terça-feira, 21 de outubro de 2014

AONDE AMARRO O MEU CAVALO?


            Refletindo um pouco sobre os recentes acontecimentos mundiais, de caráter eleitoral ou não, que são insistentemente apresentados e reapresentados por uma mídia ávida de novas notícias, começo por elaborar, em uma linha de raciocínio frankfurtiana, um pequeno ensaio sobre os caminhos de nossa sociedade contemporânea.
            Acompanhando a crítica de Habermas sobre a sociologia, entendemos que esta disciplina se coloca no campo conservador, dado os próprios métodos que desenvolveu para se solidificar como ciência.
            A linha positivista de Comte, a exemplo do racionalismo cartesiano, só promoveu, de fato, uma redução do elemento humano, reduzindo-o, pelo método, a um emaranhado de normas e procedimentos.
            Esta liberdade negativa, que proíbe os excessos, pode até ser entendida como boa no momento em que permite o livre exercício de todas as alternativas restantes e que, se utilizada para o bem, permitem o desenvolvimento da sociedade como um todo.
            Em contrapartida, como consequência e para prevenir as distorções, por ser negativa, exige, cada vez mais, novas regulamentações, novas leis e novas regras de convivência, e dizer, esta liberdade negativa, atuando como mola reguladora das pressões sociais, como repressora dos abusos, acaba por institucionalizar a burocracia e a normatização da vida em si.
No exemplo do maior temor de Lênin, quando desenvolveu os caminhos para sua revolução bolchevique, a burocracia institucionalizou-se e, com ela, as amarras do livre pensamento foram reforçadas a tal ponto que, a livre iniciativa, o desejo de saber o que existe do outro lado da montanha, mola propulsora da humanidade, ficou submersa em pilhas e pilhas de normas, leis e decretos.
Na prática, ela acabou invertendo a sua própria lógica, passando do “eu posso fazer tudo aquilo que a lei não proíbe” para “só posso fazer aquilo que está na lei”.
Com isso, a sociedade, tornando-se inevitavelmente refém do Estado, fica condenada à estagnação ou até pior, ao retrocesso, já que nem todas as pessoas cumprem a lei.
As observações desapaixonadas dos fenômenos sociais ou das novas descobertas científicas, que poderiam indicar mudanças de rumo para a humanidade, ficam prisioneiras das leis existentes, enclausuradas no fundo “da caverna”, relegadas a meras sombras ou impressões distorcidas da realidade.
Um exemplo prático destas atitudes, em nível mundial, pode ser observado na recente epidemia pelo vírus Ebola que assola a África e atemoriza o mundo.
A primeira vez que este vírus surgiu foi em 1976, em surtos simultâneos em Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo (antigo Zaire) em uma região situada próximo do Rio Ebola, que deu nome à doença.
À época descobriu-se que morcegos frutívoros eram os hospedeiros naturais deste vírus, cuja  taxa de fatalidade varia entre 25 e 90%, entre infectados, dependendo da cepa.
A burocracia e as prioridades econômicas de uma geopolítica de um mundo regulado pelas leis de mercado, fizeram com que as medidas de contenção e prevenção fossem relegadas a um segundo plano.
Em outro exemplo, o surgimento do Estado Islâmico, que hoje toma boa parte do noticiário internacional, chocando o mundo com cabeças separadas do corpo, se olharmos para o passado recente, já se mostrava como possibilidade, apresentando-se como resposta real a uma política expansionista americana, mais interessada no petróleo que na verdadeira melhoria da qualidade de vida daquele povo.
A burocracia cegou-nos ao ponto de não visualizarmos que a democracia ocidental que insistimos em exportar, pode não ser o regime que aquela parte do mundo deseja ou que está disposta a adotar.
Novamente relembro o mito da caverna de Platão.
Em um exemplo local, a crise de abastecimento hídrico que nos afeta, apresenta-se também, como consequência de uma burocracia que engessou a máquina estatal, que alterou prioridades e que solapou os investimentos sabidamente necessários para evitá-la.
Todos os que se dispuseram a “pensar”, enxergaram o abismo que se aproximava.
Porém, como comodamente só podemos fazer aquilo que está na lei, não cabia a ninguém, ou melhor, não era prudente , adiantar-se e investir para solucionar um problema que quase ninguém parecia perceber.
As prioridades eram outras: eleições, metrô, saúde, educação, habitações populares, corredores de ônibus e ciclovias, para não falar em outras.
Em suma, repetindo a proposta de Habermas em sua “Teoria da Modernidade”, se não conseguirmos, enquanto sociedade, nos libertar deste racionalismo burro que impede que se veja além do caminho previamente demarcado, que nos liberte dos grilhões impostos pelo mercado, que nos proteja do gládio de uma máquina estatal burocratizada, não teremos local seguro para amarrar nosso cavalo.

Professor Orosco.


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