Uma das maiores críticas apresentadas pela proposta
comunista ao modelo capitalista ao longo da história é a de que, neste último
modelo, a alienação do homem, provocada pelo trabalho, acaba fazendo com que o
objeto deste trabalho, alienado, sirva a outro homem.
Se pensarmos bem, realmente o trabalho segmentado,
fracionado, seriado, seja ele na agricultura, na pecuária, na indústria, em
seus vários segmentos, no comércio, nos serviços, inclusive no setor
financeiro, retira do homem a ideia do todo e, com isso, torna seu trabalho
alienado, descompromissado e fatigante.
O trabalho deixa de servir ao homem que passa a servir o
trabalho para outro homem.
Este fato, inconteste, não pode ser ignorado nas relações
sociais onde o “dono das moedas”, como destinatário dos produtos produzidos
pelo trabalho alienado de outros homens, de forma descompromissada, exige que a
“mais valia” remunere seu capital, distanciando cada vez mais o homem que
produz o objeto, do objeto de seu trabalho.
No entanto, em defesa ao menos parcial do modelo, precisamos
tecer algumas considerações:
A primeira delas, a de que, no momento atual, a distribuição
humana pelo planeta, com mais da metade, quase três quartos, da população
vivendo em cidades, retira-nos a possibilidade de que o homem viva em contato
direto com a “terra virgem” e que dela retire o seu sustento.
A própria forma das cidades não permite que se tenha mais,
no quintal de cada casa, um pomar, uma pequena horta, um milharal ou uma
criação de galinhas.
A produção de alimentos precisa, portanto, ser realizada em
locais distantes, com produtividade tal que o excedente da produção possa ser
enviado para alimentar as cidades.
Como o produto do trabalho alienado no campo pertence ao “dono
das moedas”, o próprio objeto deste trabalho, no caso o alimento que foi
colhido, está distante do homem que o produziu, já que este, como mercadoria,
transforma-se em moeda.
Por outro lado, com o desenvolvimento da tecnologia, o homem
não consegue mais viver em “estado de natureza”, necessitando consumir uma
enormidade de produtos que pouco tem a haver com suas necessidades primárias.
Não conseguimos mais viver nus como algumas tribos
indígenas, muito embora os biquines estejam cada dia menores e, paradoxalmente,
mais caros.
Não conseguimos mais sobreviver sem livros, sem televisores,
sem carros, sem computadores, sem tomógrafos ou sem a internet.
Nossa sociedade, consumista de sabonetes e antibióticos,
obriga a que cada vez mais novos produtos e novos serviços sejam
disponibilizados, em larga escala, para uma população globalizada.
Esta necessidade criativa, dada a limitação geográfica de insumos,
inclusive da oferta de energia e de outras considerações analisadas sob a ótica
de uma geografia econômica, pela complexidade dos produtos, acaba obrigando que
seu processo produtivo seja, em grande parte, segmentado, fracionado e seriado.
Antigamente, podia-se ir diretamente a uma goiabeira e
colher a fruta que se ia comer.
Hoje, para comer esta mesma goiaba, precisamos de um abridor
de latas.
Aquela marmelada que compramos no mercado trás consigo o
trabalho alienado de um número inimaginável de homens que ofereceram sua força
e sua energia vital na colheita dos frutos, na mineração do ferro que vira
gusa, que vira aço, que vira flandres, que vira lata, que acondiciona o doce,
que foi processado, pesado e rotulado.
Medido, tributado e transportado, chega ao local onde o
adquirimos.
A alienação é tal que, se pedirmos a uma criança que desenhe
uma vaca leiteira, não devemos nos assustar se ela nos apresentar a figura de
uma caixinha.
Se pedirmos para desenhar uma goiabeira, ela pode nos
surpreender, com sua inocência piagetiana, com a figura de uma gôndola.
A complexidade dos produtos essenciais à vida de hoje, com
seus micro e nanocomponentes, tão distantes da cabaça que se utilizava para
buscar e armazenar a água que se retirava do riacho, transforma o projeto
comunista, como apregoado por Marx, antes considerado uma utopia, agora em uma
aporia.
Com as crises naturais do capitalismo, quase sempre
provocadas pela ganância, o marxismo volta à cena acadêmica neste início de
século XXI.
No entanto, para uma análise contemporânea de suas
propostas, torna-se necessário levar em consideração, para o sucesso de uma
estratégia revolucionária, comprometida com o resgate do homem, tentar equacionar
estas questões que sucintamente
levantamos.
Professor Orosco