sábado, 1 de abril de 2017

O MUNDO DA ARTE DEPENDE DE INSTITUIÇÕES FORMAIS PARA EXISTIR?


              A questão colocada para o presente trabalho, sobre a ‘dependência ou não do mundo da arte de instituições formais para existir’, nos remete à necessidade, antes de tomar por verdadeira a afirmação de Donald Clarence Judd (1928/1994), um pintor e artista plástico minimalista norte-americano, para quem “se alguém chama de arte, é arte”, de explicitar alguns dos conceitos desenvolvidos ao longo do curso, tais como “o que arte? ”; “o que é obra de arte? ”; “o que chamamos mundo da arte? ” e quais os critérios dos quais nos valemos para aceitar uma instituição como sendo suficientemente capaz e credenciada para reconhecer, classificar, opinar sobre e valorar uma obra de arte?
            Neste sentido, precisamos reconhecer que o conceito de arte, entendido até bem pouco tempo, pela filosofia, como uma produção menor, capaz apenas de imitar, retratar e representar o mundo, valorando critérios estéticos, cujos primórdios remontam ao período neolítico (arte rupestre), passando pela Grécia Antiga, pelo medievo, pelo renascimento e pela modernidade, somente no século XX ganhou o direito de ser e ter uma significação autônoma, dentro de um sistema de linguagem próprio, que lhe é particular. Assim, a definição clássica dos critérios “necessário” e “suficiente” aplicada para definir o conceito do que é arte foi de certa forma colocada à margem e a preocupação maior passou a ser focada na mensagem transmitida pela obra dentro de um determinado contexto social.
            Desta forma, podemos dizer que atualmente, uma obra de arte pode ser definida como sendo uma criação humana com objeto simbólico, belo ou de representação de um conceito determinado, a exemplo das esculturas, pinturas, poemas, filmes, músicas ou artefatos decorativos, diferenciando-se de um objeto comum, aquele que possui apenas uma função prática e útil na sociedade. Seu valor depende primeiramente de sua função na sociedade, segundo o homem que a apreende, o que nos remete à definição de que “A compreensão de uma obra de arte só é possível quando esta puder ser entendida por um apreciador com sensibilidade artística e estética” (KOELLREUTTER, 1999)[1]. Um valor cujo conceito não pode ser definido rigorosamente, pertencendo à gama daqueles conceitos abrangentes como ser, existência ou realidade, que não comportam uma definição propriamente dita, mas que exprimem uma relação dinâmica entre um objeto e o homem, e entre este e a sociedade, como a altura, duração, timbre e intensidade de uma música, por exemplo.
            Um conceito que, Joseph Kosuth, um influente artista conceitual americano, desenvolve em seu artigo A arte depois da filosofia, de 1969, ao colocar claramente a distinção entre estética e arte, afirmando que a arte, “é a análoga a uma proposição analítica,(quando sua validade depende unicamente das definições dos símbolos que ela contém)  e que a existência da arte, como uma tautologia é o que permite à arte permanecer indiferente com relação às conjecturas filosóficas” ao passo que, a “a estética lida com opiniões sobre a percepção do mundo em geral”, tendo o sentido de promover uma reflexão sobre a arte. Para ele, os objetos apresentados no contexto da arte, como quaisquer outros existentes no mundo, são passíveis de considerações estéticas, motivo pelo qual tal consideração, “sua existência em um contexto de arte” é irrelevante para o juízo estético. Kosuth, neste artigo, referencia a obra de Marcel Duchamp, expoente do movimento dadaísta, aquele que marca a falta de um sentido formal da linguagem, valorizando mais a concepção do que a aparência, classificando-o, em suas palavras, como o marco inicial da arte moderna e da arte “Conceitual”.
            Na mesma linha, Clement Greenberg (1909/1994) outro influente crítico de arte estadunidense, ligado ao Modernismo, elaborou um artigo sobre a pintura modernista (1960) onde descreve sucintamente o processo de libertação da pintura das amarras clássicas, que privilegiavam a forma, ainda que continuassem a reproduzir a representação de objetos reconhecíveis, valorizando os elementos particulares constituintes da própria pintura, como a planaridade da tela. Ou seja, a arte tendo mais a ver com o meio do qual ela se utiliza do que com aquilo que retrata. Em suas palavras: “Por ser a planaridade a única condição que a pintura não partilhava com nenhuma outra arte, a pintura modernista se voltou para a planaridade e para mais nada”, Greenberg, inclusive citando esta inovação proposta pelas obras de Manet, um ícone do impressionismo que valorizava os pontos que os objetos adquirem ao refletir a luz num determinado momento, reitera que, neste processo de libertação da filosofia, cada arte precisa determinar, por suas próprias operações e obras, aquilo que lhe é particular. A seu ver o que, se de um lado lhe restringe a área de competências, de outro, consolida sua posse dessa área.
            Ao citar estas duas abordagens distintas, ambas elaboradas por pessoas de ‘reconhecido saber’ no assunto, esperamos haver mostrado que elas, por si mesmas, já evidenciam a necessidade de algum conhecimento técnico para o processo de valoração de uma obra de arte, ou daquilo que podemos considerar arte, por parte do observador, ainda que se faça essa valoração de forma empírica e subjetiva. Um conhecimento teórico que, conforme descrito por Morris Weitz (1916/1981) um norte-americano profundo conhecedor dos assuntos ligados à natureza da arte, tenta em vão defini-la. Em sua abordagem, Weitz denuncia que, para que se possa definir o que é arte, precisamos, antes, conhecer suas propriedades “necessárias” e “suficientes” e isso se mostra uma tarefa muito difícil, principalmente quando o fazemos influenciados por critérios estéticos. Para ele, “a teoria estética está errada em princípio ao pensar que uma teoria correta é possível uma vez que adultera radicalmente a lógica do conceito de arte”. É falsa a sua principal contenda de que a arte é susceptível de uma definição real...” Em seu trabalho, ele coloca que a arte, como a lógica do conceito mostra, não tem nenhum conjunto de propriedades necessárias e suficientes, pelo que não pode ser definida sob a forma clássica, motivo pelo qual se recomenda a rejeição da teoria estética, muito embora faça a ressalva acerca de sua contribuição para a compreensão das artes.
            Assim, na análise das teorias estéticas, ele refuta a tese formalista que tenta defini-la através da relação entre os elementos plásticos, rejeitando tudo aquilo que não possui tal forma. Igualmente refuta os conceitos emocionalistas para os quais a propriedade definidora não é a forma significante, mas a expressão das emoções. Refuta também os intuicionistas que defendem a arte como um estádio do conhecimento em que os humanos encaminham suas imagens e suas emoções para uma um processo de tomada de consciência, de caráter não conceptual. E dizer, mesmo reconhecendo em todas estas teorias estéticas alguma propriedade válida, ele mostra o equívoco de tomá-las por necessárias e suficientes, tomando-se um conceito que é aberto por fechado e esquecendo-se de que todas elas apresentam uma característica valorativa.
            Na tentativa de trazer alguma luz a este universo de possibilidades, Arthur Danto, (1924/2013), um filosofo e critico de arte americano, elaborou uma teoria em que afirma a necessidade de conhecer as teorias artísticas, já que o artístico é definido por teorias, para que se possa reconhecer uma obra de arte. E dizer, para ele “ver algo como arte requer algo que o olho não pode repudiar, uma atmosfera de teoria artística, um conhecimento da história da arte: um mundo da arte”. Danto, em suas colocações sobre as caixas de Brillo, por exemplo, faz referências a objetos similares que, dependendo do contexto em que são observados, podem ser ou não classificados como obras de arte, independentemente de suas diferenças constitutivas (papelão ou compensado), evidenciando a definição contextual de arte é algo que vai além do objeto em si. Que uma obra de arte é classificada como tal, em consequência de uma teoria que a recebe desta forma no mundo da arte.
            Completando o pensamento de Danto, George Dickie, um filósofo norte-americano especialista em estética e filosofia da arte, postula uma definição clássica para identificar uma obra de arte, atribuindo-lhe a condição de possuir uma propriedade necessária e suficiente ser “um artefato ao qual alguma sociedade ou algum subgrupo de uma sociedade atribuiu o estatuto de candidato à apreciação”, desde que o faça no mundo da arte e de forma relacional.
            Desta forma, respondendo à questão inicial formulada para este trabalho, neste momento particular e contemporâneo da arte, onde tudo é possível ser apresentado como arte, concordamos que o reconhecimento daquilo que podemos chamar de obra de arte, como um artefato pertencente ao mundo da arte, precisa ser chancelado por instituições formais, reconhecidas como detentoras do conhecimento acerca das teorias artísticas, inclusive em seu aspecto histórico.

[1] Koellreutter, H.J. Sobre o valor e o desvalor da obra de arte. Scielo Estud. avançados. vol.13 nº.37 São Paulo Sept./Dec. 1999

Professor Orosco

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