Lendo a obra de Julían Marías
sobre a História da Filosofia e detendo-me em estudar os grandes temas da
Escolástica, particularmente sobre os “universais”, pude compreender as
palavras do Papa Francisco quando este afirmou que não existem
incompatibilidades substanciais entre as teorias da evolução e da criação.
Segundo Marías, o mundo antigo
termina, se podemos assim considerar, com a morte de Santo Agostinho, no ano
430, iniciando-se então a Idade Média que vai durar até o século XV, cujo
limite é dado com frequência pelo ano de 1453, data em que o Império Bizantino
cai em poder dos turcos.
Neste período, mais
especificamente a partir do século XI, aparecem, como consequência do
renascimento carolíngio (renascimento da literatura e das artes que teria ocorrido principalmente no reinado
de Carlos Magno), as escolas e, nelas, um certo
saber cultivado que virá a se chamar Escolástica, onde os textos lidos e
comentados (leciones) são geralmente os da própria Escritura ou as obras dos
Padres da Igreja.
Durante este período, os três
grandes problemas sobre os quais a filosofia da Idade Média se deparou foram o
da criação, o dos universais e o da razão, onde:
Na criação, o cristão partindo
de uma posição distinta da grega, entendia o mundo como “ex nihilo nihil fit”
(do nada nada se faz), deduzindo que “do nada nada pode ser feito sem a
intervenção de Deus” e onde, segundo São Tomás de Aquino, a criação podia ser
demonstrada, embora não a sua temporalidade, sendo conhecida tão somente pela revelação.
Os universais, que deveriam
ser compreendidos como os gêneros e as espécies (como conceitos com que
pensamos os objetos) que se opõem aos indivíduos (os objetos que se apresentam
aos nossos sentidos).
E a razão, para falar com
propriedade, que a verdade está no intelecto, que compõe e que divide, não nos
sentidos e tampouco no intelecto que conhece a essência, uma relação de
conformidade da inteligência à coisa.
Assim sendo, se interpretarmos
corretamente a alegoria bíblica sobre a criação do homem, podemos perceber que
ela é coerente e se mostra verdadeira.
Vejamos:
No Gênesis pode-se ler:
1.26 – E disse Deus: Façamos
o homem à nossa imagem; conforme a nossa semelhança, e domine sobre os peixes
do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre
todo o réptil que se move sobre a terra.
2.7 – E formou o Senhor Deus
o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem
foi feito alma vivente.
Desta forma, o homem criado
por Deus, refere-se primeiramente ao “universal” e não ao indivíduo particular,
e dizer: o homem citado pelas Escrituras refere-se não a um único personagem,
mas à essência do homem, seu universal; a essência que o difere de todos os
outros animais; àquilo que é constitutivo de cada indivíduo e que independe de
sua forma.
Pelo mesmo princípio alegórico,
foi chamado Adão, que em hebraico significa “terra vermelha” porque, ainda que
surgisse sob a forma de uma simples bactéria, brotou do solo e evoluiu,
multiplicando-se e metamorfoseando-se por milhares ou milhões de anos e
gerações, até alcançar a forma humana como a conhecemos hoje, em nada conflitando
com a teoria evolucionista que afirma que o homem descende de um tipo de macaco
antropomorfo, o que seria, simplesmente, nesta ótica, uma mera etapa do
processo da criação.
Assim sendo, os universais,
considerados formalmente enquanto tais, como produtos da mente; não existindo
aí sem mais nem menos, mas sendo algo que a mente faz, com fundamento “in re”,
na realidade e tendo uma existência, não como coisa separada, mas como um
momento das coisas, podemos concluir que as teorias da evolução e da criação
não são coisas antagônicas, mas, como disse o Papa, duas faces de uma mesma
moeda.
Professor Orosco.
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