sexta-feira, 27 de setembro de 2013

NÃO SOU A FAVOR DO ABORTO, MAS DEFENDO O DIREITO DE ABORTAR.


         Inquirido insistentemente por um amigo que me cobrava um posicionamento acerca de tema tão complexo, mesmo reconhecendo a delicada situação em que ele, sarcasticamente procurava me colocar, não tive alternativa senão a de manifestar minha opinião, alertando-o de que não sou a pessoa mais indicada para tratar do assunto, visto que sou homem, que jamais poderei experimentar/vivenciar tal situação e que, minha participação no processo gestacional de uma nova vida, hedonisticamente falando, foi-me muito prazerosa, pelo que, minha imparcialidade para julgar ou emitir opinião sobre isto pode ser considerada questionável.
            Sob o aspecto antropológico, podemos afirmar que o homem pertence ao reino animal, é vertebrado, mamífero, dotado de consciência e possui longevidade quando comparado a outras espécies.
            Graças à sua condição de ser racional tem excelente capacidade de adaptação climática, tem sexo definido (macho e fêmea) e ocupa o topo da cadeia alimentar.
            Suas crias são geradas no ventre da fêmea, na maioria das vezes com somente uma criança por vez, que nascem após a trigésima sexta semana, sendo totalmente dependentes da mãe até alcançarem aproximadamente dois anos de idade, quando, conforme Jean Piaget (1) e Lawrence Kohlberg (2) iniciam o processo de construção do seu Eu individual.
            As questões sobre sua expectativa de vida, em termos de longevidade, sobre a qualidade desta vida e até mesmo sobre o direito que cada um tem de decidir sobre sua interrupção, suscitam temas como aborto, eutanásia, pena de morte que, dada as consequentes questões morais envolvidas, só contribuem para tornar o tema em questão, uma impossibilidade de consenso entre os homens.
            No século XX, com a melhoria das condições sanitárias, com o aumento do volume de água potável oferecida às populações, com a maior oferta de alimentos e com desenvolvimento da medicina, a expectativa média de vida da população aumentou, embora tenha sido afetada pelas duas grandes guerras, somadas a uma enormidade de conflitos menores, igualmente sangrentos, de caracteres regionais.
            Curiosamente, os homens que sempre ficaram atrás das mulheres em relação à expectativa de vida, no início deste novo milênio estão vivendo mais, chegando-se a prever para a metade do século XXI a igualdade dos números médios.
            Esta mudança se deve muito ao fato da equiparação dos direitos entre homens e mulheres ocorridos no século XX, onde as mulheres, emancipadas, dividiram e ocuparam espaços no mercado de trabalho, alcançaram a paridade com os homens em quase todos os setores da sociedade moderna e, em muitos deles, superaram-nos largamente.
            Embora ainda existam locais no planeta onde as mulheres não tenham assegurado este direito de igualdade aos homens, é inegável que esta conquista está consolidada e que a cada novo dia, amplia suas fronteiras.
            John Stuart Mill (1806/1873),filosofo e pensador liberal inglês, em sua obra “Sujeição das Mulheres”, já atacava o argumento que dizia que as mulheres são naturalmente piores do que os homens em certos aspectos e que, por isso, elas deviam ser desencorajadas e proibidas de realizarem certos atos.

O princípio que regula as relações sociais existentes entre os dois sexos, a subordinação legal de um sexo ao outro, é errado em si mesmo, e, atualmente, um dos principais estorvos à melhoria humana. [...] Não restam escravos legais, com exceção das senhoras em cada casa.                                                                  Sujeição das Mulheres

            Ele afirmava que se não se sabia do que as mulheres são capazes, é porque os homens nunca as deixaram tentar, e que não se podia fazer uma afirmação autoritária sem evidências.
            Acreditava que os homens da sua época não poderiam saber qual era a natureza da mulher porque ela estava “empacotada” na maneira em que fora criada, induzida a agir como se fosse fraca, emotiva e dócil.
            Ele atacava, também, as leis do casamento, que ele comparava à escravização da mulher, defendendo uma reforma na legislação (a seu ver o casamento era reduzido a um mero acordo comercial), e, em outra de suas propostas, apoiava também a mudança das leis de herança, que permitiriam às mulheres manter suas próprias propriedades e trabalharem fora de casa, ganhando independência e estabilidade financeira.
            Felizmente, evoluímos ao ponto de perceber que homens e mulheres são iguais perante a lei, livres em estado de natureza, e que “a maior das liberdades, a liberdade natural do homem, consiste em poder dispor do seu corpo, como melhor lhe aprouver”, independentemente de sexo, cor, etnia ou idade.
            Hoje, com o avanço da medicina e de outras ciências, é inegável a oferta de produtos e serviços que propiciam melhoria da qualidade de vida para os homens, principalmente nos países mais desenvolvidos.
            Paradoxalmente, com este desenvolvimento tecnológico associado ao sedentarismo, ao stress da vida moderna, à poluição e ao consumo de alimentos industrializados, a saúde dessas populações começa a declinar assustadoramente neste século XXI, aumentando de forma exponencial os números de doenças, e consequentes óbitos, ligadas a causas como obesidade, problemas respiratórios, etc.
            Da mesma forma, devido ao gigantesco crescimento populacional e à facilidade de locomoção oferecida por sistemas de transporte cada dia mais eficiente, a miscigenação de tipos humanos diferentes acaba por gerar novas doenças e deficiências, de origem genética, em número igualmente significativo.
            Este número de crianças geradas com problemas genéticos, associado ao número dos casos de gravidez provocada por violência sexual, traz o tema do aborto para um contexto atual.
            Como fruto do meio, da alimentação, da exposição ao Sol, as diferenças genéticas se acentuam, provocando diferentes resultados sobre os humanos, sem, contudo, evidenciar superioridade de tipos distintos.
            No entanto, devemos ter ciência que pouco mais de 15% do total da população mundial apresenta algum tipo de deficiência, agravando sua condição de sobrevivência na maioria dos países pobres onde uma considerável parcela de humanos vive em condições precárias e não chegam a adquirir consciência de si mesmos, e dizer, não se reconhece como pessoas.
            A palavra pessoa tem origem no termo latino que remete a uma máscara usada por um ator no teatro clássico.
            Ao usarem máscaras, os atores davam a entender que estavam representando um papel e, com o passar do tempo, “pessoa” passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, alguém que é um agente.
            John Locke (3) definiu uma pessoa como “um ser pensante e inteligente, dotado de razão e reflexão, que pode ver-se como tal, a mesma coisa pensante, em tempos e lugares diferentes”.
            Essa definição aproxima “pessoa” daquilo que J.Fletcher(4), queria dizer como “humano”, salvo pelo fato de escolher duas características fundamentais: a racionalidade e a consciência de si, como âmago do conceito.
            Segundo Patrick Baert(5), em “Algumas Limitações das Explicações da Escolha Racional na Ciência Política e na Sociologia”, as mais importantes características das explicações da escolha racional são:

a)    A premissa da intencionalidade
b)    A premissa da racionalidade
c)    A distinção entre informação completa e incompleta e, no caso da última, a diferença entre risco e incerteza.
d)    A distinção entre ação estratégica e ação interdependente.

            As explicações intencionais não estipulam apenas que os indivíduos agem intencionalmente, mas tentam dar conta de práticas sociais fazendo referencia a finalidades e objetivos.
            As explicações da escolha racional são um subconjunto das explicações intencionais que atribuem, como o nome sugere, racionalidade à ação social.
            Racionalidade, neste contexto, significa que, ao agir e interagir, os indivíduos têm planos coerentes e tentam maximizar a satisfação de suas preferências ao mesmo tempo em que tentam minimizar os custos envolvidos.
            A racionalidade pressupõe a ideia (premissa) de que o indivíduo é capaz de estabelecer um completo ordenamento das alternativas.
            Hoje, a ciência admite que os golfinhos (delphins) são capazes de desenvolver atitudes intencionais e atitudes racionais, promovendo-os junto com o homem ao status de pessoas.
          Alguns filósofos têm afirmado que os animais não são capazes de pensar ou raciocinar e, em decorrência disso, não tem uma concepção ou uma consciência de si mesmos.
            Vivem o aqui e o agora.
            As pessoas muito frequentemente têm apenas “informações imperfeitas” com respeito à relação entre um conjunto particular de ações e seus resultados.
            Enfrentando riscos, as pessoas são capazes de atribuir probabilidades aos vários resultados, ao passo que, confrontadas com situações de incerteza, não serão capazes de fazê-lo.
            No interior da teoria da escolha racional, a teoria dos jogos, que objetiva trabalhar, por meio de conceitos, situações nas quais os indivíduos tomam decisões considerando as consequências das decisões tomadas por outros, trata da formalização de escolhas estratégicas ou interdependentes por meio da constituição de modelos ideais típicos.
            Na definição que Fletcher usou para o termo humano, ele compilou uma lista, que chamou “indicadores de humanidade”, que incluía as seguintes características:

a)    Autoconsciência
b)    Autodomínio
c)    Sentido de futuro
d)    Sentido de passado
e)    Capacidade de se relacionar com outros
f)     Preocupação pelos outros
g)    Comunicação
h)    Curiosidade

            Esta definição de características humanas, na verdade deveriam ser consideradas como características de pessoas, já que os golfinhos demonstraram possuí-las, ao mesmo tempo em que o embrião humano, o feto subsequente, a criança com deficiência intelectual grave e até mesmo o recém-nascido, todos indiscutivelmente membros da espécie Homo Sapiens, não apresentam estas características, não podendo, portanto, ser consideradas pessoas, muito embora potencialmente possam vir a sê-las.
            É exatamente nesta possibilidade potencial que reside a maior parte da argumentação contrária ao aborto.
            No entanto, para uma avaliação racional e desapaixonada da questão, precisamos considerar aspectos mais amplos do que a simples manutenção da vida; aspectos como a qualidade desta vida em questão, onde o “prazer” e “felicidade”, mesmo com carência de precisão, remetem a algo que se vivencia, ou se sente, e dizer, a estados de consciência fundamentais para o desejo de viver.
            A vida, em suas múltiplas definições, para poder ser compreendida e aceita como tal, fica condicionada à demonstração de sua forma autônoma de manutenção.
            Conforme John Stuart Mill

Poucas criaturas humanas consentiriam em ser transformadas em qualquer um dos animais inferiores, caso lhes fosse feita a promessa de viverem plenamente todos os prazeres de um animal; nenhum ser humano inteligente consentiria em tornar-se um idiota, nenhuma pessoa instruída aceitaria ser transformada num ignorante, nenhuma pessoa sensível e consciente gostaria de tornar-se egoísta e vil, ainda que se conseguisse convencê-la de que o idiota, o ignorante ou o tratante vivem mais satisfeitos com sua própria sorte do que elas com as suas... É melhor ser um humano insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E, se o idiota ou o porco tem opinião diferente, é porque só conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece os dois lados.

            Pergunta-se então, dentro de um aspecto puramente utilitarista, qual o sentido prático de permitir o nascimento de um bebê, por exemplo, com grave deficiência ?
            Em uma visão plausível do utilitarismo preferencial, uma vida deixa de valer a pena ser vivida, da perspectiva da pessoa que a leva, e somente dela.
            E dizer: considera-se como forma autônoma de manutenção da vida, além da capacidade biológica de autorregulação, o desejo manifesto de sua continuidade.
            Platão e Aristóteles achavam que o estado devia impor a morte aos bebês deformados e, por mais absurdo que possa parecer, este tipo de pensamento se manteve vivo ao longo da história, muitas vezes encoberto e travestido por outros argumentos, disfarçado por ideologias que defendiam a “pureza da raça”, a superioridade de um tipo humano sobre outro, etc., além de outras formas de racismo e preconceito.
            Para nos aprofundarmos um pouco mais no assunto, à luz da lógica, da ética e da moral, vamos diferenciar duas situações distintas e reais para tratar esta questão: a vida potencial e a vida real.
            Alguns movimentos contrários ao direito do aborto, quase sempre embasados em postulados teocráticos, levantam questões sobre o momento da origem da vida, alegando, por exemplo, que a mesma se iniciaria no momento da fecundação.
            Parece até ser verdade que uma nova vida humana começa a existir quando um espermatozoide humano se une a um óvulo humano, pois a entidade que resulta daí, o zigoto, não parece ser idêntica nem ao esperma, nem ao óvulo.
            Ele carrega o potencial de desenvolvimento, de multiplicação celular, de crescimento e de vida.
            A mera possibilidade de que o zigoto ou embrião possa se dividir em gêmeos mostra que não pode haver um único organismo humano presente até o décimo quarto dia após a concepção, quando, então, cessa a possibilidade de formação de gêmeos, tipificados como univitelinos.
            Pensar o contrário seria o mesmo que afirmar que a cada nova divisão celular, onde, na morte da célula matriz que gera duas novas células, estas deveriam ser consideradas organismos humanos vivos, independentes.
            Outras considerações necessárias de serem feitas neste momento, antagônicas entre si, tratam dos fetos anencéfalos e dos embriões bicéfalos, que frente às suas complexas características biológicas, não trataremos, por ora, deixando apenas o registro de sua existência.
            Assim, até que o feto alcance a capacidade de manter a vida (ao menos em suas funções vitais) sem a necessidade da ligação umbilical com a mãe, não pode ser considerado um ser vivo, devendo ser classificado como um ser com potencial de vida.
            Neste contexto, não pode gozar da proteção da lei como uma pessoa, o que ainda não é, muito embora possa vir a sê-la.
            Até a décima oitava semana de gestação, o córtex cerebral de um feto humano ainda não está suficientemente desenvolvido para que as conexões sinápticas ocorram em seu interior, e dizer, em outras palavras, não são recebidos sinais que em um adulto, por exemplo, dariam origem à dor.
            Somente entre a décima oitava e a vigésima quinta semana, o cérebro do feto humano atinge um estágio no qual existe alguma transmissão nervosa nas partes associadas à consciência.
            Desta forma, considerando-se que o feto nestas condições possa ser classificado como uma espécie de apêndice da mulher até o quinto ou sexto mês da gravidez cabe a ela, e somente a ela, a decisão sobre a continuidade ou não do seu desenvolvimento, ou seja:
            O aborto deve, portanto, ser legalmente permitido, de forma facultativa, onde somente a mulher, de forma livre e soberana, pode decidir se deseja ou não realizá-lo.
            A própria Corte Suprema dos Estados Unidos admitiu que as mulheres têm o direito constitucional de abortar nos primeiros seis meses de gravidez.
            Esse ponto de vista é muito aceito pelos pensadores liberais, cujas origens podem ser atribuídas a Mill, que defendia o ponto de vista de que, “em uma sociedade pluralista, devemos ser tolerantes com os que defendem ideias diferentes das nossas e deixar a decisão de fazer um aborto a cargo da mulher que está vivendo o problema”.
            Muitos países já possuem, ou estão criando, leis e regulamentos para o uso de tecido fetal de abortos, com base no pressuposto de que é importante separar a decisão de abortar do uso do tecido fetal, para que o uso deste não sirva para fomentar a incidência de abortos.
            Já, uma criança nascida não é potencialmente um ser vivo, é um ser vivo.
            Como humano que respira, potencialmente pode vir a tornar-se uma pessoa, fazendo desde o seu nascimento o direito ao gozo da proteção da lei.
            Neste ponto, na possibilidade de que este ser vivo venha a se transformar em uma pessoa é que reside a discussão sobre seus direitos, inclusive o direito de preservar ou abdicar da vida.
            Somente um ser que consegue aprender a diferença entre morrer e continuar vivendo pode optar autonomamente pela vida.

Professor Orosco
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(1) Jean William Fritz Piaget, ( 1896/1980), foi um epistemólogo suíço, considerado um dos maiores pensadores do século XX, desenvolveu a teoria do conhecimento com base no estudo da gênese psicológica do pensamento humano.
(2) Lawrence Kohlberg, (1927/1987) Psicólogo especializado na investigação sobre educação e argumentação moral.
(3)  John Locke (1632/1704),filósofo e ideólogo do liberalismo, é considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social
(4) Joseph Fletcher (1905/1991) teólogo protestante, foi um professor americano que fundou a teoria da ética situacional na década de 1960, sendo pioneiro no campo da bioética.  Foi um importante acadêmico envolvido nos temas de aborto, infanticídio, eutanásia, eugenia e clonagem.
(5) Patrick Baert (nascido em 1961) é um sociólogo belga, teórico social, baseado na Grã Bretanha onde atua como professor de Teoria Social da Universidade de Cambridge.


sábado, 21 de setembro de 2013

UM POUCO DE FÉ NÃO FAZ MAL A NINGUÉM


Numa época tão conturbada, onde a ciência tenta se colocar como verdade absoluta, onde os mestres se portam como Heróis gregos, concebidos por intervenção dos deuses, vale recordar um pouco de Agostinho.

Aurélio Agostinho (354/430), Santo Agostinho, de Hipona, foi uma das figuras mais importantes para o desenvolvimento do cristianismo no ocidente.
Influenciado pelo neoplatonismo de Plotino, desenvolveu sua própria abordagem sobre filosofia e teologia em uma variedade de métodos e perspectivas diferentes.
Aprofundou o conceito de pecado original e quando o Império Romano do Ocidente começou a se desintegrar desenvolveu o conceito de Igreja como cidade espiritual de Deus, distinta da cidade material dos homens.
Criador da ideia do “livre arbítrio”, um conceito suscetível que normalmente envolve a pretensão de que é possível para os seres humanos fazerem escolhas genuinamente indeterminadas.
Assim, uma condição necessária para a livre escolha é que ela não deveria ocorrer considerando a existência das mesmas circunstâncias exatas sob as quais ela foi de fato feita.
O próprio Agostinho faz remontar aos neoplatônicos a ideia segundo a qual Deus seria a fonte original da Física, da Lógica e da Ética, remetendo o domínio físico ao Pai, o domínio lógico ao Filho e o domínio ético ao Espírito Santo.
Em sua obra De Magistro ( O Mestre ), no diálogo que mantém com Adeodato, observa-se que, para ele, os signos (sinais) expressos para designar alguma coisa, podem ser representados por palavras, por gestos, por movimentos, etc., ou seja: podem ser expressos de inúmeras formas, ficando sua compreensão restrita ao nível de conhecimento prévio da coisa em si, tanto pelo emissor quanto pelo receptor da mensagem.
Assim sendo, o signo, o sinal, e por consequência, o mestre, nada pode informar, ensinar, se o receptor da mensagem, o aluno, não tiver um conhecimento prévio daquilo que ele se propõe a representar.
Para Agostinho, o signo, muito mais do que a palavra, preserva o "Eidos" da coisa, aquilo que a faz ser o que é; representando a coisa significada, e dizer: para ele, a palavra é apenas um sinal do signo.
O sinal representa a coisa: seu nome, sua definição, sua imagem, o que nos ajuda a conhecer; a alcançar e fazer aparecer o que está na coisa; identificar o que está demonstrado na coisa.
Agostinho conclui que: alcançar a compreensão de que "o que é em si cognoscível, é", ou seja, alcançar o conhecimento do princípio, é preferível ao conhecimento dos sinais que o representam.
Conclui também que, aquilo que está dentro de nós, que nos permite alcançar o conhecimento deste princípio; que nos permite conhecer aquilo que vamos aprender (rememorar), é explicado pela presença do espírito de Cristo, de Deus, o verdadeiro e único mestre, ligado simbióticamente à nossa alma, sugerindo o caminho para alcançar o logos.
Coloca ainda que, aceitar ou não esta orientação depende da vontade livre e soberana de cada um.
Desta forma, o interesse filosófico que podemos depreender de sua obra é o de que, embora aquele que deseja ser reconhecido e tratado por mestre pretenda ensinar conteúdos que ele pensa dominar, em verdade só consegue auxiliar o aluno a descobrir, revelar, aquele conhecimento que ele já possui, ficando o resultado deste aprendizado condicionado à análise de valores que, individualmente cada um vai realizar.

Professor Orosco

domingo, 15 de setembro de 2013

AS VÁRIAS FASES DA SOCIOLOGIA


         A Sociologia, enquanto ciência estabeleceu-se a partir do século XVIII, quando Augusto Comte, um filósofo francês (1798/1857), negou com sua teoria positivista o fato de que os fenômenos naturais e sociais provinham de um só princípio.
Comte abandonou a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e passou a pesquisar suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.
Adotando critérios históricos e sistemáticos, ele, usou a observação, a experimentação, a comparação e a classificação como métodos para compreender a realidade social, com o objetivo de “ver para prever, a fim de prover”, ou seja: conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de nossas ações, para que o ser humano possa melhorar a sua realidade.
É esta previsão científica que caracteriza o pensamento positivo.
Comte, no entanto, tornou-se extremamente rigoroso com o princípio da não interferência, no período da coleta de dados, assegurando, a seu ver, a imparcialidade das informações obtidas.
Suas observações, o resultado de suas análises, desta forma, poderiam servir, de maneira imparcial, a tantos quantos desejam valer-se delas para suas ações e decisões.
A partir da percepção do progresso humano, ele formulou a Lei dos Três Estágios onde, cada ramo do nosso conhecimento passa obrigatoriamente pelos estágios teológico, filosófico e positivo.
No primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural, pelo místico, por entidades cuja vontade arbitrária comanda a realidade.
Esta fase teológica, por sua vez, tem várias subfases: o fetichismo, o politeísmo, o monoteísmo.
No segundo, já se passa a pesquisar diretamente a realidade, mas ainda há a presença do sobrenatural, de modo que a metafísica se torna uma transição entre a teologia e a positividade.
Esta colocação, por sua vez, nos remete a tentar compreender às formas de organização social vivenciadas pela humanidade, examinando alguns trabalhos filosóficos antigos, elaborados muito antes de surgir a Sociologia, mas que evidenciavam interesses semelhantes.
Tomemos o exemplo dos gregos.
No princípio, os dentre os povos helênicos, todos os gregos eram igualmente ricos e igualmente pobres.
Cada homem era dono de certo número de vacas e ovelhas.
Sempre que se fazia necessário discutir questões de importância coletiva, todos os cidadãos se reuniam na praça do mercado para deliberar.
Com o desenvolvimento das comunidades, as aldeias se transformaram em cidades, onde algumas pessoas trabalhavam com afinco e outras permaneciam no ócio, fazendo com que as diferenças começassem a se acentuar, criando-se uma pequena classe de pessoas muito ricas que exerciam o poder (aristocracia) e uma grande classe de pessoas muito pobres.
O povo de Atenas, decidindo “arrumar a casa”, devolveu à multidão dos homens livres o direito de opinar sobre os assuntos de governo.
No período de Péricles, um importante estadista grego, consolidou-se uma forma de “contrato de convivência” elaborada por Sólon, quase 100 anos antes (por volta de 590 a.C), a democracia.
Platão, em sua obra “A República”, traça uma série de considerações sobre a forma de ser da sociedade grega, particularmente da ateniense.
Roma, por sua vez, desenvolveu um sistema de governo, onde o povo elegia seus representantes, incumbidos de tratar da res-pública, da coisa pública.
Como podemos ver, as relações entre as várias camadas da população e a própria relação entre membros de uma mesma classe, até mesmo da família, em todos os tempos, evidenciavam formas de conflito de interesses e de solução, ora pacífica, ora sangrenta para acomodar as coisas.
A literatura histórica é cheia de relatos destes exemplos.
A diferença é que, até a época de Comte, as coisas aconteciam com certa imprevisibilidade, já que ninguém atentava para elas.
Comte introduziu a observação sistêmica dos fenômenos da física social, ciência que veio posteriormente a ser chamada de Sociologia.
Na sequencia, Emile Durkheim(1858/1917), define o objeto da Sociologia como a observação dos fatos sociais, caracterizados pela sua exterioridade, pela sua coercitividade e pela sua coletividade.
Para Durkheim, nesta concepção, chamada funcionalista, as consciências individuais são formadas pela sociedade, opondo-se ao idealismo iluminista, segundo o qual a sociedade seria moldada pelo “espírito” e pela consciência humana.
E dizer, para ele, a sociedade constituindo-se como uma síntese das relações estabelecidas entre seus membros, desenvolve uma “consciência coletiva”, aquém do espaço e além do tempo, superior aos indivíduos, investida de uma autoridade moral, da qual os homens não podem se separar sem correr o risco de perder sua condição humana, tornando-se o indivíduo uma espécie de refém de uma tirania coletiva.
O homem, enquanto indivíduo, somatiza a cultura do meio em que vive e constrói uma segunda natureza. O grupo ganha identidade própria.
Durkheim, distanciando-se de Comte, percebe que o observador está contido no meio que analisa, sendo também influenciado por ele, de modo que suas conclusões, por mais imparciais que pareçam, acabam carregando um pouco da sua ideia deencaminhamento para as soluções dos problemas observados.
Karl Marx (1818/1883), por sua vez, defende a necessidade de que o agente social adote uma posição transformadora da sociedade, denunciando a exploração do homem pelo homem, a propriedade privada e o Capital como o maior dos males, auxiliando no processo de emancipação dos oprimidos (do proletariado).
Max Weber (1864/1920), em seus ensaios, analisa a influencia das religiões como elementos basilares para a consolidação do Capitalismo, da burocracia e da teocracia, como forma de promover a segregação por classes e castas, entre agrupamentos humanos, gerando incontáveis situações de conflito, acrescentando-se à isto, o fato de que no seu modo de ser, estes modelos dominantes provocam também a alienação cultural, de modo que só analisamos aqueles elementos da realidade que tem algum sentido de valor para nós.
Weber admite explicitamente a influencia sofrida pelo observador no desenvolvimento do seu trabalho, fruto do meio em que ele vive; da sua cultura apologética, da sua classe de origem, dos fatores econômicos que norteiam a pesquisa, etc., deixando claro que a importância cognitiva da ciência social reside na sua capacidade de controlar a pesquisa mediante métodos sistemáticos e padronizados de trabalho.
Finalmente, como tudo está em permanente movimento, o estudo da Sociologia, como não poderia deixar de ser, avança para novas fronteiras, ganhando força nas últimas décadas, as propostas e análises da escola de Frankfurt, de pensamento neo-marxista, como forma de compreender os fenômenos e fatos sociais advindos do período posterior ao surgimento do socialismo na União Soviética, das I e II Grandes Guerras, guerras Quentes, seguidas pela Guerra Fria, do ocaso do modelo, da hegemonia americana, da globalização, do terrorismo como forma de protesto, até os dias de hoje.
O trabalho da Escola de Frankfurt não pode ser completamente compreendido se não entendermos as intenções e os objetivos da teoria crítica, iniciada por Max Hokheimer (1895/1973) que em seu ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, 1937, definida como uma autoconsciência social que é objetivada na mudança e na emancipação através do esclarecimento e que não se liga dogmaticamente aos seus próprios pressupostos doutrinais.
De certa forma, sua teoria crítica se opõe à teoria tradicional, positivista, cientificista e puramente observacional, argumentando e, valendo-se de Weber para isto, que as ciências sociais são diferentes das ciências naturais, visto que generalizações não podem ser aceitas como experiências, uma vez que uma experiência social em si é sempre moldada por ideias que estão nos pesquisadores.
Diferente do marxismo ortodoxo, que meramente aplica um padrão tanto à critica quanto à ação, a teoria crítica procura ser uma autocrítica e rejeita quaisquer pretensões de uma verdade absoluta.
Ela tenta se colocar fora de estruturas filosóficas, como um modo de pensar e recuperar, pragmaticamente, o autoconhecimento da humanidade.
Outro grande expoente desta escola, Herbert Marcuse (1898/1979), se preocupava com o desenvolvimento descontrolado da tecnologia, o racionalismo dominante nas sociedades modernas, os movimentos repressivos das liberdades individuais e o aniquilamento da Razão.
Ele denunciava que a sociedade industrial avançada cria falsas necessidades e que simplesmente só fazem integrar os indivíduos ao sistema de produção e de consumo, alienando-os das relações de construção social, como família, amigos reais e não virtuais, etc.
Theodor Adorno (1903/1969), um dos filósofos de maior influencia sobre a sociedade europeia e norte-americana na segunda metade do século XX, defendia um método dialético, em parte hegeliano, em parte marxista, para buscar uma explicação para as atrocidades da guerra, identificando personalidades autoritárias que se caracterizam por crenças fixas e pela intolerância em relação às diferenças.
Para ele, os sistemas de produção cultural (televisão, rádio, jornais, etc.) são elaborados de forma a aumentar o consumo, modificar hábitos, educar e informar, podendo ter a capacidade de atingir a sociedade como um todo.
Ele denuncia que a chegada da cultura de massa, acaba submetendo as demais a um projeto comum e hegemônico, ligada ao poder econômico do capital industrial e financeiro, promovendo a repressão às demais formas de cultura, criando o conceito de “Comunicação Social” uma nova ciência que estuda a comunicação humana em sociedade, abrangendo as subdisciplinas da comunicação, da teoria da informação, comunicação intra e interpessoal, marketing, propaganda, relações públicas e outras.
Theodor Adorno nos mostra que a arte é a última barreira, a reserva ecológica da sociedade e a última esperança para que a massa saia desse mundo alienador, muito embora, até ela mesma já esteja sendo comprometida, na música, no cinema, nas artes cênicas, todas vítimas do capital.
Finalizando, nós pudemos observar que deste os tempos imemoriais, o comportamento dos vários agrupamentos humanos tem sido objeto de estudos, objetos da sociologia.
Compreendemos também que, apesar de ser ciência, ela, assim como as outras também está sujeita às influencias políticas, religiosas e econômicas.
Compreendemos que o alerta de Comte, acerca do rigor metodológico para evidenciar conclusões, de forma epistêmica, ainda é a garantia para se chegar a argumentação sólida.
Percebemos que, independente do trabalho, o sociólogo, o estudante, o professor, e todos nós, somos agentes sociais que carregamos a missão de transformar o mundo, mas que também, podemos, como alguns o fazem, ficar ao largo e deixar a vida passar.