Segundo o Site Oficial da Frota
Estelar, “É proibido a todas as naves e
membros da Frota Estelar interferir com o desenvolvimento normal de uma cultura
ou sociedade. Essa diretiva é mais importante do que a proteção das naves ou
membros da Frota Estelar. Perdas são toleradas, caso sejam necessárias para a
observação dessa diretiva.”
Esta é Premissa principal da
Frota Estelar, na qual todo e qualquer oficial da Frota está proibido de
descumprir, mesmo ao custo de sua nave ou mesmo de suas vidas. O descumprimento
dessa norma só é admitido para corrigir uma violação maior dessa diretriz.
Se fizermos uma breve
retrospectiva acerca do surgimento da Frota Estelar (2161), veremos que o
Capitão Archer, no comando da NX-01 Enterprise (2151), que validou o motor de
dobra 5 e com isso permitiu o início da exploração espacial pelos terráqueos,
já alertava para a necessidade de um conjunto de normas que assegurassem a
todos que os humanos não iriam “brincar de deuses” quando se deparassem com
civilizações tecnicamente mais atrasadas (Capítulo 13 da 1ª Temporada – Caro
Doutor), como era o medo manifesto dos vulcanos,
que se valiam disso para atrasar o início das jornadas estelares pelos humanos,
como ocorreu após o incidente da perda de um comunicador (Capítulo 8 – 2ª
temporada – O Comunicador)
Se lembrarmos, os vulcanos só estabeleceram o contato com
os terráqueos (Primeiro Contato), quando Zefram
Cochrane demonstrou que nós havíamos alcançado a capacidade de dobra e
que já havíamos dominado a tecnologia necessária para iniciar a exploração
espacial. Lembremo-nos também que, depois do encontro com os Klingons (2218), que levou a quase um
século de hostilidades, a federação percebeu que precisava de regras claras
para o primeiro contato com outras espécies e que a pura admissão da tecnologia
de dobra era insuficiente para tal.
Em linhas gerais, a Primeira
Diretriz afirma que, “Considerando que o
direito de cada espécie consciente de viver de acordo com a sua evolução cultural
normal é sagrado, nenhum membro da Frota Estelar pode interferir com o
desenvolvimento normal e saudável da vida e da cultura de uma espécie
alienígena. Essa interferência inclui a introdução de conhecimentos, força ou
tecnologia superiores num mundo cuja sociedade é ainda incapaz de lidar com
essas vantagens sabiamente. Os membros da Frota Estelar não podem violar esta
Primeira Diretriz, mesmo para salvar as suas vidas e/ou a sua nave, a não ser
que eles estejam a corrigir uma anterior violação ou contaminação desta
diretriz. Esta diretriz tem precedência sobre todas as outras considerações, e carrega
consigo a maior obrigação moral”.
Nesta mesma linha, conforme a 4ª
Diretriz, também é proibido aos membros da Frota Estelar, ao realizar um
contato com uma espécie alienígena, informar sobre a existência de outras
espécies ou mundos conhecidos, assim como, a 10ª Diretriz estabelece que
qualquer oficial da Frota que, por prova testemunhal ou prova verificável,
tenha descumprido a Primeira Diretriz, o mesmo deverá ser afastado de suas
funções e colocado na prisão. O mesmo se dá com qualquer representante da
Federação Unida dos Planetas (23ª Diretriz). O próprio auxílio médico (16ª
Diretriz) fica condicionado à observação da Primeira Diretriz. A exceção da aplicação
de medidas disciplinares se dará apenas aos tripulantes que o façam sob ordens
de seus oficiais superiores, os quais assumirão a responsabilidade total por
seus comandados (26ª Diretriz) e, finalmente, de acordo com a 31ª Diretriz, “As condições e especificações da Primeira
Diretriz devem ser aplicadas a todas as formas de vida consciente descobertas,
quer sejam de origem natural ou artificial”.
Sob a ótica da história
terrestre, temos aqui mesmo, incontáveis exemplos de civilizações que desapareceram,
foram assimiladas ou foram completamente destruídas, quando tiveram contato com
uma civilização tecnologicamente mais avançada, principalmente em termos
militares.
Tivemos, por exemplo, a
civilização Azteca, praticamente extinta no ano de 1521, quando o espanhol
Hernando Cortez, pensando nas riquezas que podia conseguir, exterminou o povo
de Montezuma, no México. Resquícios desta civilização sobreviveram até nossos
dias, graças a algumas tribos, como as de Teotihuacan que enterraram toda uma
cidade, inclusive suas pirâmides, nas cercanias da atual Cidade do México.
A destruição do Império Inca,
pelo conquistador Francisco Pizarro, no século XVI, preocupado apenas com o
ouro do Peru, da qual os resquícios ainda podem ser vistos em Machu Picchu, (Vale Sagrado). Na verdade, o Império Inca, rico em
conhecimentos agrícolas e astronômicos, cobria, além do Peru, regiões que hoje
constituem o Equador, uma parte da Bolívia e do Chile.
Na Ásia menor, os Babilônios, assimilados
pelos gregos que por sua vez foram assimilados pelos macedônios que se renderam
aos romanos, assim como os egípcios, etc.
Melhor sorte tiveram os chineses que,
graças à hostilidade demonstrada aos europeus pela dinastia Manchu, que havia
sucedido à dinastia Ming, por volta do ano de 1644, conseguiram estabelecer uma
linha de defesa de sua cultura e de seus valores, pelo menos até o final do
século XIX, quando os interesses coloniais ingleses, norte-americanos,
franceses, belgas e alemães, executaram uma série de conflitos armados que lhes
renderam a ocupação militar e a exploração da população local até praticamente
a metade do século XX, quando foram expulsos pela revolução comunista liderada
por Mao Tse Tung.
Os japoneses, também conseguiram se
manter protegidos até o final da Segunda Grande Guerra, permanecendo isolados
do mundo ocidental, quando a vitória estadunidense impôs ao povo derrotado,
novos valores culturais.
De qualquer forma, olhando para o
tema da Primeira Diretriz, sob a ótica da filosofia, recorro primeiramente ao romance "O Despertar dos Deuses" de Isaac Asimov onde ele explora simultaneamente a unidade potencial de todas as raças e a
possibilidade de conflito inerente a todas as situações de primeiro contato,
quando, mesmo se os membros de raças diferentes compreenderem uns aos outros,
suas percepções distintas podem colocar em perigo ambos os mundos e mesmo a
estrutura dos respectivos universos. Lendo Asimov, percebemos que esta lacuna
entre indivíduos e suas respectivas sociedades é a preocupação central da
Primeira Diretriz.
As
sociedades se organizam segundo várias formas de “contratos sociais”, onde são
estabelecidos os valores que devem reger seu desenvolvimento, como língua,
religião, respeito aos direitos humanos, individuais ou coletivos, direitos
políticos, etc. Cada sociedade estabelece seus padrões e, para coexistir
pacificamente umas com as outras, estabelece regras de respeito mútuo. Antigamente,
tudo era resolvido pela guerra, hoje, pelo comércio. A guerra era anterior
ao comércio, e ambas alternativas são nada mais do que meios diferentes para
atingir o mesmo fim: o de se possuir o que se deseja; a guerra como fruto do
impulso e o comércio como fruto do cálculo.
No campo dos valores morais,
apenas para exemplificar a dificuldade entre culturas, ainda que da mesma espécie,
no caso a nossa, a espécie humana, recorro ao famoso embate entre o ativista
político Benjamin Constant (1767/1830) e Immanuel Kant (1724/1804) sobre o
estabelecimento de princípios, particularmente sobre a “obrigação de dizer a
verdade”.
Kant afirmava que, para que uma
sociedade se estabeleça, a relação entre os homens deve partir de princípios
previamente estabelecidos que, aceitos por todos, se tornam o alicerce da
construção social. Dentre estes princípios, o de dizer a verdade, sempre, de forma
incondicional e em qualquer circunstância, é a única garantia que se pode
oferecer para o estabelecimento de coesão social, pois se houver dúvida quando
à palavra dita ou empenhada, a confiança inexiste e o contrato entre as partes
não se estabelece.
Kant era radical nesta afirmação,
valendo-se do exemplo de que mesmo se um assassino lhe perguntasse sobre o
paradeiro de sua próxima vítima, escondida em sua casa, você moralmente estaria
obrigado a dizer-lhe a verdade, cabendo a culpa do assassinato única e
exclusivamente ao criminoso pelo ato praticado.
Constant, por sua vez, mesmo
reconhecendo a necessidade da obediência aos princípios, estabeleceu princípios
de segunda ordem, intermediários, que facilitariam a aplicação dos primeiros.
Desta sorte, para que uma pessoa fosse merecedora de ouvir a verdade, ela
precisaria, antes, oferecer provas de suas intenções, ou seja, ela precisaria
demonstrar que em seus atos não estavam embutidas ações que poderiam causar
danos a outros. Para ele, não causar propositalmente danos a outras pessoas é
um outro princípio para o estabelecimento de um contrato social, tão importante
quanto dizer a verdade.
Kant considerava essa
possibilidade absurda, pois remetia a um subjetivismo, o de que cada um poderia
decidir sobre se o outro estaria ou não sendo verdadeiro em suas propostas, o
que deixaria uma dúvida considerável sobre a minha decisão de “dizer ou não a
verdade”, o que faria toda a construção do tecido social ruir.
Em outro exemplo, poderíamos
dizer que em praticamente todas as religiões, os textos sagrados remetem ao
princípio de não matar, e como sabemos, é em nome da religião que os homens se
matam a milênios.
Isto, apenas entre elementos da
mesma espécie, que diremos em relação a outras.
Até hoje, embora o movimento em
defesa dos animais esteja ganhando adeptos na maioria do mundo civilizado, a
matança de animais para a alimentação humana, ou mesmo para a confecção de
roupas e adereços, continua difundida e aceita por todo o planeta. Mesmo
aqueles animais que já ganharam o status de pessoas, de pessoas não humanas,
como os golfinhos e algumas espécies de primatas, continuam sendo assassinados nos
nossos dias, inclusive com requintes de crueldade, como no caso dos bezerros,
das galinhas poedeiras, dos porcos em confinamento, etc., com a indiferença de
cada um de nós que consome estes produtos. Aceitamos que os matem e nem nos
importamos com isso. Pior, dizemos que é assim porque sempre foi assim e,
então, tudo bem, afinal, não fomos nós que os matamos (só pagamos para alguém
fazê-lo em nosso nome).
Sem a Primeira diretriz,
entendida em sua forma de verdade apodítica, que não pode ser questionada ou
descumprida, o que nos impediria de tratar uma espécie alienígena da mesma
forma, como gado a caminho do matadouro, como escravos para trabalhar até o
limite de suas forças, sempre com a justificativa de que estaríamos alimentando
humanos ou enriquecendo humanos.
Vale o revés, e como a filosofia
trata de levantar perguntas mais do que respostas, como nos sentiríamos se, como
ainda somos uma raça ignorante que ainda não alcançou, de fato, a tecnologia da
dobra espacial, fossemos tratados assim por uma raça alienígena mais
desenvolvida.
Tipo Independence Day.
Neste critério, já terminando,
filosoficamente falando e apesar de todas as implicações decorrentes de nossos
atos, rendo-me a Kant e à primeira diretriz, da maneira exata como está
formulada pela Federação dos Planetas Unidos, como regra de conduta para toda a
Frota Estelar. No entanto, reconheço que o “fator humano”, decisivo nestes casos, dependerá
sempre daquele que ocupa a cadeira do Capitão.
Vida próspera e longa a todos
vocês.
Professor Orosco.
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