, então, levado à evidência de que "o que é, é, e não podia deixar de ser".
     No segundo caminho, a via da opinião, pelo fato de se atentarem para os fatos empíricos, as informações obtidas pelos sentidos, o homem não chegaria à verdade e à certeza, permanecendo no nível instável das opiniões.
     Neste poema, ele associa o caminho da verdade, da razão, à luz do dia, onde a luz desnuda o mistério.
     O caminho da opinião é simbolizado pela noite, cuja escuridão esconde a realidade e nos induz a imaginar e a mistificar.
     Para compreender a beleza e a profundidade deste poema, atrevo-me a apresentar uma breve transliteração, dos versos iniciais, convidando o leitor a fazer a sua, no restante do poema.

Parmênides - 

     Éguas que me levam, a quanto lhes alcança o ímpeto, cavalgam, quando numes levaram-me a adentrar uma via loquaz, que leva por toda a cidade quem sabe à luz; por ela era levado; pois por ela, mui hábeis éguas me levavam puxando o carro, mas eram  moças que dirigiam o caminho.

     O eixo, porém, nos meões, impelia um toque de flauta incandescente (pois, se ambos os lados, duas rodas giravam comprimindo-os) porquanto as filhas do sol fustigassem a prosseguir e abandonar os domínios da Noite para a luz, arrancando da cabeça, com as mãos, os véus.

     Lá ficam as portas dos caminhos da Noite e do Dia, pórtico e umbral de pedra as mantém de ambos os lados, mas, em grandiosos batentes, moldam-se elas, etéreas, cujas chaves alternantes quem possui é Justiça rigorosa.

     As moças, seduzindo com suaves palavras, persuadiram-na, atenciosamente, a que lhes retirasse rapidamente o ferrolho trancado das portas; estas, então, fizeram com que o imenso vão dos batentes se escancarasse girando os eixos de bronze alternadamente nos cilindros encaixados com cavilhas e ferrolhos; as moças, então, pela via aberta através das portas, mantém o carro e os cavalos em frente.

     E a deusa, com boa vontade, acolheu-me, e em sua mão minha mão direita tomou, desta maneira proferiu a palavra e me saudou:
     Ó jovem acompanhado por aurigas imortais, que, com cavalos, te levam ao alcance de nossa morada, Salve! ...

Em nossas palavras:

     Os anos que acumulo em minha jornada, com o entusiasmo de minha juventude, conduziram-me, depois de um período de encantamento, à maturidade alcançada pela experiência.
     Pelos mais belos anos, no vigor da juventude, a educação me mostrava o caminho do conhecimento.

     Meu aprendizado doía em meus ouvidos, pendendo entre a razão e a opinião, compelido para a luz da razão pelo conhecimento, que me afasta da ignorância, abrindo-me os olhos a novos saberes.

     Aí está a verdade que separa os caminhos do conhecimento e da ignorância , escorada em uma sólida construção; a verdade eterna, trancada atrás de uma porta, da qual a Sapiência é a chave para abrí-la.

     Na busca da verdade se dirige o conhecimento, amparado pela razão, que desnuda o saber.
     E a verdade se mostra, revelando a grande distância do caminho a ser percorrido, repleto de armadilhas e aparências.
     Aí, com a verdade, a educação conduz o aprendizados dos alunos.

     E a sabedoria me recebeu, amparando minha velhice, dizendo-me:
     Benvindo jovem estudante, que me alcançou através dos anos. ...


Professor Orosco
    


     

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA MEDIEVAL

     Para que se possa iniciar o processo de compreensão do espírito da filosofia medieval, torna-se necessário, antes, tecer uma breve recordação da filosofia grega, de Parmênides a Aristóteles.
     Parmênides elaborou o princípio da identidade, o que é, é, e não pode deixar de ser.
     Elaborou também o princípio da não contradição: se o que é, é, o seu contrário, o não ser, não é, e, portanto, não pode ser.
     Este conhecimento se mostra necessário quando tentamos compreender a lógica, que tem tudo a ver com a validade, de Aristóteles, que se interessava pelas proposições categóricas (quantificadas).
     Para ele, uma proposição, um enunciado, precisava ter sentido e apresentar um valor de verdade, verdadeiro ou falso, ou seja, precisava afirmar ou negar alguma coisa.
     Assim, quando analisamos todas as premissas de um argumento e as confrontamos com a conclusão, podemos inferir a validade da argumentação.
     Se todos os valores de verdade forem verdadeiros, a tautologia se faz presente; se todos forem falsos, a contradição se mostra evidente e, quando parte do argumento se mostra possivelmente verdadeiro e parte possivelmente falso, a contingência se manifesta, despertando a dúvida, a possibilidade de ser e de não ser.
     Desta forma, quando subimos pelos galhos da árvore de Porfírio, compreendemos a contingência dos seres e, a partir desta compreensão, intuímos a existência de um Ser, maior do que tudo que possa ser pensado ou dito, segundo Santo Anselmo, ou causa primeira, a causa não causada, segundo São Tomas de Aquino.
     Um Ser que, para comprovar sua ação causal, doa algo de si ao sujeito causado, algo como aquilo que a genética já comprovou quando analisa a descendência dos seres, por exemplo.
     Neste caso, sua substância.
     Em outras palavras, para que uma causa se mostre evidente, precisa ceder algo que tem, tornando-se a raiz da sua própria causalidade.
     A ciência, que tem seu ponto de partida baseado em axiomas, raramente ou quase nunca se interessa pela justificação do ser e do movimento, assim como da causalidade, o que não é o caso da filosofia, que busca alcançar o conhecimento da causa primeira e princípio de todas as coisas.
     Não é o caso da religião, particularmente do pensamento teocêntrico cristão na Idade Média, para quem o Ser é Deus, a causa primeira, criadora de todas as coisas e de si mesma.
     Uma religião que, em seu antropomorfismo, defende que a capacidade de intuir este ato criador, dentre todas as coisas que percebemos na natureza, é exatamente a qualidade que nos foi doada no ato da criação.
     E, desta forma, compreender que a causalidade se manifesta por uma ideia pré concebida do ato que se consuma, no espírito de quem age ou faz, assim como reconhecer a nossa incapacidade para criar, limitada a poder combinar apenas o que já existe ou foi criado.
     O homem só causa na medida em que ele é, e, como nada é anterior ao Ser, não poderá tentar ir além dele.
     Como Ser que criou tudo, que criou a si mesmo, Deus, de forma soberana e livre, só quer a si, só necessita de si, e é em relação a si que quer todo o resto, permitindo-nos por analogia e por sua infinita bondade, experimentar o seu Bem.
     É pela bondade que permite aos seres serem, que permite que sejam causa de outras causas.
     É por sua bondade que participamos de sua potência e vontade, desfrutando de sua glória.
     É somente por analogia que nos assemelhamos a ele, que proporcionalmente podemos ser causa de outras causas, compreendendo que a finalidade disto está no âmago do seu próprio ser, na sua perfeição.
     Com estas palavras podemos, portanto, dizer, que esta Idade Média, foi tudo, menos a Idade das Trevas.
     Concluindo que, apesar dos absurdos abusos e atrocidades cometidas por motivos político/religiosos do período, que a antecederam e que continuaram até nossos dias, a Idade Média foi, filosoficamente falando, muita rica e cheia de luz.

Professor Orosco

Baseado na obra de Étienne Gilson, O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006.