A
questão colocada para o presente trabalho, sobre a ‘dependência ou não do mundo da arte de instituições formais para
existir’, nos remete à necessidade, antes de tomar por verdadeira a
afirmação de Donald Clarence Judd (1928/1994), um pintor e artista plástico
minimalista norte-americano, para quem “se
alguém chama de arte, é arte”, de explicitar alguns dos conceitos
desenvolvidos ao longo do curso, tais como “o
que arte? ”; “o que é obra de arte? ”; “o que chamamos mundo da arte? ” e
quais os critérios dos quais nos valemos para aceitar uma instituição como
sendo suficientemente capaz e credenciada para reconhecer, classificar,
opinar sobre e valorar uma obra de arte?
Neste sentido, precisamos reconhecer
que o conceito de arte, entendido até bem pouco tempo, pela filosofia, como uma
produção menor, capaz apenas de imitar, retratar e representar o mundo,
valorando critérios estéticos, cujos primórdios remontam ao período neolítico
(arte rupestre), passando pela Grécia Antiga, pelo medievo, pelo renascimento e
pela modernidade, somente no século XX ganhou o direito de ser e ter uma significação
autônoma, dentro de um sistema de linguagem próprio, que lhe é particular.
Assim, a definição clássica dos critérios “necessário” e “suficiente” aplicada
para definir o conceito do que é arte foi de certa forma colocada à margem e a
preocupação maior passou a ser focada na mensagem transmitida pela obra dentro
de um determinado contexto social.
Desta forma, podemos dizer que atualmente,
uma obra de arte pode ser definida como sendo uma criação humana com objeto
simbólico, belo ou de representação de um conceito determinado, a exemplo das
esculturas, pinturas, poemas, filmes, músicas ou artefatos decorativos,
diferenciando-se de um objeto comum, aquele que possui apenas uma função
prática e útil na sociedade. Seu valor depende primeiramente de sua função na
sociedade, segundo o homem que a apreende, o que nos remete à definição de que “A compreensão de
uma obra de arte só é possível quando esta puder ser entendida por um apreciador com sensibilidade artística e
estética” (KOELLREUTTER, 1999)[1].
Um valor cujo conceito não pode ser definido rigorosamente, pertencendo à gama
daqueles conceitos abrangentes como ser, existência ou realidade, que não
comportam uma definição propriamente dita, mas que exprimem uma relação
dinâmica entre um objeto e o homem, e entre este e a sociedade, como a altura,
duração, timbre e intensidade de uma música, por exemplo.
Um conceito que, Joseph Kosuth, um
influente artista conceitual americano, desenvolve em seu artigo A arte depois da filosofia, de 1969, ao colocar
claramente a distinção entre estética e arte, afirmando que a arte, “é a análoga a uma proposição analítica,(quando
sua validade depende unicamente das definições dos símbolos que ela contém) e que
a existência da arte, como uma tautologia é o que permite à arte permanecer
indiferente com relação às conjecturas filosóficas” ao passo que, a “a estética lida com opiniões sobre a
percepção do mundo em geral”, tendo o sentido de promover uma reflexão
sobre a arte. Para ele, os objetos
apresentados no contexto da arte, como quaisquer outros existentes no mundo,
são passíveis de considerações estéticas, motivo pelo qual tal consideração, “sua
existência em um contexto de arte” é irrelevante para o juízo estético. Kosuth,
neste artigo, referencia a obra de Marcel Duchamp, expoente do movimento
dadaísta, aquele que marca a falta de um sentido formal da linguagem,
valorizando mais a concepção do que a aparência, classificando-o, em suas
palavras, como o marco inicial da arte moderna e da arte “Conceitual”.
Na mesma linha, Clement Greenberg
(1909/1994) outro influente
crítico de arte estadunidense, ligado ao Modernismo, elaborou um artigo sobre a
pintura modernista (1960) onde descreve sucintamente o processo de libertação
da pintura das amarras clássicas, que privilegiavam a forma, ainda que
continuassem a reproduzir a representação de objetos reconhecíveis, valorizando
os elementos particulares constituintes da própria pintura, como a planaridade
da tela. Ou seja, a arte tendo mais a ver com o meio do qual ela se utiliza do
que com aquilo que retrata. Em suas palavras: “Por ser a planaridade a única condição que a pintura não partilhava com
nenhuma outra arte, a pintura modernista se voltou para a planaridade e para
mais nada”, Greenberg, inclusive citando esta inovação proposta pelas obras
de Manet, um ícone do impressionismo que valorizava os pontos que os objetos
adquirem ao refletir a luz num determinado momento, reitera que, neste processo
de libertação da filosofia, cada arte precisa determinar, por suas próprias
operações e obras, aquilo que lhe é particular. A seu ver o que, se de um lado
lhe restringe a área de competências, de outro, consolida sua posse dessa área.
Ao
citar estas duas abordagens distintas, ambas elaboradas por pessoas de ‘reconhecido saber’ no assunto, esperamos
haver mostrado que elas, por si mesmas, já evidenciam a necessidade de algum
conhecimento técnico para o processo de valoração de uma obra de arte, ou
daquilo que podemos considerar arte, por parte do observador, ainda que se faça
essa valoração de forma empírica e subjetiva. Um conhecimento teórico que,
conforme descrito por Morris Weitz (1916/1981) um norte-americano profundo
conhecedor dos assuntos ligados à natureza da arte, tenta em vão defini-la. Em
sua abordagem, Weitz denuncia que, para que se possa definir o que é arte,
precisamos, antes, conhecer suas propriedades “necessárias” e “suficientes” e isso
se mostra uma tarefa muito difícil, principalmente quando o fazemos
influenciados por critérios estéticos. Para ele, “a teoria estética está errada em princípio ao pensar que uma teoria
correta é possível uma vez que adultera radicalmente a lógica do conceito de
arte”. É falsa a sua principal contenda de que a arte é susceptível de uma
definição real...” Em seu trabalho, ele coloca que a arte, como a lógica do
conceito mostra, não tem nenhum conjunto de propriedades necessárias e
suficientes, pelo que não pode ser definida sob a forma clássica, motivo pelo
qual se recomenda a rejeição da teoria estética, muito embora faça a ressalva
acerca de sua contribuição para a compreensão das artes.
Assim,
na análise das teorias estéticas, ele refuta a tese formalista que tenta defini-la
através da relação entre os elementos plásticos, rejeitando tudo aquilo que não
possui tal forma. Igualmente refuta os conceitos emocionalistas para os quais a
propriedade definidora não é a forma significante, mas a expressão das emoções.
Refuta também os intuicionistas que defendem a arte como um estádio do
conhecimento em que os humanos encaminham suas imagens e suas emoções para uma
um processo de tomada de consciência, de caráter não conceptual. E dizer, mesmo
reconhecendo em todas estas teorias estéticas alguma propriedade válida, ele
mostra o equívoco de tomá-las por necessárias e suficientes, tomando-se um conceito
que é aberto por fechado e esquecendo-se de que todas elas apresentam uma
característica valorativa.
Na
tentativa de trazer alguma luz a este universo de possibilidades, Arthur Danto,
(1924/2013), um filosofo e critico de arte americano, elaborou uma teoria em
que afirma a necessidade de conhecer as teorias artísticas, já que o artístico
é definido por teorias, para que se possa reconhecer uma obra de arte. E dizer,
para ele “ver algo como arte requer algo
que o olho não pode repudiar, uma atmosfera de teoria artística, um
conhecimento da história da arte: um mundo da arte”. Danto, em suas
colocações sobre as caixas de Brillo, por exemplo, faz referências a objetos
similares que, dependendo do contexto em que são observados, podem ser ou não
classificados como obras de arte, independentemente de suas diferenças
constitutivas (papelão ou compensado), evidenciando a definição contextual de
arte é algo que vai além do objeto em si. Que uma obra de arte é classificada
como tal, em consequência de uma teoria que a recebe desta forma no mundo da
arte.
Completando
o pensamento de Danto, George Dickie, um filósofo norte-americano especialista
em estética e filosofia da arte, postula uma definição clássica para
identificar uma obra de arte, atribuindo-lhe a condição de possuir uma
propriedade necessária e suficiente ser “um
artefato ao qual alguma sociedade ou algum subgrupo de uma sociedade atribuiu o
estatuto de candidato à apreciação”, desde que o faça no mundo da arte e de
forma relacional.
Desta
forma, respondendo à questão inicial formulada para este trabalho, neste
momento particular e contemporâneo da arte, onde tudo é possível ser
apresentado como arte, concordamos que o reconhecimento daquilo que podemos
chamar de obra de arte, como um artefato pertencente ao mundo da arte, precisa
ser chancelado por instituições formais, reconhecidas como detentoras do
conhecimento acerca das teorias artísticas, inclusive em seu aspecto histórico.