Para que se possa iniciar o processo de compreensão do espírito da filosofia medieval, torna-se necessário, antes, tecer uma breve recordação da filosofia grega, de Parmênides a Aristóteles.
Parmênides elaborou o princípio da identidade, o que é, é, e não pode deixar de ser.
Elaborou também o princípio da não contradição: se o que é, é, o seu contrário, o não ser, não é, e, portanto, não pode ser.
Este conhecimento se mostra necessário quando tentamos compreender a lógica, que tem tudo a ver com a validade, de Aristóteles, que se interessava pelas proposições categóricas (quantificadas).
Para ele, uma proposição, um enunciado, precisava ter sentido e apresentar um valor de verdade, verdadeiro ou falso, ou seja, precisava afirmar ou negar alguma coisa.
Assim, quando analisamos todas as premissas de um argumento e as confrontamos com a conclusão, podemos inferir a validade da argumentação.
Se todos os valores de verdade forem verdadeiros, a tautologia se faz presente; se todos forem falsos, a contradição se mostra evidente e, quando parte do argumento se mostra possivelmente verdadeiro e parte possivelmente falso, a contingência se manifesta, despertando a dúvida, a possibilidade de ser e de não ser.
Desta forma, quando subimos pelos galhos da árvore de Porfírio, compreendemos a contingência dos seres e, a partir desta compreensão, intuímos a existência de um Ser, maior do que tudo que possa ser pensado ou dito, segundo Santo Anselmo, ou causa primeira, a causa não causada, segundo São Tomas de Aquino.
Um Ser que, para comprovar sua ação causal, doa algo de si ao sujeito causado, algo como aquilo que a genética já comprovou quando analisa a descendência dos seres, por exemplo.
Neste caso, sua substância.
Em outras palavras, para que uma causa se mostre evidente, precisa ceder algo que tem, tornando-se a raiz da sua própria causalidade.
A ciência, que tem seu ponto de partida baseado em axiomas, raramente ou quase nunca se interessa pela justificação do ser e do movimento, assim como da causalidade, o que não é o caso da filosofia, que busca alcançar o conhecimento da causa primeira e princípio de todas as coisas.
Não é o caso da religião, particularmente do pensamento teocêntrico cristão na Idade Média, para quem o Ser é Deus, a causa primeira, criadora de todas as coisas e de si mesma.
Uma religião que, em seu antropomorfismo, defende que a capacidade de intuir este ato criador, dentre todas as coisas que percebemos na natureza, é exatamente a qualidade que nos foi doada no ato da criação.
E, desta forma, compreender que a causalidade se manifesta por uma ideia pré concebida do ato que se consuma, no espírito de quem age ou faz, assim como reconhecer a nossa incapacidade para criar, limitada a poder combinar apenas o que já existe ou foi criado.
O homem só causa na medida em que ele é, e, como nada é anterior ao Ser, não poderá tentar ir além dele.
Como Ser que criou tudo, que criou a si mesmo, Deus, de forma soberana e livre, só quer a si, só necessita de si, e é em relação a si que quer todo o resto, permitindo-nos por analogia e por sua infinita bondade, experimentar o seu Bem.
É pela bondade que permite aos seres serem, que permite que sejam causa de outras causas.
É por sua bondade que participamos de sua potência e vontade, desfrutando de sua glória.
É somente por analogia que nos assemelhamos a ele, que proporcionalmente podemos ser causa de outras causas, compreendendo que a finalidade disto está no âmago do seu próprio ser, na sua perfeição.
Com estas palavras podemos, portanto, dizer, que esta Idade Média, foi tudo, menos a Idade das Trevas.
Concluindo que, apesar dos absurdos abusos e atrocidades cometidas por motivos político/religiosos do período, que a antecederam e que continuaram até nossos dias, a Idade Média foi, filosoficamente falando, muita rica e cheia de luz.
Professor Orosco
Baseado na obra de Étienne Gilson, O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
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