quinta-feira, 10 de setembro de 2015

SOBRE O GÊNESIS


Lendo a obra de Julían Marías sobre a História da Filosofia e detendo-me em estudar os grandes temas da Escolástica, particularmente sobre os “universais”, pude compreender as palavras do Papa Francisco quando este afirmou que não existem incompatibilidades substanciais entre as teorias da evolução e da criação.
Segundo Marías, o mundo antigo termina, se podemos assim considerar, com a morte de Santo Agostinho, no ano 430, iniciando-se então a Idade Média que vai durar até o século XV, cujo limite é dado com frequência pelo ano de 1453, data em que o Império Bizantino cai em poder dos turcos.
Neste período, mais especificamente a partir do século XI, aparecem, como consequência do renascimento carolíngio (renascimento da literatura e das artes que teria ocorrido principalmente no reinado de Carlos Magno), as escolas e, nelas, um certo saber cultivado que virá a se chamar Escolástica, onde os textos lidos e comentados (leciones) são geralmente os da própria Escritura ou as obras dos Padres da Igreja.
Durante este período, os três grandes problemas sobre os quais a filosofia da Idade Média se deparou foram o da criação, o dos universais e o da razão, onde:
Na criação, o cristão partindo de uma posição distinta da grega, entendia o mundo como “ex nihilo nihil fit” (do nada nada se faz), deduzindo que “do nada nada pode ser feito sem a intervenção de Deus” e onde, segundo São Tomás de Aquino, a criação podia ser demonstrada, embora não a sua temporalidade, sendo conhecida tão somente pela revelação.
Os universais, que deveriam ser compreendidos como os gêneros e as espécies (como conceitos com que pensamos os objetos) que se opõem aos indivíduos (os objetos que se apresentam aos nossos sentidos).
E a razão, para falar com propriedade, que a verdade está no intelecto, que compõe e que divide, não nos sentidos e tampouco no intelecto que conhece a essência, uma relação de conformidade da inteligência à coisa.
Assim sendo, se interpretarmos corretamente a alegoria bíblica sobre a criação do homem, podemos perceber que ela é coerente e se mostra verdadeira.
Vejamos:
No Gênesis pode-se ler:
1.26 – E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem; conforme a nossa semelhança, e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
2.7 – E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.
Desta forma, o homem criado por Deus, refere-se primeiramente ao “universal” e não ao indivíduo particular, e dizer: o homem citado pelas Escrituras refere-se não a um único personagem, mas à essência do homem, seu universal; a essência que o difere de todos os outros animais; àquilo que é constitutivo de cada indivíduo e que independe de sua forma.
Pelo mesmo princípio alegórico, foi chamado Adão, que em hebraico significa “terra vermelha” porque, ainda que surgisse sob a forma de uma simples bactéria, brotou do solo e evoluiu, multiplicando-se e metamorfoseando-se por milhares ou milhões de anos e gerações, até alcançar a forma humana como a conhecemos hoje, em nada conflitando com a teoria evolucionista que afirma que o homem descende de um tipo de macaco antropomorfo, o que seria, simplesmente, nesta ótica, uma mera etapa do processo da criação.
Assim sendo, os universais, considerados formalmente enquanto tais, como produtos da mente; não existindo aí sem mais nem menos, mas sendo algo que a mente faz, com fundamento “in re”, na realidade e tendo uma existência, não como coisa separada, mas como um momento das coisas, podemos concluir que as teorias da evolução e da criação não são coisas antagônicas, mas, como disse o Papa, duas faces de uma mesma moeda.

Professor Orosco.

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