Refletindo
um pouco sobre os recentes acontecimentos mundiais, de caráter eleitoral ou não,
que são insistentemente apresentados e reapresentados por uma mídia ávida de
novas notícias, começo por elaborar, em uma linha de raciocínio frankfurtiana,
um pequeno ensaio sobre os caminhos de nossa sociedade contemporânea.
Acompanhando
a crítica de Habermas sobre a sociologia, entendemos que esta disciplina se
coloca no campo conservador, dado os próprios métodos que desenvolveu para se
solidificar como ciência.
A
linha positivista de Comte, a exemplo do racionalismo cartesiano, só promoveu,
de fato, uma redução do elemento humano, reduzindo-o, pelo método, a um
emaranhado de normas e procedimentos.
Esta
liberdade negativa, que proíbe os excessos, pode até ser entendida como boa no
momento em que permite o livre exercício de todas as alternativas restantes e
que, se utilizada para o bem, permitem o desenvolvimento da sociedade como um
todo.
Em
contrapartida, como consequência e para prevenir as distorções, por ser negativa,
exige, cada vez mais, novas regulamentações, novas leis e novas regras de
convivência, e dizer, esta liberdade negativa, atuando como mola reguladora das
pressões sociais, como repressora dos abusos, acaba por institucionalizar a
burocracia e a normatização da vida em si.
No exemplo do maior temor de
Lênin, quando desenvolveu os caminhos para sua revolução bolchevique, a
burocracia institucionalizou-se e, com ela, as amarras do livre pensamento
foram reforçadas a tal ponto que, a livre iniciativa, o desejo de saber o que
existe do outro lado da montanha, mola propulsora da humanidade, ficou submersa
em pilhas e pilhas de normas, leis e decretos.
Na prática, ela acabou invertendo
a sua própria lógica, passando do “eu posso fazer tudo aquilo que a lei não
proíbe” para “só posso fazer aquilo que está na lei”.
Com isso, a sociedade,
tornando-se inevitavelmente refém do Estado, fica condenada à estagnação ou até
pior, ao retrocesso, já que nem todas as pessoas cumprem a lei.
As observações desapaixonadas
dos fenômenos sociais ou das novas descobertas científicas, que poderiam
indicar mudanças de rumo para a humanidade, ficam prisioneiras das leis
existentes, enclausuradas no fundo “da caverna”, relegadas a meras sombras ou
impressões distorcidas da realidade.
Um exemplo prático destas
atitudes, em nível mundial, pode ser observado na recente epidemia pelo vírus
Ebola que assola a África e atemoriza o mundo.
A
primeira vez que este vírus surgiu foi em 1976, em surtos simultâneos em Nzara,
no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo (antigo Zaire) em uma
região situada próximo do Rio Ebola, que deu nome à doença.
À época descobriu-se
que morcegos frutívoros eram os hospedeiros naturais deste vírus, cuja taxa de fatalidade varia entre 25 e 90%, entre
infectados, dependendo da cepa.
A
burocracia e as prioridades econômicas de uma geopolítica de um mundo regulado
pelas leis de mercado, fizeram com que as medidas de contenção e prevenção
fossem relegadas a um segundo plano.
Em
outro exemplo, o surgimento do Estado Islâmico, que hoje toma boa parte do
noticiário internacional, chocando o mundo com cabeças separadas do corpo, se
olharmos para o passado recente, já se mostrava como possibilidade, apresentando-se
como resposta real a uma política expansionista americana, mais interessada no
petróleo que na verdadeira melhoria da qualidade de vida daquele povo.
A
burocracia cegou-nos ao ponto de não visualizarmos que a democracia ocidental
que insistimos em exportar, pode não ser o regime que aquela parte do mundo
deseja ou que está disposta a adotar.
Novamente
relembro o mito da caverna de Platão.
Em
um exemplo local, a crise de abastecimento hídrico que nos afeta, apresenta-se
também, como consequência de uma burocracia que engessou a máquina estatal, que
alterou prioridades e que solapou os investimentos sabidamente necessários para
evitá-la.
Todos
os que se dispuseram a “pensar”, enxergaram o abismo que se aproximava.
Porém,
como comodamente só podemos fazer aquilo que está na lei, não cabia a ninguém,
ou melhor, não era prudente , adiantar-se e investir para solucionar um
problema que quase ninguém parecia perceber.
As
prioridades eram outras: eleições, metrô, saúde, educação, habitações
populares, corredores de ônibus e ciclovias, para não falar em outras.
Em
suma, repetindo a proposta de Habermas em sua “Teoria da Modernidade”, se não conseguirmos,
enquanto sociedade, nos libertar deste racionalismo burro que impede que se
veja além do caminho previamente demarcado, que nos liberte dos grilhões
impostos pelo mercado, que nos proteja do gládio de uma máquina estatal
burocratizada, não teremos local seguro para amarrar nosso cavalo.
Professor
Orosco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário