quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A CANJA DE GALINHA E A BENZEDEIRA DO QUEBRANTE.


            Praticamente desde o período em que o macaco antropomorfo desceu das árvores, vendo seu rabo atrofiar-se, assumindo uma postura ereta e passando a caminhar sobre seus próprios pés, nossa espécie passou a questionar o seu mundo circundante e, ao fazê-lo, questionar-se a si mesma. O que somos nós? De onde viemos? Para aonde vamos? Qual o significado desta nossa existência?
            Juntamente com estas questões, outras, de caráter fenomenológico começaram a ocupar essas mentes incipientes que procuravam respostas e que esboçavam explicações empíricas e simplistas para tudo o que estava ao seu redor. Assim, a noite que surgia quando o astro Rei ia deitar-se, trazia consigo as centelhas do braseiro celeste, iluminando o firmamento, tal quais as chispas lançadas ao vento no crepitar das chamas de uma fogueira provocada por um raio na mata. A Lua, enamorada do Sol, sempre a persegui-lo, velava zelosamente o seu repouso, mostrando-nos que ao redor da terra plana em que vivíamos, girava todo o universo conhecido e onde, algumas vezes ela quase o alcançava, tornando-se quente e brilhante e, em outras vezes, deixando-o distanciar-se, tornava-se fria e chorosa. Por sua vez, acompanhando seus humores, a terra bruta, obedecendo ao bom senso, ora nos oferecia frutos abundantes, ora nos oferecia troncos desnudos e secos.
            Da repetição cíclica destes humores, com as consequentes implicações sobre as pulsões de nossa espécie, sempre ávida por mais potência, em cujo caminhar, num movimento de descida da “árvore de Porfírio” começamos a particularizar as perguntas, alcançando próximo de suas raízes as célebres questões “o que é isto?” e “quem ou o que é aquele que pergunta o que é isto?”, passamos a nominar o sujeito e a predicar-lhe atributos, permitindo, assim, o desabrochar da subjetividade manifesta em cada indivíduo.
            Com tantas perguntas e tão poucas respostas, a aceitação niilista de uma coisa criada que foi promovida a criadora, alcançou, finalmente, em um mundo suprassensível, inteligível, idealizado, um significado de “verdade absoluta”, não sendo mais necessária, a partir de então, novas relações carnais conosco para a produção de outros heróis, já que, segundo a sua vontade, tudo, a partir dela, estava determinado e, portanto, justificado.
            Esta metafísica hegeliana da subjetividade incondicionada da vontade que sabe a si mesma, isto é, do espírito, onde o modo de ser da incondicionalidade determina-se para ele a partir da essência da razão que é em si e por si, nunca no sentido de um “racionalismo” segundo Heidegger, ganhou em Nietzsche, o último dos metafísicos, um adjetivo suplementar, o da vontade de potência, onde a subjetividade é incondicionada como subjetividade do corpo, isto é, das pulsões e dos afetos. Isto não significa, contudo, ainda segundo Heidegger, que este discurso sobre o fim da metafísica implique em que no futuro não viverão mais homens que pensem metafisicamente ou que produzam “sistemas ligados à metafísica”, ou ainda que a própria humanidade não viverá mais sobre uma base metafísica, mas sim que este fim precisa ser pensado em formas moduladas, transformadoras, onde um mundo do saber será novamente construído.
            E dizer, apesar do fato de que tanto a religião ou a razão não terem nos fornecido até hoje todas as respostas, levando-nos a um perigoso estado psicológico de experimentar coletivamente um niilismo passivo, um certo retorno às origens, como um bom caldo de galinha ou de uma preventiva benzedeira do quebrante, por ora não fazem mal a ninguém, ou seja, apesar de místico, falso ou insuficiente, esta vivência mimética da realidade em nossa condição animal, que ouve e age livremente em função de suas pulsões, até que alcancemos um novo patamar do nosso desenvolvimento enquanto espécie, ainda é um importante instrumento de coalizão social que garante a sobrevivência humana.
           
Professor Orosco


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