UMA
ANÁLISE CRÍTICA DE SUA PROPOSTA LIBERAL
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar,
a partir de trabalho monográfico de cunho ensaísta, a obra e o pensamento de Benjamin
Constant, para a qual nos valemos de um método de pesquisa bibliográfica de
caráter fenomenológico/dialético, evidenciando sua preocupação com as questões
políticas de sua época, particularmente as decorrentes do processo de
transformação social provocada pela Revolução Francesa e seus reflexos sobre a
liberdade dos homens frente a um governo que se dizia representativo das
camadas mais humildes da população. Apresentar as dicotomias de seu pensamento
liberal frente a um mundo que insistia, e que teima, ainda hoje, em manter
eretas as colunas de sustentação do “Antigo
Regime”, perpetuando privilégios nobiliárquicos a homens que detém de forma
culturalmente hegemônica, o poder político, o poder econômico e o poder religioso,
todos amparados por um aparato legal (sistema judiciário), que minimiza e quase
que anula totalmente, aquelas propaladas conquistas.
Palavras Chave: Governo, Leis, Liberdade Individual e
Liberdade Política,
Abstract: The present work aims to present, from monographic essay work, the
work and the thought of Benjamin Constant, for which we use a bibliographic
research method of phenomenological / dialectical character, evidencing his
preoccupation with political issues especially those arising from the process
of social transformation brought about by the French Revolution and its
reflections on the freedom of men in the face of a government which was said to
represent the most humble sectors of the population. To present the dichotomies
of his liberal thinking in the face of a world that he insisted on, and which
still persists in keeping upright the pillars of support of the "Old
Regime", perpetuating nobiliarchic privileges to men who hold in a
culturally hegemonic way, The economic power and the religious power, all supported
by a legal apparatus (judicial system), that minimizes and almost totally
annuls, those proclaimed conquests.
Keywords: Government, Laws, Individual Freedom and Political
Freedom,
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem
por objetivo apresentar, a partir de trabalho monográfico de cunho ensaístico,
a obra e o pensamento de Benjamin Constant[1],
para a qual nos valemos de um método de pesquisa bibliográfica de caráter
fenomenológico / dialético, evidenciando sua preocupação com as questões
políticas de sua época, particularmente as decorrentes do processo de
transformação social provocada pela Revolução Francesa e seus reflexos sobre a
liberdade dos homens frente a um governo que se dizia representativo das
camadas mais humildes da população. Apresentar as dicotomias de seu pensamento
liberal frente a um mundo que insistia, e que teima ainda hoje, em manter
eretas as colunas de sustentação do “Antigo
Regime”, perpetuando privilégios nobiliárquicos a homens que, embora não
tendo mais os títulos, detém de forma culturalmente hegemônica, o poder
político, o poder econômico e o poder religioso, todos amparados por um aparato
legal (sistema judiciário), que minimiza e quase que anula totalmente, aquelas
propaladas conquistas.
Mostrar que, apesar da valorosa contribuição dada à
defesa da liberdade e dos direitos individuais do homem, Constant, em sua permanente
crítica a Rousseau e a Mably, inspiradores e precursores da Revolução Francesa,
comete os mesmos equívocos ao desconsiderar os movimentos provocados pelos
interesses “nada liberais” por parte daqueles que detinham o poder. Interesses
supranacionais do Capital, do poder religioso, das vaidades humanas e da má fé
exponencializados pelos diversos conglomerados que começavam a se formar já à
sua época.
Mostrar
que, embora reconhecendo a importante contribuição do pensamento republicano de
Maquiavel e do utilitarismo de Jeremy Bentham, na formação de seu pensamento
liberal, ele optou por desenvolver, em sua crítica ao sistema representativo,
uma ‘nova teoria’ de Monarquia
Constitucional, na qual o poder real deveria ser um poder neutro, protegendo e
restringindo os excessos dos outros poderes ativos (executivo, legislativo e
judiciário) propostos já à época de Montesquieu.
Mostrar
que sua intransigente defesa da propriedade, da mesma forma que a defesa da
liberdade incondicionada da imprensa, da liberdade religiosa e da liberdade
individual, esbarra na formação e constituição da figura do Estado, da figura do
“contrato de convivência” firmado entre os diversos grupos sociais,
constituindo-se, na prática, mais em um desejo utópico do que em uma realidade
concreta.
I –
SINOPSE HISTÓRICA
Henri
Benjamin Constant de Rebecque, mais conhecido como Benjamin Constant, nasceu em
Lausana, na Suíça, aos 25 de outubro de 1767, de família huguenote[2],
tendo sido educado na Universidade de Erlangen, Baviera e na Universidade de
Edimburgo, Escócia onde, seguramente, teve acesso ao pensamento de Thomas
Hobbes, do qual se percebe alguma influência sobre seus escritos,
particularmente das obras Os elementos da
lei natural e política (1640), De cive (1642) e o Leviatã (1651).
Ativista das políticas francesas, particularmente na
segunda metade da Revolução Francesa (1815/1830) chegou a ocupar um assento na
Assembleia Nacional Francesa destacando-se como um dos mais eloquentes oradores
e líder da oposição conhecida como os Independentes,
de tendência esquerda liberal.
Constant, através da
associação com Mme. De Staël[3],
tornou-se um defensor do Diretório[4].
Dentro desse grupo, ele não se identificou com os que queriam uma monarquia
restaurada, porém constitucional; em vez disso, ligou-se aos que trabalhavam
por uma república com cidadania baseada na posse da propriedade. Suas posições
liberais o indispuseram com Napoleão, de quem se tornou um inimigo implacável
até ser persuadido por ele a se tornar um conseiller
d’état, quando chegou a esboçar uma nova Constituição, conhecida com a
“Benjamine”, na qual se inspirou para elaborar esta obra. [...] Constant, da
mesma forma que Mme. De Staël, buscou explicar como a noção de Rousseau sobre a
vontade geral havia sido empregada por Robespierre e outros para transformar a
Revolução Francesa no Reino do Terror. Constant argumentou que foi a tentativa
de instituir a liberdade antiga num contexto moderno que levou a essa
perversão.
(CAPALDI[5],
apud CONSTANT, 2007, p 27)
Constant escreveu o discurso “Sobre a Liberdade dos Antigos Comparada com a dos Modernos”,
pronunciado no ano de 1819 no Athénée Royal de Paris, uma obra em que
contrapunha a liberdade dos indivíduos em relação ao Estado. Nela, ele colocava
que a liberdade dos antigos era participatória, republicana, que dava aos
cidadãos o direito de influenciar diretamente as políticas por meio de debates
e votos em assembleia pública, embora, a seu ver, fosse limitada a sociedades
relativamente pequenas e homogêneas. Já, a liberdade dos modernos, em
contraste, era baseada na possessão de liberdades civis, na regência da Lei e
na proteção contra um excesso de interferência estatal. Diferenciava-se,
também, da antiga, pela limitação da participação direta da população nas
políticas, alijada das decisões e do envolvimento político diário, em função do
tamanho dos estados, substituindo-a pela eleição de representantes que
deliberariam em nome do povo, no Parlamento, as leis que norteariam o
desenvolvimento da sociedade.
Senhores, proponho-me
submeter a vosso julgamento algumas distinções, ainda bastante novas, entre
duas formas de liberdade, cujas diferenças até hoje não foram percebidas ou
que, pelo menos, foram muito pouco observadas. Uma é a liberdade cujo exercício
era tão caro aos povos antigos; a outra, aquela cujo uso é praticamente útil
para as nações modernas. [...] levados por nossa feliz revolução (eu a chamo
feliz apesar de seus excessos, porque atento para seus resultados) a desfrutar
os benefícios de um governo representativo, é interessante e útil saber por que
este governo, o único sob o qual podemos hoje encontrar alguma liberdade e
tranquilidade, foi inteiramente desconhecido para as nações livres da
antiguidade. (CONSTANT, 1819)[6]
Acreditando que no mundo moderno o comércio era superior
à guerra, esta última anterior ao comércio, ambas nada mais do que meios
diferentes para atingir o mesmo fim: o de se possuir o que se deseja; a guerra
como fruto do impulso e o comércio como fruto do cálculo, Constant criticava o
apetite marcial de Napoleão, alegando que durante a Revolução, a França tentou
replicar a Liberdade dos Antigos, o que provocou uma regressão à nação,
resultando na ditadura pessoal do novo Imperador.
Valendo-se
do exemplo inglês, ele demonstrou a praticidade da Liberdade Moderna, onde,
para ele, a Monarquia Constitucional era melhor adaptada do que o republicanismo
e seus esforços. Constant teve importante participação na decretação do “Acte
Addional” de 1815, uma ação que transformou o restaurado império de Napoleão em
uma Monarquia Constitucional e, mesmo após a derrota de Napoleão, do qual se
aproximara após o referido Ato, quando foi obrigado a refugiar-se por um breve
período na Inglaterra, ao retornar à França, seu pensamento podia ser visto na “Charte Française” de 1830, a nova
constituição, que previa uma monarquia hereditária existindo conjuntamente com
uma Câmara dos Deputados eleita e um Senado Vitalício, com poder executivo nas
mãos de ministros responsáveis.
Benjamin
Constant morreu em Paris, no ano de 1830, pouco tempo depois de ter sido
nomeado presidente do Conselho de Estado francês.
2
– ESTABELECENDO OS LIMÍTES DE NOSSO DIÁLOGO
Como a obra de Benjamin
Constant pode ser considerada extensa e abrangente, abarcando desde uma análise
histórica sobre o sentimento religioso, “De
la religion considérée dans as source, ses formes et ses développements” (1814-1821),
publicada postumamente, junto com seus diários (1952), a uma obra de alta
expressão literária, onde o escritor é, também, o personagem principal, “Adolphe” (1816), resultando em um retrato psicológico de cunho
autobiográfico, vamos limitar este nosso trabalho ao estudo dos textos voltados
aos temas políticos, relacionados com as formas de governo, à governança
propriamente dita, às liberdades individuais e políticas, liberdades de
imprensa e liberdade religiosa. Desta forma, vamos nos ater, particularmente,
ao ensaio “Das reações políticas”, publicado
no fascículo VI n.1 da revista A França no ano de 1797 onde Constant trava uma
discussão acadêmica com Kant (Capítulo VIII) acerca da moral e a respectiva
resposta deste no ensaio “Sobre um pretenso
direito de mentir por amor aos homens”, publicado no número 6 de setembro
de 1797 da revista Berlinische Blätter e seu livro “Princípios de política aplicáveis a todos os governos”, publicado no
ano de 1810 que, embora não seja o mais conhecido, é sem dúvida alguma, aquele
que representa melhor o conjunto de sua obra e, particularmente, seu pensamento
sobre os temas que destacamos como relevantes neste nosso trabalho, motivo pelo
qual lhe dirigiremos nossa maior atenção.
De qualquer forma, torna-se necessário esclarecer
previamente que, na ânsia de corroborar seus argumentos, Benjamin Constant foi
particularmente descuidado com a referência a títulos de obras (e com títulos
de capítulos dentro de obras), assim como incorreu em erros e referências inexatas,
além de deslizes mecânicos na escrita, como foi registrado pelo Dr. Etienne
Hofmann[7]
(1980) em sua tese de doutorado sobre ele.
Consideramos igualmente importante registrar que nos “Princípios...”, Constant se vale da
estratégia de publicar Adendos,
alguns mais longos que qualquer dos dezoito ‘Livros’ que compõem o texto principal da obra, preparados por ele
com a intenção de expandir seus argumentos, onde ele, também, se mostra
desatento com suas próprias sequências de palavras e autocitações.
3
– DAS REAÇÕES POLÍTICAS
Constant inicia este trabalho dissertando sobre as
origens e consequências das revoluções que, segundo ele, se tornam inevitáveis
quando as instituições não conseguem mais cumprir a missão para a qual foram
idealizadas. Neste mesmo capítulo, ele critica o processo revolucionário, numa
clara alusão à Revolução Francesa, que não estabeleceu suas metas clara e
antecipadamente, fazendo com que os resultados auferidos jamais contemplassem
os revoltosos. Segundo ele, quanto mais as revoluções ultrapassarem estas
metas, mais precisarão retroagir. Alerta ainda para o fato de que as
revoluções, para serem bem-sucedidas, precisam ater-se à missão de readequar as
instituições existentes, eliminando algumas ou criando novas, de tal sorte que elas
voltem a representar as ideias aceitas pela maioria do povo. Da mesma forma,
atenta para o fato de que ‘as reações
revolucionárias contra homens, perpetuam as revoluções, pois elas perpetuam a
opressão que é o seu germe’ assim como as reações contra as ideias tornam
as revoluções infrutíferas, já que lembram os abusos (CONSTANT, 1797).
Não é, pois, o bastante
ter conquistado a liberdade, ter feito triunfar as luzes, ter comprado, por
meio de grandes sacrifícios, esses dois bens inestimáveis, ter posto, por meio
de grandes esforços, um fim a esses sacrifícios; é preciso ainda impedir que o
movimento retrógrado, que sucede inevitavelmente a uma impulsão excessiva, não
se prolongue além de seus limites necessários, não prepare o restabelecimento
de todos os preconceitos, não deixe enfim, como vestígio da mudança que se quis
operar, mais do que restos, lágrimas, opróbrio e sangue. (Ibidem)
Ao descrever os
acontecimentos registrados pela história da Revolução Francesa, que teve não
uma, mas muitas causas, dentre as quais se destacam a fome generalizada da
grande maioria da população francesa, a completa alienação da classe governante
(aristocracia) e a proliferação dos ideais iluministas, Constant, no nosso
entender sintetizou e aceitou de forma relativamente simplista os
desdobramentos deste movimento, principalmente quando admitiu a ideia geral de
uma luta contra os privilégios, sem considerar a subjetividade deste argumento.
Igualmente desconsiderou que o Reino de
Terror estabelecido pelos jacobinos[8],
a pequena burguesia ou baixa classe média, como em todas as revoluções
subsequentes, principalmente as do século XX, tendia a promover um expurgo de
qualquer pensamento dissidente do governo ou governante provisoriamente
estabelecido no poder, como ocorreu com Danton[9],
por exemplo. Não considerou que, diante de tantas causas prováveis para que se
desencadeasse uma revolução; diante de tantos interesses colocados; a unidade
idealizada para o período pós revolução se transforma em algo muito distante,
que somente será alcançada diante de novas pequenas revoluções e contra
revoluções, quando, finalmente, se vai estabelecer um novo “contrato social”
que contemple não a maioria, mas aos interesses dos grupos que conseguiram
estabelecer melhores posições neste intrincado jogo de poder. A reação
Termidoriana, o Diretório e o Consulado que trouxe Napoleão ao centro do
governo, são exemplos históricos desta argumentação, evidenciando que o
resultado das revoluções não pode ser previsto sem considerar todos os
interesses envolvidos no processo, ou seja, para assegurar o sucesso de uma
revolução, as metas propostas precisam ser, necessariamente modestas e de curto
prazo, quando então, as instituições sobreviventes precisarão cuidar de
estabelecer e consolidar as novas diretrizes do governo instalado. O paradoxo
desta posição é que as metas modestas quase sempre têm baixo poder de sedução
ou de mobilização social das massas humanas e metas de curto prazo, alcançadas
ou não, geralmente deixam uma sensação de insuficiência. Assim, as metas
precisam ser associadas a propostas de forte apelo populista, de pouca
comprovação ou acompanhadas de medidas realmente eficazes para sua
implementação no médio e longo prazo. Na proposta francesa à época de Constant,
ou na América Latina do século XXI, ‘o
combate à fome, assegurando um mínimo de três refeições diárias a todas as
pessoas’, exemplifica bem este nosso ponto de vista.
De qualquer sorte, como Constant observa em seu segundo
capítulo, o governo estabelecido precisa evitar que os ideais da revolução se
voltem contra homens, valendo-se para isso da única arma aceita pela população,
a justiça. Precisa evitar que seus atos, como os ocorridos no Terror jacobino, que buscavam vingança,
sejam norteados para outros fins, que não os da restauração das instituições,
sob risco de ser declarado fraco, omisso ou conivente com os abusos, o que o
tornaria odiado por todos.
O governo reuniu assim
contra ele todos os ódios: o do culpado que ele abandona a um castigo
ilegítimo, o do inocente que ele torna culpado. Perde o mérito da severidade
sem evitar ser odiado. Quando a justiça é substituída por um movimento popular,
os mais exagerados, os menos escrupulosos, os mais ferozes, colocam-se à testa
desse movimento. [...] impassível, mas forte, o governo deve fazer tudo por sua
própria força... e castigar igualmente o homem que quer exceder a vingança da
lei e aquele que a mereceu. Mas para isso é preciso que ele renuncie às
adulações embriagadoras. (Ibidem)
Como já citamos anteriormente, Constant demonstra uma
certa prudência conservadora ao reafirmar a necessidade de preservar as
instituições que representem as ideias, ou seja, para ele, como as revoluções
que pretendem suprimir ideias se mostram infrutíferas, as que atentam contra as
instituições também o são, exigindo dos governos grande dose de cautela e reservas
no trato deste assunto.
Se, nas reações contra os
homens, o governo tem sobretudo necessidade de firmeza, nas reações contra as
ideias, tem necessidade sobretudo de reserva. Naquelas, precisa agir, nestas,
manter. As reações contra as ideias incidem sobre as instituições ou sobre as
opiniões. Ora, as instituições não demandam senão tempo, as opiniões liberdade.
Entre os indivíduos e os indivíduos, o governo deve colocar uma força repressiva;
entre os indivíduos e as instituições, uma força conservadora; entre os
indivíduos e as opiniões, não deve colocar nenhuma. (Ibidem)
Na defesa das ideias e das instituições, Constant
conclama os escritores, e poderíamos aqui compreender a academia, a classe
artística e todas as pessoas formadoras do pensamento crítico, à tarefa
intransigente de defender o livre direito à opinião, denunciando aqueles que se
deixam levar pelas paixões, sucumbindo aos apelos populistas e permitindo que a
censura norteie a sociedade.
Cabe aos homens que
dirigem a opinião pelas luzes, opor-se às reações contra as ideias. Elas
pertencem somente ao domínio do pensamento e a lei não deve jamais invadi-lo
[...] infelizmente as circunstâncias afastam hoje das ideais republicanas
vários homens que pareciam destinados a esclarecer sua pátria [...] quando um governo começa, não são apenas
os governantes que não sabem comandar, são também os governados que não sabem
mais obedecer [...] é preciso, pois, que todos os homens, cuja influência pode
trazer de volta o hábito da subordinação, aliem-se ao governo. Se, todavia, se
colocam contra ele, se secundam, com seus meios de opinião, a disposição à
resistência que o povo contraiu, jamais a ordem poderá renascer. [...] quando
os escritores se permitem insinuações amargas, declamações exageradas, lamentos
inúteis, não agem somente contra o governo particular do qual não gostam, mas
contra a ideia geral da ordem. Colocam um obstáculo a mais para seu
restabelecimento; mantêm o povo no hábito do descontentamento e fazem o governo
sentir a necessidade do arbitrário. (Ibidem)
Com este alerta, Constant chama a atenção para o fato de
que os escritores (e outros) como representantes do saber, são formadores de
opinião e, portanto, importantes instrumentos para o êxito das revoluções. Pelo
mesmo motivo, avisa a todos os que se deixam seduzir pelas propostas
demagógicas ou populistas que, após instalado um novo governo, se as liberdades
fundamentais não tiverem sido previamente asseguradas, serão eles os primeiros
a serem silenciados. Vide-se Condorcet[10]
ou os que foram condenados aos Gulags[11]
no século XX, somente para exemplificar.
Ao servir-se contra uma
república nascente de todo o poder da opinião, os escritores forçam aqueles a
quem os destinos dessa república estão confiados, a fazer no interesse da
liberdade, precisamente o contrário do que distingue os governos livres, a se
isolar dos homens esclarecidos e a enfrentar a opinião pela força. Se esse
hábito se consolidasse, de duas contrarrevoluções morais não poderia deixar de
acontecer uma: ou os escritores triunfariam sobre o governo, e então as luzes
pervertidas trariam de volta todas as ideias que elas mesmas tinham destruído;
ou o governo triunfaria sobre os escritores, e então o governo, rejeitando
essas ideias, rejeitaria ao mesmo tempo as luzes. (Ibidem)
Finalmente, para encerrar este tópico, Benjamin Constant
reconhece que, embora a liberdade de imprensa seja uma das colunas de sustentação
que impede os excessos dos governos, como boa parte dos escritores que
sobrevivem de seus comentários precisam produzi-los diariamente, muitos deles
acabam sacrificando a qualidade dos tópicos abordados em função da quantidade
de artigos escritos. Ou seja, em muitas situações, assuntos de menor interesse
público (factoides) ganham proporções de crise institucional, assim como,
segundo os interesses daqueles que comandam as impressoras, assuntos de real
importância da população crítica, são relegados a notas de rodapé.
Atrás desses escritores,
cujas intenções são puras, dominadas por lembranças amargas, ou por escrúpulos
excessivos, avança, ..., um partido montanhês por sua natureza, mas montanhês
pela realeza. [...] não quero aqui condenar a existência dos jornais em geral.
A necessidade de escrever todos os dias me parece, é verdade, obstáculo
perigoso ao talento.... A necessidade de impressionar por meio de reflexões
fortes leva ao exagero, a de divertir por meio de anedotas conduz à calúnia.
[...] normalmente um jornal é mais maléfico que seu autor e normalmente ainda
um autor torna-se mais maléfico por seu jornal. [...] os mesmos homens que
agora invocam a liberdade ilimitada da imprensa, levantaram-se furiosos contra
essa liberdade, quando não tinham necessidade que ela existisse, ou, melhor dizendo,
quando tinham necessidade que ela não existisse. [...] ouço proferir aqui a
acusação de maquiavelismo. Vós quereis, dir-se-á, fazer tudo por causa das
circunstâncias, depois de ter por tanto tempo pretendido não as levar em conta.
Vós abandonais vossos princípios a partir do momento em que não servem mais a
vossas opiniões. Vós caluniais vossos adversários quando raciocinam a partir
das próprias bases que vós os forçastes a admitir. (Ibidem)
3.1
– DA CRÍTICA DE CONSTANT NO EMBATE COM KANT
No capítulo VIII das Reações Políticas, Constant inicia um
processo de discussão sobre princípios, que ele entende como sendo o ‘resultado
geral de um certo número de fatos particulares’, passíveis de modificações
quando o conjunto destes fatos sofre mudanças. Neste contexto, embora
reconhecendo que existem princípios universais, ´porque há dados primeiros, que
existem igualmente em todas as combinações’, ele chama a atenção para o fato de
que para esses princípios fundamentais, na vida prática, quase sempre é necessária
a adição de outros, secundários, que ele chama de intermediários, tão
invariáveis quanto os primeiros, segundo cada combinação particular,
responsáveis pelo ordenamento harmônico das coisas.
Cada circunstância chama
somente o princípio que lhe é próprio, pois a essência de um princípio não é
ser geral, nem aplicável a muitos casos, mas de ser fixo; e essa qualidade
compõe tão bem sua essência que é nela que reside toda sua utilidade. Os
princípios não são pois vãs teorias, unicamente destinadas a ser debatidas nos
redutos obscuros das escolas. São verdades que se têm, e que penetram
gradualmente até nas aplicações mais circunstanciais e até nos mais pequenos
detalhes da vida social, se soubermos seguir seu encadeamento. Quando se joga
subitamente, em meio de uma associação de homens, um princípio primeiro,
separado de todos os princípios intermediários que o fazem descer até nós, ...,
produz-se sem dúvida uma grande desordem. (Ibidem)
Ao fazê-lo, ele chama a
atenção para o detalhe de que, como nas relações políticas pactuadas entre
seres humanos, via de regra, imperam interesses particulares, os princípios
universais, norteadores do ‘contrato de
convivência social’, ficam sempre condicionados à aplicação dos princípios
intermediários, muitos dos quais são estabelecidos por fatores históricos de
cada população estudada, por fatores geográficos, influências religiosas e por
preconceitos que fundamentam boa parte dos costumes e das instituições
estabelecidas. Preconceitos que, como ele afirma, muitas vezes conflitando com
os princípios gerais, assumem uma posição preservadora dos interesses
individuais, como os exemplos dos quais ele se vale para justificar este seu
ponto de vista, ao classificar a doutrina da hereditariedade como um
preconceito abstrato e a igualdade que muda a maneira de ser dos indivíduos.
É um princípio universal,
igualmente verdadeiro em todos os tempos, e em todas as circunstâncias, que
nenhum homem pode estar submetido senão às leis às quais concorreu. Em uma
sociedade muito fechada, esse princípio pode ser aplicado de uma maneira
imediata, e não tem a necessidade para tornar-se usual, de princípio
intermediário. Mas em uma combinação diferente, em uma sociedade muito
numerosa, é preciso juntar um novo princípio, um princípio intermediário àquele
que acabamos de citar. Esse princípio intermediário, é que os indivíduos podem
concorrer para a formação das leis, seja por eles mesmos, seja por seus
representantes. Quem quisesse aplicar a uma sociedade numerosa o primeiro
princípio, sem empregar o intermediário, a perturbaria infalivelmente: mas essa
perturbação, que atestaria a ignorância ou a inépcia do legislador, não
provaria nada contra o princípio. (Ibidem)
Da mesma sorte, estabelecendo um paralelo entre moral e
política, Constant afirma que, ‘sendo a necessidade da moral mais do dia-a-dia,
o espírito dos homens teve que a ela se consagrar mais’, o que a eleva a um
patamar superior aos interesses políticos ‘pessoais dos depositários ou
usurpadores do poder’, motivo pelo qual, os princípios morais são ainda mais
dependentes dos princípios intermediários que os outros. É neste ponto que ele
dirige sua crítica a um dos mais famosos argumentos de Kant.
Entretanto, está fora de
dúvida que os princípios abstratos da moral, se eles estivessem separados de
seus princípios intermediários, produziram tanta desordem nas relações sociais
dos homens quanto os princípios abstratos da política, separados de seus
princípios intermediários, devem produzir em suas relações civis. O princípio
moral, por exemplo, que dizer a verdade é um dever, se ele fosse tomado de uma
maneira absoluta e isolada, tornaria toda sociedade impossível. Temos a prova
disso nas consequências muito diretas que extraiu desse princípio um filósofo
alemão, que vai até o ponto de pretender que em relação aos assassinos que vos
perguntariam se vosso amigo que eles perseguem não está refugiado em vossa
casa, a mentira seria um crime. É somente pelos princípios intermediários que
esse princípio pôde ser recebido sem inconvenientes. (Ibidem)
Kant afirmava que, para que uma sociedade se estabeleça,
a relação entre os homens deve partir de princípios previamente estabelecidos
que, aceitos por todos, se tornam o alicerce da construção social. Dentre estes
princípios, o de dizer a verdade, sempre, de forma incondicional e em qualquer
circunstância, é a única garantia que se pode oferecer para o estabelecimento
de coesão social, pois se houver dúvida quando à palavra dita ou empenhada, a
confiança inexiste e o contrato entre as partes não se estabelece. Ele era radical nesta afirmação, e seu horror
à mentira, como derivado do imperativo categórico “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que
ela se torne lei universal” (KANT, 2013) colocando que ‘ao mentir, um indivíduo prejudica não somente àquele que ouve, mas a
ideia do direito, pois age de forma que a máxima de sua ação não pode ser
tomada como lei universal’ (Ibidem). Assim, valendo-se do exemplo de que mesmo se um assassino nos perguntasse
sobre o paradeiro de sua próxima vítima, escondida em nossa casa, nós,
moralmente, estaríamos obrigados a dizer-lhe a verdade, cabendo a culpa do
assassinato única e exclusivamente ao criminoso pelo ato que seria praticado.
Em sua
crítica, Benjamin Constant, mesmo reconhecendo a necessidade da obediência aos
princípios, ao estabelecer princípios de segunda ordem, intermediários, que
facilitariam a aplicação dos primeiros, defende a ideia de que para que uma
pessoa fosse merecedora de ouvir a verdade, ela precisaria, antes, oferecer
provas de que suas intenções seriam merecedoras de ouvir a verdade. E dizer, ela
precisaria demonstrar que em seus atos não estavam embutidas, por exemplo, ações
que poderiam causar danos a outros.
Todas as vezes que um
princípio, demonstrado verdadeiro, parece inaplicável, é por que ignoramos o
princípio intermediário que contém o meio de aplicação. Para descobrir esse
último princípio, é preciso definir o primeiro. Definindo-o, observando-o sob
todas as suas relações, percorrendo toda sua circunferência, encontraremos o
elo que o une a um outro princípio. Nesse elo está, normalmente, o meio de
aplicação. [...] Tomo por exemplo o princípio moral que acabo de citar, que
dizer a verdade é um dever. Esse princípio isolado é inaplicável. Ele destruiria
a sociedade. Mas, se vós o rejeitais, a sociedade não seria menos destruída,
pois todas as bases da moral seriam derrubadas. É preciso, pois, buscar o meio
de aplicação e por esse efeito, é necessário, como dissemos, definir o
princípio. Dizer a verdade é um dever. O que é um dever? A ideia de dever é
inseparável da dos direitos: um dever é o que, em um ser, corresponde aos
direitos de um outro. Lá onde não há direitos, não há deveres. Dizer a verdade
somente é, pois, um dever em relação àqueles que têm o direito à verdade. Ora,
nenhum homem que prejudica o outro tem direito à verdade. Eis, parece-me, o
princípio tornado aplicável. Observai que diferença há entre essa maneira de
proceder e aquela de rejeitar o princípio. Definindo o princípio, descobrindo
sua relação com um outro, e nessa relação o meio de aplicação, encontramos a
modificação precisa do princípio da verdade, que exclui todo arbitrário e toda
incerteza. É uma ideia nova, talvez, mas que me parece importante, que todo
princípio contém, seja nele mesmo, seja em relação com um outro princípio, seu
meio de aplicação. Um princípio reconhecido como verdadeiro, não deve pois
nunca ser abandonado, quaisquer que sejam seus perigos aparentes. Ele deve ser
descrito, definido, combinado com todos os princípios circunvizinhos, até que
se tenha encontrado o meio de remediar seus inconvenientes e aplica-lo como
deve ser.
(CONSTANT, 1797).
Em
outras palavras, poderíamos dizer que, para ele, não causar propositalmente
danos a outras pessoas seria um outro princípio para o estabelecimento de um
contrato social, tão importante quanto dizer a verdade e, que seria na síntese
dos dois princípios citados que encontramos resposta para esta questão: a de
dizer ou não a verdade.
3.1.1
– DA RESPOSTA DE KANT
Kant considerava
essa possibilidade aventada por Constant como absurda, pois ela remetia a um
subjetivismo: o de que cada um poderia decidir sobre se o outro estaria ou não
sendo merecedor de ouvir a verdade. Nesta ótica, para ele, ao provocar uma dúvida
razoável sobre a decisão de “dizer ou não a verdade”, ou sobre, na outra ponta,
“estar ouvindo ou não a verdade”, criaríamos uma situação que faria toda a
construção do tecido social ruir.
Primeiro, temos que notar
que a expressão “ter um direito à verdade”, é desprovida de sentido. Muito
mais, é preciso dizer “o homem tem um direito à sua própria veracidade, isto é,
à verdade subjetiva em sua pessoa. Pois ter objetivamente direito a uma verdade
seria tanto quanto dizer: depende de sua vontade, como em geral em relação ao
meu e ao teu, que uma dada proposição deva ser verdadeira ou falsa, o que
resultaria então em uma lógica singular. (KANT, 1797)
Assim, para Kant, o primeiro erro de Benjamin Constant
reside no fato dele atribuir ao indivíduo o suposto direito à verdade, pois a
verdade é uma questão lógica e objetiva e não psicológica e subjetiva,
pertencente a um determinado indivíduo.
A veracidade nas
declarações que não se pode evitar é dever formal do homem em relação a cada
um, por maior que possa ser o dano daí resultante para ele ou para um outro
[...] A mentira, portanto, ..., sempre prejudica outrem, mesmo que não a um
outro homem, pelo menos sim a humanidade em geral, na medida em que torna
inutilizável a fonte do direito. [...] Portanto, aquele que mente, por mais bem
intencionado que esteja ao mentir, tem de responder pelas consequência de sua
mentira, até mesmo perante o tribunal da justiça civil [...] É, portanto, um
mandamento sagrado da razão, que ordena incondicionalmente, não restringido por
nenhuma conveniência: ser verídico em todas as declarações. (Ibidem)
Kant termina sua
resposta, valendo-se das próprias palavras de Constant, ao concordar com sua
afirmação de que “Um princípio
reconhecido como verdadeiro (às quais acresce: reconhecido a priori, por conseguinte, apodítico), não deve pois nunca, ser abandonado,
qualquer que sejam seus perigos aparentes” e, no exemplo tomado, ele
conclui afirmando que “foi simplesmente o
acaso que a veracidade da declaração prejudicasse o morador da casa”.
3.1.2
– DA CRITICA ÀS DUAS PROPOSTAS
Segundo o estudo
etimológico, o termo princípio (arkhé em grego ou princípium em Latim) tem seu
emprego definido por dois sentidos: cosmológico quando é um corpo material [12]
ou metafísico, quando é uma realidade impessoal que pode assumir o nome de Mônada
(o Número de Pitágoras); de Uno (Parmênides, Plotino) ou de Essência (Platão),
ao qual Aristóteles, ainda na Grécia antiga, de maneira muito vaga também atribui,
o sentido do ponto de partida (em uma linha ou rota); ao melhor começo (arte
pedagógica); ao que é primeiro e imanente no devir; ao que é não imanente que
precede (como o pai e a mãe para o filho) e a vontade livre de um ser racional.
Já na etimologia latina, de forma
resumida, conforme o dicionário Aurélio,
o termo princípio (principium) pode ser compreendido como a causa primária; a
origem; um preceito ou regra, cujo plural pode ser compreendido, também, como
fundamentos, sendo neste sentido que compreendemos seu emprego tanto por
Constant quanto por Kant. Princípios como sendo os fundamentos sobre os quais
se estabelecem e desenvolvem as relações humanas, tanto no campo da política
quanto no campo da moral.
Neste contexto, Constant, lembrando Maquiavel, os define
como elementos em permanente processo de adequação aos fatos, que podem se
alterar segundo a realidade histórica que se apresenta e Kant como elementos
fixos, imutáveis, sobre os quais são pactuadas as regras de convivência,
pautados em um sistema lógico formal que não permite ambiguidades, o que em síntese,
no nosso entender, reproduz a disputa parmênidica/ heraclitiana sobre o mundo
real e o mundo ideal.
Assim, no nosso entender, o problema colocado nesta
disputa, ao qual nenhum dos dois se atentou, é o fato de que ambos olhavam a
mesma moeda, só que de lados opostos, e dizer, um falava de princípios morais e
outro de princípios éticos. Kant, falando sobre moral como sendo o conjunto dos
costumes e opiniões de um grupo social (normas de conduta consideradas
universalmente válidas) e Constant sobre uma ética constituída por princípios
morais pelos quais um indivíduo rege sua conduta pessoal. E dizer, dois termos
distintos (moral e ética) cuja sinonímia original sempre suscitou dúvidas
quando se propunham a exprimir diferentes aspectos da conduta humana, em suas
componentes social e individual. Um problema que pode ser melhor compreendido
se considerarmos a abordagem elaborada por
Lima Vaz (2012, p 12), quando este faz a distinção entre Ética e
Política, descrevendo a cisão entre indivíduo e sociedade ou entre vida no
espaço privado e vida no espaço público, e dizer, uma verdade como conformidade
entre ideia e objeto, entre o discurso e a realidade e a aquilo que se pensa ou
que se sente (acredita) ser. Analogamente, a mesma consideração feita por André
Alves em sua obra Fé & Angústia (2015)
quando
explora o conceito dogmático da Má Fé na filosofia existencialista de Jean Paul
Sartre. Uma distinção prática que mesmo reconhecendo o princípio moral de dizer
a verdade, o entende como contingente e que por isso mesmo solicita a inclusão
de cláusulas como salvaguardas nas relações políticas admitindo, também, em
outro exemplo, como norma de conduta aceitável do direito, desobrigar o
indivíduo a fornecer provas contra si.
3.2
– CAPÍTULO ACERCA DO ARBITRÁRIO
Finalizando este
trabalho sobre As Reações Políticas, Constant,
retomando a defesa dos princípios e das suas relações com seus circunvizinhos,
sem os quais nada seria fixo, implicando em uma eterna circunstancialidade que
exacerbaria as paixões, faz uma breve digressão sobre o arbitrário e como ele,
não podendo ser definido nem em sua natureza nem em suas consequências,
torna-se opressor e antecede ao terror. Iniciando
sua abordagem pela identificação de seus partidários, ou seja, daqueles para
quem existe uma distância que não se pode transpor entre a teoria e a prática e
aqueles que mesmo reconhecendo que axiomas metafisicamente verdadeiros podem
ser politicamente falsos, preferem-nos, como os preconceitos, lembranças,
fraquezas e todas as coisas vagas e indefiníveis, Constant coloca que o
arbitrário, em termos de ciência, seria a perda de toda ciência, uma vez que
ela não sendo mais do que o resultado de fatos precisos e fixos deixaria de
existir onde não há mais nada de fixo nem de preciso, o mesmo se dando, por
exemplo, com a geometria. Em termos de moral, o arbitrário seria a perda de
toda moral, pois esta sendo um conjunto dos costumes e opiniões de um grupo
social (regras e normas de conduta consideradas universalmente válidas) sobre
os quais os indivíduos devem poder contar em suas relações sociais, onde não
houvessem tais regras, não existiria moral. No entanto, diferentemente das
ciências e da geometria, a moral, tendo um ponto de interesse perpétuo com os
interesses de cada um, faz com que a resistência ao arbitrário ocorra até de
forma instintiva, o que não ocorre, na política.
Segundo Constant, na política, como existem muitos pontos
de contato com interesses pessoais, nem iguais nem perpétuos, não existe a
salvaguarda do desinteresse, como nas ciências ou da presença constante, como
na moral, o que a torna o campo fértil para o arbitrário, que vai minar as
bases contratuais que estabelecem os governos.
As naturezas políticas não
são nada mais que contratos. A natureza dos contratos é colocar limites fixos:
ora, o arbitrário, sendo precisamente o oposto do que constitui um contrato,
mina pela base toda instituição política. (Ibidem)
Assim, retomando a tese inicial da defesa das
instituições, ele coloca que as relações entre um povo e seu governo se dão
sempre em termos de reciprocidade, mediada pela lei, expressa numa constituição[13]
cujo desrespeito, à exemplo dos tempos que antecederam a Reação Termidoriana,
instá-la e promove o terror.
O caráter do maquiavelismo
é preferir o arbitrário a tudo. O arbitrário serve melhor a todos os abusos de
poder que nenhuma instituição fixa, quão defeituosa possa ser. Da mesma forma,
os amigos da liberdade devem preferir as leis defeituosas às leis que se
prestam ao arbitrário, porque é possível conservar a liberdade sob leis
defeituosas e o arbitrário torna a liberdade impossível. O arbitrário é, pois,
o grande inimigo de toda liberdade, o vício corruptor de toda instituição, o
germe de morte que não se pode nem modificar, nem mitigar, mas que é preciso
destruir. (Ibidem)
4
– DOS PRINCÍPIOS DE POLÍTICA APLICÁVEIS A TODOS OS GOVERNOS
Como se pode depreender
logo na introdução desta obra, prefaciada por Nicholas Capaldi, Constant se
mostra obcecado com os perigos da soberania popular, ressaltando que ‘onde não há limites para a legislatura ou
para o corpo representativo, esses representantes se tornam não os defensores
da liberdade, mas os agentes da tirania’ numa clara alusão aos abusos
cometidos pela Convenção[14]
durante a Revolução Francesa, ao mesmo tempo em que realiza uma defesa
intransigente dos direitos individuais e das liberdades de imprensa e
religiosa, assim como da mantença do direito à propriedade privada e a garantia
do devido processo legal a todos os homens que viessem a ser acusados de algum
crime.
Nesta linha de pensamento, inicia seu trabalho ( L 1 c 2 e 3)[15]
estabelecendo, de pronto, sua discordância de Rousseau, de seu “Contrato Social” e do escopo da
autoridade política, para quem ‘toda autoridade política que governa uma
nação tem que vir da vontade geral’ insinuando que esta vontade política
defendida por Rousseau não é idêntica à vontade da maioria dos cidadãos.
Constant entende essa vontade geral como uma vontade de um corpo político que
se assume arbitrariamente como intérprete da vontade do povo, na medida em que
considera a sociedade civil como sendo uma pessoa, detentora de atributos de
personalidade que inclui a vontade.
As cláusulas do contrato
social, diz ele, se fundem numa só, a saber, a rendição total de cada membro,
juntamente com seus direitos, a toda a comunidade. A implicação é que a vontade
geral tem que exercer autoridade ilimitada sobre a existência individual.
(CONSTANT,2007,p 47)
Igualmente, Constant critica Mably[16],
para quem ‘é um axioma aceitável em todas
as regiões do globo que o poder legislativo, por ele declarado e entendido como
vontade geral, não pode ser limitado por coisa alguma’ (Ibidem), defendendo que este axioma, visto como
um princípio de liberdade, é apenas um princípio de garantia constitucional que
evita que um único indivíduo assuma uma autoridade que pertence apenas à
sociedade política, sem determinar ou adicionar nada acerca da natureza de tal
autoridade ou das liberdades individuais, que podem ser perdidas, ‘a despeito do princípio da soberania do
povo, ou mesmo por causa dele’, defendendo que ‘cada indivíduo pode dirigir apenas a si mesmo no que concerne a seus
interesses’ (Ibidem).
Neste ponto, percebemos uma das maiores críticas de
Constant ao sistema de “democracia representativa” que, segundo ele, se
constitui em uma contradição pois, ao eleger-se um representante, o fazemos
pelo princípio da identidade coletiva, da semelhança[17],
acreditando que o eleito compartilha da nossa opinião ou crença acerca de
determinado assunto, o que não implica que ele tenha a mesma posição quando nos
referirmos a outros temas. E dizer, ele não pode nos representar em todos os
assuntos, já que seu voto espelha apenas e tão somente o seu próprio interesse.
A sociedade não pode por
si só exercer as prerrogativas a ela conferidas por seus integrantes; em
consequência, as delega, estabelecendo o que chamamos governo. A partir daí,
qualquer distinção entre as prerrogativas da sociedade e as do governo é uma
abstração, uma quimera. Pois, de um lado, se a sociedade tem autoridade
legítima maior do que a que delegou, a parte que não delegou seria, pelo fato
de não ser exercitável, efetivamente inválida. Um direito que não se pode
exercer, tampouco delegar, é um direito que não existe. (Ibidem L I, c 5)
Sob a édige destes argumentos, Constant conclui que o engano
de Rousseau foi não perceber que um governo representativo precisa ter seu
poder político limitado, para que não se torne perigoso ou arbitrário,
destruindo, em suas palavras, ‘o
princípio que acabara de proclamar’ (Ibidem, L I c 9).
Dois princípios de
Rousseau. O primeiro tem que ser aceito. Toda autoridade que não derivar da
vontade geral é, sem sombra de dúvida, ilegítima. O segundo precisa ser
rejeitado. A autoridade que deriva da vontade geral não é legítima apenas por
causa disso, qualquer que seja sua extensão e quaisquer que sejam os objetivos
pelos quais ela é exercida. O primeiro dos dois princípios é verdade salutar, o
segundo, um dos erros mais perigosos. O primeiro é base de toda liberdade, o
segundo, justificativa para todo despotismo.[...] A soberania só existe numa
forma limitada e relativa. (Ibidem L II c 1)
Ou seja, em sua argumentação Constant defende que os
poderes delegados aos representantes sejam previamente estabelecidos
(limitados), tanto para coibir seus abusos, quanto para assegurar a obediência
por parte dos representados.
Esse mesmo povo, como
primeiro Maquiavel e depois Montesquieu mostram, quase sempre faz boas escolhas
para detentores de cargos específicos. No entanto, os próprios argumentos
desses escritores demonstram que, para nos certificarmos de que a seleção feita
pelo povo é boa, os deveres que ele outorga têm que ser definitivamente
circunscritos a limites precisos. (Ibidem L III c 3)
Constant alerta ainda, (L III c 3 ), valendo-se do
pensamento de Condorcet no primeiro capítulo de seus Cinco Memórias sobre a
Instrução Pública (2008)[18],
para o fato de que, embora os representantes eleitos se mostrem costumeiramente
mais preparados que a massa para melhor compreender a amplitude dos problemas
nacionais, isto não significa que, na sociedade não existam homens melhor
preparados que eles para compreender problemas específicos[19],
e dizer, ele defende que, mesmo tendo sido eleitos como representantes do povo,
algumas de suas resoluções e ou projetos de lei precisam, necessariamente, ser referendados pelo conjunto da sociedade, como
forma de minimizar possíveis erros e reduzir eventuais custos de reparação.
Nesta mesma linha de raciocínio crítico, Constant denuncia
a excessiva proliferação de cláusulas contratuais (Leis) que venham a regular
as relações de convivência em sociedade, como forma de legitimar o exercício do
poder, considerando que tal excesso, ou acomoda as pessoas, que passam a
esperar que o ‘governo faça tudo por meio
de leis’ ou falsifica a moralidade individual, já que potencializa a
transgressão.
A maioria dos homens se
mantém afastada do crime pelo sentimento de jamais ter cruzado a linha da
transgressão. Quanto mais restritivamente tal linha for traçada, maior o risco
de os homens a ultrapassarem, por menor que seja a infração. Ao sobrepujarem
seus primeiros escrúpulos, eles perdem a salvaguarda mais confiável. ... Assim,
adquirem o hábito da desobediência. (Ibidem, L IV, c 2).
Assim, tendo em mente esta linha de raciocínio crítico
adotado por Constant acerca da necessidade de limitar o poder do Estado e dos
representantes eleitos para compô-lo, a fim de assegurar as liberdades individuais
dos cidadãos (tema central de seu pensamento), pretendemos mostrar que este
ideário, a partir do Diretório que ele defendia, passou a ser incentivado pela
nova classe dirigente, uma elite burguesa e conservadora que, apropriando-se de
seu discurso liberal, deturpou-o,
alijando a partição popular do processo revolucionário e, por
conseguinte, da discussão sobre os rumos da nação. E dizer, promovendo um
movimento contrarrevolucionário que visava evitar que a participação popular,
reproduzindo a eclésia[20]
grega, viesse a assumir um papel central nas decisões sobre os assuntos da
república (res-publica, coisa pública), transformando a maioria dos cidadãos em
verdadeiros idiotas[21].
4.1
– SOBRE AS LIBERDADES
Defensor intransigente dos direitos individuais, Constant
chega a dedicar três livros do “Princípios
...” ao assunto (LVII, c 1) onde acrescenta:
A liberdade política não
terá nenhum valor se os direitos dos indivíduos não forem resguardados de todas
as violações. Qualquer país em que tais direitos não forem respeitados estará
sujeito ao despotismo, seja qual for a organização nominal do governo. (Ibidem,
p 189 )
Inicia a defesa destes direitos, dissertando sobre a “Liberdade de Pensamento” e ironizando
as tentativas do governo absolutista de Luís XIV de França e das leis insanas
aprovadas pelo parlamento de Charles II da
Inglaterra de tentar controlar as opiniões íntimas, o que, em suas palavras,
era impossível, uma vez que ‘a natureza
dotou o pensamento humano de um impenetrável escudo’.
Valendo-se do pensamento de Montesquieu, para quem ‘a lei tem responsabilidade para punir
apenas as ações externadas’ (Montesquieu, 2002, p 206), Constant denuncia
que nem sempre os governos se atentam a isso, o que corroboramos, ao colocar, apenas para exemplificar, que os governos, através da
lei, de forma preventiva, podem determinar ações de repressão a ameaças
potenciais à vida, diante de pessoas portando armas, ainda que estas sejam
utilizadas exclusivamente para a sua
defesa.
Por outro lado, Constant admite que ‘a declaração de uma opinião pode, num caso especial, resultar num
efeito tão infalível que tal opinião pareça ser encarada como ação’ que, se
censurável, é passiva de punição, como a calúnia ou a injúria, por exemplo. Uma
ação que é potencializada pela escrita, o que nos remete ao estudo de outro
direito fundamental para ele: o da liberdade de imprensa.
No entanto, antes de abordarmos este novo tópico, entendemos
ser importante apresentar neste momento, argumentos que venham a corroborar
nossa afirmação inicial sobre a deturpação dada à sua proposta liberal, pelas
forças conservadoras presentes à época e que persistem até os nossos dias,
primeiramente recorrendo a Condorcet, já citado anteriormente, para quem a
educação formal, escolar, é fundamental para a construção de sujeitos
autônomos.
aquilo que é necessário a
qualquer indivíduo para se conduzir por si mesmo e gozar da plenitude dos seus
direitos. Esta instrução será suficiente mesmo aos que aproveitarão as lições
dadas aos homens para torna-los capazes de exercer as funções públicas mais
simples, às quais é bom que todo cidadão possa ser convocado, como aquela de
jurado, de guarda municipal (CONDORCET, 2010, p 25).
E dizer, a “Educação como prática da Liberdade” (FREIRE,
2010, p 32) como forma de assegurar o desenvolvimento do pensamento crítico,
dotado de um certo anti-dogmatismo e de um ceticismo metodológico que assegure
a autonomia do sujeito.
Ocorre, porém, como o próprio Condorcet admite, que a
educação formal naquele momento histórico e particular da França, só poderia
ser universalizada no ensino primário, pois “as escolas secundárias são destinadas a crianças cujas famílias possam
dispensá-las por mais tempo do trabalho e consagrar à sua educação maior número
de anos” (CONCORCET, 2010, p 27), uma condição agravada pela falta de
professores e por problemas demográficos. Uma desculpa que foi potencializada
pelas elites conservadoras da época, que perpassou os séculos e que continua
presente em nossos dias, como muito bem demonstrado por Pierre Bourdieu em seu
livro A Distinção (2013), onde ele
retrata o papel desempenhado pela escola como reprodutora das desigualdades
sociais, a partir do conceito de “Capital
Cultural”[22].
Uma escola pública que, via de regra, tem o objetivo de fornecer aos educandos
oriundos das camadas mais baixas da população, apenas os conhecimentos
necessários para um melhor desempenho das tarefas laborais demandadas pelo
Capital (aqui entendido como os detentores dos meios de produção), reduzindo-os
à condição de mera “mão de obra” e privando-os do acesso às informações de
âmbito geral que os emancipariam como sujeitos livres e autônomos. Vide-se os
incentivos ao ensino profissionalizante e o desestimulo ao ensino da filosofia,
no mundo contemporâneo e particularmente aqui no Brasil, inclusive com a nova
reforma aprovada, neste ano de 2017, para o ensino médio, que reduziu a
importância do ensino das disciplinas humanas.
Faça-se aqui um breve aparte para relembrar o pensamento crítico
de Platão, descrito no livro I da República, onde o personagem Polemarco[23]
(Polemos => conflito, guerras tradicionais) representa a luta permanente do
poder (Cratos)[24]
contra a filosofia que prega o diálogo como forma de solução para os conflitos,
para evidenciar historicamente o pouco interesse por parte daqueles que exercem
o poder, na educação de seus governados.
Retornando aos “Princípios...”
de Constant e para a defesa da liberdade de imprensa, tão cara a ele, sintetizamos
seu pensamento na seguinte frase:
Hoje em dia, restringir a
liberdade de imprensa significa limitar a liberdade intelectual da raça humana.
A imprensa é um instrumento tal que a liberdade não pode mais viver sem ela.
(CONSTANT, 2007, p 203)
No entanto, ele mesmo reconhece, como já destacamos ao
tratar das Reações Políticas (ver
pág. 15), que esta liberdade de imprensa nem sempre atende aos interesses do
coletivo, motivo pelo qual, precisa ser tomada com relativa cautela. Não
censura ou controle, mas fiscalização sobre a veracidade das informações
transmitidas, valendo-se para isso do pensamento de Frederico Guilherme II, que
pensava formas de restringi-la:
Embora estejamos
perfeitamente convencidos quanto às grandes e diversificadas vantagens de uma
liberdade de imprensa moderada e bem regulamentada em termos de expansão das
ciências e de todo o conhecimento útil... a experiência, contudo, nos mostrou
as perturbadoras consequências da liberdade total a esse respeito (Ibidem, nota
de rodapé p. 197)[25]
Constant, embora sabedor do fato de que, no mundo real, a
liberdade de imprensa torna-se uma perigosa arma nas mãos de pessoas
inescrupulosas, uma vez que as notícias são transmitidas por homens nem sempre
imunes a opiniões ou dogmas e sujeitos a interesses econômicos, políticos ou
religiosos, acreditava que esta liberdade, de forma irrestrita, se
transformaria em garantias individuais dos cidadãos, já que as ações dos
detentores do poder estariam sujeitas à sua fiscalização.
Em países nos quais o
populacho não participa de forma ativa do governo, ... a liberdade de imprensa
substitui, em certa medida, os direitos políticos (Ibidem, p 204)
No entanto, ele não contava
que, com o agigantamento dos órgãos de imprensa e da aceleração do processo
tecnológico nas áreas de comunicação, nos anos seguintes, principalmente nos
séculos XIX e XX, com o surgimento do rádio (1896), da televisão (1935) e da
Internet (1990), estas organizações passassem, além de informar, a criar e conduzir
um processo que denominaram de opinião pública[26],
ditando normas e estabelecendo valores, vindo a transformar-se numa espécie de
quarto poder.
Dado os vultosos investimentos para a implantação destes
empreendimentos, estas organizações, em sua maioria reféns do Capital e do
poder econômico das elites, perderam suas características provincianas, onde a
veracidade das informações noticiadas podia ser facilmente observada,
tornando-se verdadeiros conglomerados, alguns até supranacionais, capazes de
influenciar processos eleitorais e, a partir deles, criar ou modificar leis
segundo seus interesses. E dizer, dando publicidade a determinadas propostas,
formavam uma opinião pública favorável a certos candidatos, de tal sorte que estes,
quando eleitos, ficando devedores para com estas organizações, e sabendo que
precisariam delas no próximo pleito, elaborariam leis que os contemplassem.
Leis que, uma vez aprovadas, engessariam, além do poder executivo, também o
poder judiciário, os únicos que poderiam coibir seus abusos, ou seja, fechando
um círculo vicioso capaz de influenciar as opiniões individuais e comprometer o
pensamento crítico dos cidadãos. A lei, tornada assim, a estancia máxima, a
grande reguladora da vida em sociedade, ainda que serviço das oligarquias, como
diria o grande jurista brasileiro, Rui Barbosa (1849 – 1923), nosso imortal Águia
de Haia:
“ Dura Lex, Sed Lex / Rex
sub-lege Sub Lege, Libertas / Omnia
sub-lege.”
Antonio Gramsci[27],
já denunciava em seus Cadernos do Cárcere
(1975), este mecanismo de dominação cultural hegemônica colocado em curso
pelas forças conservadoras das classes dominantes sobre a camada mais
vulnerável da população. Um mecanismo que acabou sendo reproduzido por empresas
privadas[28] interessadas unicamente em fins comerciais;
por instituições religiosas[29]
para fins de evangelização, ou por agremiações partidárias[30]
para a tomada do poder.
Ironicamente, Constant parafraseando o pensamento de
Jeremy Bentham[31], alude
já à sua época, sobre os perigos que tal dominação cultural hegemônica traria,
alertando sobre aquilo que hoje já é notoriamente percebido na maioria dos países
em desenvolvimento, outrora também chamados de países do terceiro-mundo.
Os líderes de povos
ignorantes sempre acabaram, diz Bentham, vítimas de suas políticas estreitas e
covardes. Aquelas nações que cresceram em sua infância sob tutores que prolongaram
a imbecilidade de seus povos para melhor controlá-los sempre se transformaram
em presas fáceis para o primeiro agressor que surgiu. (Ibidem, p 211).
Acerca da defesa da liberdade religiosa, à qual Constant
dedica todo o livro XVIII dos Princípios...,
levando em conta que ele era oriundo de uma família huguenote, percebe-se
em seu trabalho uma vigorosa defesa do direito de escolha de cada cidadão sobre
a religião que desejasse professar, ao mesmo tempo em que critica aqueles que
optam por explicitar nenhuma fé. Ressaltando a importância da religião, como
último refúgio das ‘almas infelizes’,
ele ataca o pensamento dos iluministas que, a seu ver, se recusavam a perceber
a importância deste instrumento para a coesão social.
Quando o mundo nos
abandona, criamos uma espécie de aliança que o transcende. Quando os homens nos
perseguem, construímos para nos algum refúgio superior a eles. Quando vemos
nossas quimeras mais amadas – justiça, liberdade e terra natal – desaparecerem,
alimentamos a esperança de que existe, em algum lugar, um ser que se alegrará
por termos sido fiéis à justiça, à liberdade e à pátria-mãe, malgrado os tempos
em que vivemos. Quando pranteamos alguma coisa que nos é cara, lançamos uma
ponte sobre o abismo e, em nossos pensamentos, o cruzamos. Finalmente, quando a
vida nos escapa, lançamo-nos em voo para uma outra. Assim, é da própria
essência da religião ser fiel companheira, amiga engenhosa e incansável das
almas infelizes. [...] Por que, então, essa religião ... tem sido exposta, em
todas as eras, a ataques frequentes e impiedosos? ... É porque a religião tem
sido distorcida. ... Nas mãos do governo, a religião tem sido transformada em
instituição ameaçadora. ... A religião dogmática, uma força agressiva e
perseguidora, tem desejado submeter à sua canga tanto a imaginação em suas
conjecturas quanto o coração em suas necessidades. (Ibidem, p 234-238)
Dentre os iluministas eleitos para suas críticas, nesta
questão sobre a religião, destaca-se o Barão de Holbach[32]
em sua obra Sistema da Natureza, sintetizada
na ideia de que “o homem é infeliz porque
desconhece a natureza”, onde defende que, ele, o homem, sendo “parte da natureza, como todos os outros
seres, só poderá atingir uma plenitude autêntica se conhecer, sem ilusões, sua
própria constituição e, sobretudo, se não entrar em guerra contra seus próprios
instintos e tendências naturais” (HOLBACH, 2010, p 13), numa alusão ao poder
transformador da razão e do pensamento para alcançar a condição de “homem
virtuoso”, aquele que consegue elaborar boas leis que, por sua vez, produzem
bons homens, ao qual Constant atribui ironicamente, a desculpa de ser um velho
que, em seus delírios, por ser ateu, demonstrava um ódio cego contra uma ideia
tão gentil e consoladora.
O homem, reconciliado com
a natureza e consigo mesmo não será um homem vicioso, não fará mal a si e aos
outros, não violará as leis que tornam possível viver em sociedade simplesmente
porque sua ação não se deverá mais à coação dos outros homens ou ao medo dos
castigos do além, mas às determinações da sua razão. Uma razão bem formada é
simplesmente uma razão naturalmente justa, equilibrada, sem excessos e
desvarios, ou seja, ela segue os padrões da própria natureza. (SHÖPKE apud
HOLBACH, 2010, p 19)
No entanto, mesmo neste assunto, Constant não deixa de
criticar Rousseau e seu Contrato Social, acusando-o de sugerir a defesa, ou
certa cumplicidade do Estado, para com a religião, mormente a mais organizada e
aceita pelo povo.
Enquanto o governo deixar
a religião perfeitamente independente, ninguém terá interesse em ataca-la. A
própria ideia não surgirá. Mas caso o governo se disponha a defende-la, se
quiser, sobretudo, fazer dela um aliado, o pensamento livre não hesitará em
ataca-la. [...] Rousseau, que afagou todas as ideias de liberdade e
proporcionou pretextos para todos os pleitos da tirania, é ainda citado como
favorável a tal linha de pensamento. [...] Não conheço sistema de servidão que
tenha santificado mais os erros fatais do que a metafisica eterna do Contrato
Social. A intolerância civil é tão perigosa, mais absurda e, sobretudo, de todo
mais injusta que a intolerância religiosa. ... É mais injusta, já que o mal que
causa não é por dever e sim por cálculo. (CONSTANT, 2007, p 241-242)
Ao defender o direito de liberdade religiosa, aceitando a
proliferação de seitas, sem qualquer interferência ou limitação por parte do
Estado, ele coloca que esta pluralidade de opiniões seria salutar, uma vez que
as diversas propostas se incumbiriam, por elas mesmas, de fiscalizar e
denunciar os abusos cometidos, umas das outras, o que dispensaria o governo de
se preocupar com o assunto e mais, libertando-o das pressões que pudesse vir a
sofrer por parte dos grupos assim organizados.
Neste ponto, encerrando este capítulo sobre as liberdades
proposto por Constant, novamente vamos ressaltar que, a exemplo da liberdade de
pensamento ou da liberdade de imprensa, ele não previu que os grupos religiosos
mais organizados existentes já à sua época, continuariam a exercer um poder doutrinador sobre as camadas
menos esclarecidas da população, como denunciado pelo próprio Condorcet, quando
este afirmou que a maioria dos professores com os quais se poderia contar para
emancipar os homens, seria oriunda das castas religiosas e, por isso mesmo,
influenciados por suas crenças. Também não previu que, com o advento da
imprensa e com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, essas
organizações religiosas, também detentoras de enorme capital financeiro, teriam
a capacidade de influenciar os processos eleitorais, elegendo representantes
comprometidos com suas ideias que, por sua vez, elaborariam leis em
conformidade com seus dogmas, ainda que destoantes da ciência ou dos interesses
coletivos, promovendo a censura ou a segregação de grupos minoritários. É o caso,
apenas para exemplificar, da legislação sobre temas como o aborto, sobre a
união entre pessoas do mesmo sexo, sobre a anistia fiscal para templos e igrejas,
etc.[33]
4.2
– DAS SALVAGUARDAS
Para assegurar estas
liberdades que considera tão imperiosas ao convívio social, Constant elege o
poder judiciário como fiel da balança, o poder encarregado de zelar pelo
cumprimento das leis, aqui entendidas tal e qual Montesquieu as definiu:
As leis, no seu
significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das
coisas; e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis; a divindade tem suas
leis, o mundo material tem suas leis, as inteligências superiores ao homem tem
suas leis, o homem tem suas leis. (MONTESQUIEU, 2002, p17).
No entanto, a proximidade com Montesquieu não vai mundo
além disto, pois Constant defende uma autonomia ao poder judiciário que nem
mesmo o autor Do Espirito das Leis, chegou a propor, uma vez que este alertava para
o fato de que ‘tal autoridade, exorbitante, concedida subitamente
a um cidadão, em uma república, constitui uma monarquia, ou mais que uma
monarquia.’ (Ibidem, p 28), referindo-se à figura dos senadores romanos,
com os quais estabelece uma paridade à magistratura e à defesa que ela fazia
aos ‘restos de sua aristocracia’.
Entenda-se aqui que esta paridade se dá, não pela autoridade de produzir as
leis, mas à autoridade auto atribuída de interpretá-las. Montesquieu defende, nesta analogia, que “é preciso, em toda magistratura, compensar a grandeza do poder pela brevidade
de sua duração.’ (Ibidem, p 29), uma condição contrária à defendida por
Constant, defensor da ideia de que os membros do poder judiciário precisam ser “indemissíveis”, e nomeados por processo
que não derive de uma eleição realizada diretamente pelo povo ou, ainda, por nomeação
do poder executivo, considerando estas a maiores garantias de sua
independência.
Só há uma maneira de
tornar o judiciário independente: seus membros têm que ser indemissíveis. A
eleição periódica pelo povo, as nomeações durante certo tempo pelo poder
executivo e a possibilidade de destituição sem o devido processo solapam de
igual forma a independência do judiciário. [...] Um juiz que pode ser
transferido ou destituído é muito mais perigoso que um que comprou sua função.
(CONSTANT, 2007, p 264)
Alegando ser um equívoco o temor de um espírito
corporativo por parte dos membros do poder judiciário, um receio apenas
justificado quando não existe ‘o sistema
de júri’ ou quando o número de leis se torna tão excessivo que algumas delas
acabam em desuso, Constant alega que ‘este
espírito de corpo é uma das melhores salvaguardas contra o risco de juízes se
deixarem dominar por outros poderes do Estado’, sem, contudo, atentar-se
para o fato de que, com o crescimento exponencial do número de ações visando
assegurar o respeito dos direitos civis assegurados pela Revolução Francesa, e
a partir dela, o número de magistrados rapidamente se tornaria insuficiente,
obrigando o poder judiciário a adotar maior celeridade no julgamento dos processos
(o que, por sua vez, também inviabilizaria ‘o
sistema de júri’ adotado para todos os casos) e a investir maiores esforços
na formação de novos juízes, padronizando procedimentos e estabelecendo ritos
processuais.
E
dizer, criando um sistema mais ligado ao ordenamento jurídico do que conectado
aos fatos analisados, numa ritualística própria, cuja consequência direta, só fez
distanciar o direito da justiça, como tão bem retratada na obra de René Girard[34],
particularmente nos livros A rota antiga
dos homens perversos (2009) e A
violência e o Sagrado (1990) e Mentira romântica e verdade romanesca (2009) onde
descreve a evolução dos ritos a partir do mecanismo vitimário decorrente dos
comportamentos de apropriação mimética.
Constant igualmente desconsidera que, como homens
mortais, os juízes também são influenciados pelas circunstâncias, por crenças
pessoais e por fatores alheios ao ordenamento jurídico, inclusive os adotados
para sua ascensão profissional, ou mesmo para sua segurança, que muitas vezes
pressupõem compromissos nada republicanos, tornando-os passivos de cometer
equívocos ou erros que, se mantida a condição vitalícia de sua autoridade,
jamais poderão ser corrigidos, principalmente se, a exemplo do clero,
mantiverem um sistema corporativo/monárquico de atuação soberana frente à
sociedade que se propõem defender. Uma condição particularmente explorada pelas
forças conservadoras, retratada ironicamente pelo escritor e jornalista
brasileiro Fernando Sabino (1923/2004), quando este afirma que “Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei
é dura, mas é a lei. Para os ricos, é
dura lex, sed látex. A lei é dura, mas estica.”
4.3 – SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE
Constant, radicalizando o próprio pensamento de John
Locke (1632/1704), o pai do liberalismo, que via a propriedade privada como
conceito central de sua obra, coloca-se
como um defensor intransigente deste direito. Estabelecendo uma analogia com a
eclésia grega, ao defender a ideia de que somente a propriedade proporciona o
tempo livre para defesa dos interesses públicos, chegando mesmo a declarar que ‘apenas os proprietários podem ser cidadãos’
acaba, ainda que involuntariamente, valendo-se dos mesmos argumentos de
Locke que eram utilizados para defender a nobreza deposta pela revolução, ou
seja, a origem divina da propriedade entendida como um direito natural que já
existia no estado de natureza, transmitida de forma hereditária.
Aqueles que a pobreza
mantém em infindável dependência e condena desde a tenra idade aos trabalhos
braçais não são mais informados que as crianças em relação às questões públicas
nem têm maior parcela que os estrangeiros na prosperidade nacional, com cujos
elementos não são familiarizados e cujos benefícios compartem apenas
indiretamente. Não quero mal algum à classe trabalhadora... Todavia, como vejo
a questão, o patriotismo que dá a coragem para que a pessoa morra pelo país é
uma coisa, enquanto aquilo que faz com que ela entenda seus interesses é outra.
... Só a propriedade proporciona esse tempo livre. Só ela pode tornar os homens
capacitados para o exercício dos direitos políticos. Apenas os proprietários
podem ser cidadãos. (CONSTANT, 2007, pp 287-288)
Locke, em sua obra Dois
tratados sobre o governo (2005) asseverava que os bens da natureza eram
originalmente comuns a todos os indivíduos, dados por Deus aos homens para que deles
se servissem para maior proveito da vida e da própria conveniência,
ressaltando, no entanto, que embora a terra e seus frutos fossem propriedade
comum a todos, cada homem teria uma propriedade particular em sua própria
pessoa, pelo que, o fruto do seu trabalho ao retirá-los da natureza
acrescentava-lhes algo de próprio, de particular, tornando-os propriedade
exclusiva dele. Assim, a natureza determinava o tamanho da propriedade, limitada
à quantidade de trabalho do homem frente às necessidades de sua vida,
acrescentada do ganho de produtividade que viesse a ter por sua engenhosidade
na forma de executá-lo. Um ganho de produtividade que rapidamente se converteu
em escambo e que , com o desenvolvimento da vida em sociedade, e posteriormente
com o uso do dinheiro, foi substituído pelo comércio, que veio a possibilitar o
acúmulo de riquezas e a supressão da necessidade de que estas ações viessem a
atender uma determinada função social. Um acumulo de dinheiro que, quando as
famílias aumentaram e passaram a construir aldeias e cidades, permitiu que
estabelecessem consensualmente os limites de seus territórios, estabelecendo
divisas entre vizinhos que, por meio de leis, estabeleceram a propriedade de
cada membro, a propriedade privada, nestes territórios. Uma propriedade
privada, que podia ser ampliada ou reduzida segundo os interesses do detentor
da posse, através da guerra ou do comércio, mas que, via de regra, seria
repassada por herança aos seus descendentes.
Assim, reconhecendo que a propriedade não é anterior à
sociedade e que existe unicamente em virtude dela, Constant adverte que, ‘sem a propriedade, a raça humana ficaria
estagnada no estado mais brutal e selvagem de sua existência. ... A abolição da
propriedade acabaria com a divisão do trabalho, base do aperfeiçoamento de
todas as artes e ciências.’ (Ibidem, p 291), pelo que considera que ela
deva ser cercada de todas as salvaguardas, particularmente pelo poder do
Estado.
Classificando os tipos de propriedade em territorial, de
negócios e intelectual ou moral, Constant declara que somente a territorial
reúne todas as vantagens, uma vez que a propriedade de negócios influencia o
homem apenas pelo ganho positivo que lhe proporciona ou promete, não sendo
suscetível de melhorias, mas apenas a crescimento e que, a propriedade
intelectual, por sua vez, reside apenas na opinião pública, que a reconhece.
É exatamente o direito a esta propriedade territorial privada
que Proudhon (1809/1865) refuta em sua obra O
que é propriedade (1975) ao estabelecer uma relação entre coisas comuns
e indispensáveis e as comódites[35],
ao levar em consideração que as pessoas nascidas após a elaboração do contrato
social que estabeleceu a propriedade territorial, foram tolhidas em seus
direitos fundamentais, já que nada puderam opinar.
Se o ar e a água não fossem de natureza fugitiva, teriam sido
apropriados. Adiantarei que isto é mais que uma hipótese, é uma realidade. Ora
se o uso da água, do ar e do fogo exclui a propriedade deve-se passar o mesmo
quanto ao uso do solo: esse encadear de consequências parece ter sido
pressentido por Charles Comte, no seu Traité de La Proprieté. A água, o ar e a
luz são coisas comuns não porque são inextinguíveis, mas porque indispensáveis...
Paralelamente a terra é uma coisa indispensável à nossa conservação, por
consequência, coisa comum, por consequência coisa não suscetível de
apropriação, mas a terra é muito menos extensa que os outros elementos,
portanto seu uso deve ser regulado não em benefício de alguns, mas no interesse
e para a segurança de todos. (PROUDHON, 1975, pp. 78-79).
Na mesma linha de raciocínio, já finalizando o assunto, destacamos,
também, que Constant deixou de levar em consideração que a propriedade defendida
pelo Estado, como somente ele pode se valer legitimamente do uso da força para
tal, acaba se transformando em propriedade do Estado, ficando a posse por parte
daqueles que acreditam possuí-la, na prática, reduzida à condição de “permissão
de uso”. Uma permissão de uso que, em boa parte das nações, limita e condiciona
o uso do próprio solo, determinando regras para sua exploração mineral ou até
mesmo vegetal. Uma exploração que pode ser negociada à parte, segundo os
interesses dos governos ou das organizações privadas que se interessam por
isso, ganhando nos dias de hoje proporções que o próprio Proudhon desconsiderou,
uma vez que atualmente, em muitos lugares já se considera até a água uma
comódite e o crédito de carbono, principalmente o alcançado por cobertura
vegetal, um produto largamente negociado nas bolsas de valores. No Brasil, por
exemplo, o direito de lavra é concedido pelo governo, separadamente do direito
de posse, ou seja, uma pessoa pode ter a posse de uma determinada área e a
permissão de lavra desta área ser concedida a outra titularidade.
Ressalte-se, contudo, que Constant defendia a ideia de
que a propriedade (esta permissão de uso) pudesse mudar de mãos, como forma de
garantir a justiça desta instituição, sem a qual, um governo de proprietários,
cujas posses, tornando-se inalienável em
algumas famílias ou classes, se tornaria tirânico, já que dividiria a
sociedade entre aqueles que tem tudo e aqueles que nada tem. Para ele, quanto
mais proprietários existissem no país, mais respeitada seria a propriedade.
4.4
– ACERCA DA FIGURA DO ESTADO
Historicamente, os pensadores liberais, dentre os quais Benjamin
Constant, entendendo o Estado como um mal necessário, defenderam, contra ele, a
liberdade econômica, pregando que ele não deveria se intrometer no livre jogo
do mercado, entendido como uma sociedade civil baseada em contratos entre
particulares. Aceitavam apenas que, dado o seu monopólio no uso da força,
atuasse como guardião das propriedades e fiel da balança na obrigação de fazer
cumprir estes contratos firmados de forma autônoma entre as partes envolvidas (laissez
faire, laissez passer)[36],
compreendendo que, neste processo um número razoável de conflitos seria tido
como natural.
Defensor do Estado de direito, fundamentado nas
liberdades individual, política e econômica, Constant sempre teceu críticas à
figura do Estado social, garantidor da participação popular no poder político e
da distribuição da riqueza social produzida, entendendo o primeiro como
representante do status quo, das
instituições, da estabilidade política e econômica, da burguesia, e o segundo,
dada sua imprevisibilidade, como passível de ser atendido apenas quando,
através do legislativo e do executivo, modificasse a estrutura formal do
Estado, justificando este pensamento ao afirmar que:
Todas as salvaguardas são
boas se a governança não é tentação para a ganância. O pobre preferirá os
cargos lucrativos aos difíceis e não remunerados. O rico preencherá os cargos
do governo porque não precisa de remuneração. [...] Ora, uma vez estabelecido
que esses cargos não são remunerados, estamos colocando o poder nas mãos da
classe com tempo ocioso, sem se recusar uma oportunidade justa para todas as
exceções lídimas. Quando salários consideráveis são pagos aos cargos
legislativos, tais pagamentos se transformam no objetivo principal. A
mediocridade, a inépcia e a torpeza
percebem nessas augustas funções apenas uma miserável especulação do acaso,
cujo sucesso é a elas garantido pelo silêncio e pelo servilismo. [...] Como não
podemos manter as pessoas ambiciosas apartadas dos cargos públicos, mantenhamos
longe deles pelo menos as gananciosas. (CONSTANT, 2007, pp 326-328 )
Como garantidor da propriedade, da segurança jurídica e
das instituições, para Constant, o Estado, para sua manutenção, poderia taxar
os cidadãos, que pagariam por esta proteção, um justo valor, proporcional aos
serviços oferecidos pelo governo.
O governo, responsável que
é pela defesa interna e pela segurança externa do Estado, tem o direito de
solicitar que os indivíduos sacrifiquem parte de suas posses para custear os
gastos que a consecução desses deveres requer. Os governados, por sua vez, tem
o direito de demandar do governo que a soma de todos os impostos não exceda o
que é necessário para o objetivo
pretendido. Essa condição só pode ser atingida por meio de arranjos políticos
que imponham limites às demandas e, por via de consequência, à prodigalidade e
à ganância dos governantes. (Ibidem, p 351)
Nesta
mesma linha de raciocínio, Constant defendia que o governo fosse custeado
através de impostos, pagos “por todos os cidadãos” (pobres e ricos) sem
qualquer diferenciação percentual entre eles, já que, em sua argumentação, os
ricos já contribuíam para o coletivo de forma diferenciada, ao gerarem empregos
e alavancarem a atividade econômica como um todo, inclusive financiando o
Estado, motivo pelo qual não deveriam ser sobretaxados.
Caso se incomode o homem
rico, ele se concentrará mais em seus prazeres, suas especulações e suas
fantasias; retirará seu capital ao máximo possível da circulação, e o pobre
sentirá os efeitos de tal atitude. (Ibidem, p 341)
No mesmo princípio (laissez faire, laissez passer), ele
condenava qualquer tentativa de intervenção do Estado sobre a economia,
sobretaxando, por exemplo, as importações, pois, a seu ver, tal incentivo à
produção interna, deturparia o processo produtivo, drenando energias para
atividades de menor produtividade e de custo mais elevado, quando comparados
aos produtos e serviços que poderiam ser adquiridos no exterior, normalmente
fabricados em maior escala e com tecnologia mais avançada. Analogamente,
poderíamos associar este pensamento à ideia de importar carros modernos ao
mesmo custo das carroças produzidas internamente no país, apenas para
exemplificar, ao invés de direcionar os recursos disponíveis em investimentos
para a produção de artigos e serviços para os quais a nação estivesse
vocacionada.
As leis contra os produtos
manufaturados no exterior são concebidas para encorajar ou constranger os
habitantes de um país a fazerem eles mesmos aquilo que, de outra forma,
comprariam no estrangeiro.[...] Os governos aos forçarem seus súditos a
manufaturar coisas que voluntariamente não fabricariam, os estão obrigando a
aplicar seus recursos com ineficiência; estão diminuindo os resultados de seu
capital e de seu trabalho; estão, portanto, reduzindo a riqueza dos súditos e,
por via de consequência, a nacional. [...] Para um povo ainda na infância da
civilização, o frequente recurso às manufaturas do exterior pode retardar o
estabelecimento da fabricação nativa. Porém, como é provável que o governo de
tal povo ainda seja extremamente ignorante, há pouca esperança nos esforços por
ele despendidos em prol dos negócios. [...] O governo que obriga os homens a
caminhar em determinada direção é arbitrário e malévolo... Quanto às nações
industriosas, basta que cada indivíduo seja deixado totalmente livre para o
desenvolvimento de seu capital e de seu trabalho; ele descobrirá,
independentemente de qualquer governo, o melhor uso que deles pode fazer. Se
determinada atividade econômica se mostrar lucrativa, não deixará que
estrangeiros colham os frutos; caso a eles abandone alguma outra atividade
econômica comparável, será porque encontrou uma terceira que é mais vantajosa.
(Ibidem, pp 397-400)
Benjamin Constant, ao defender que os governos devem
liberar totalmente as importações de produtos que podem ter preços melhores no
exterior, desobrigando seus súditos a produzirem-nos a um custo maior, parece não
levar em consideração a dependência criada, principalmente em produtos cuja
reposição (se necessária) por produção nacional, como alimentos (a exemplo do
trigo), seria muito demorada. Igual pensamento se pode aplicar à dependência
tecnológica, principalmente em áreas vitais, como na produção de sementes,
energia ou segurança. Parece esquecer suas próprias palavras quando afirmou que
no mundo moderno o comércio era superior
à guerra, esta última anterior ao comércio, ambas nada mais do que meios
diferentes para atingir o mesmo fim: o de se possuir o que se deseja; a guerra
como fruto do impulso e o comércio como fruto do cálculo, motivo pelo qual,
o Estado como garantidor da ‘propriedade’
e da segurança de seus súditos, não pode se furtar de tal tarefa. Não criando
um modelo meramente protecionista, mas também incentivando a instalação de
novas plantas laborais em seu território, que trariam, além da geração de
empregos locais, o acesso às novas tecnologias desenvolvidas no exterior, que
em última análise, se transformariam em ganhos adicionais de conhecimento e garantia
da soberania de seu povo.
Em sua defesa do Estado de direito sobre o Estado social,
Constant igualmente parece ignorar que a desesperança provocada pela enorme
distância observada entre a camada mais pobre da população e a elite
governante, acabaram por provocar a Revolução,
motivo pelo qual, o Estado como garantidor da segurança, também deve cuidar
de outros assuntos, de valor estratégico para a nação, garantidores da vida e
da qualidade desta vida para os seus súditos, como a saúde e a educação, apenas
para exemplificar. Atividades que, por sua característica, ainda que executadas
de forma não exclusiva pelo Estado, não podem ser medidas apenas pela régua da
sua contribuição marginal, reguladas pelo mercado, mas também pela qualidade
dos resultados auferidos. Assim, na contramão dos ganhos de produtividade, ou
do simples controle de redução dos custos, a diminuição no número de alunos em
salas de aula sob cuidados de um único professor pode, em muitos casos,
propiciar ganhos superiores para o conjunto da sociedade, do que o contrário.
Igualmente, disponibilizar maior tempo para que um médico do sistema público de
saúde[37]
possa atender a um paciente, também pode contribuir para que ele consiga
realizar um melhor diagnóstico de sua enfermidade. O mesmo se poderia dizer
quanto ao estoque (número) de policiais, ou bombeiros, mantidos em prontidão
para eventuais demandas, e assim por diante. Obviamente estas considerações não
eliminam a necessidade de investimentos por parte do Estado em novas
tecnologias e procedimentos que viessem a minimizar tais custos, o que claramente
seria desejável por todos, inclusive com o incentivo e participação da
iniciativa privada, mas, como colocamos, são atividades outras que não podem
ser medidas apenas pela régua do livre mercado.
Constant também parece desconsiderar que a taxação
percentualmente uniforme para todos, também se mostra falaciosa, uma vez que os
mais ricos, como detentores dos meios de produção, via de regra, repassam os
custos de suas contribuições tributárias para os produtos e serviços que
disponibilizam para consumo dos mais pobres que, por sua vez, não tendo como
repassar, acabam pagando por tudo. Tal
constatação, acabou gerando no século XX o conceito de justiça distributiva e
da equidade em substituição à igualdade que ele colocava.
Ademais, da forma como Constant coloca, ao defender o financiamento
direto do Estado pela iniciativa privada, ainda que travestido de impostos, sem
que este se dê ao trabalho de também gerar riqueza e desenvolvimento,
administrando diretamente a gestão de empresas ou prestando serviços dos quais
pode obter lucro, em concorrência direta com os setores mais organizados da
iniciativa privada, principalmente as de caráter supranacional, como Bancos, por
exemplo, acabam por provocar uma certa dependência destes tributos, que ao
final, só fazem enfraquecer sua posição como poder mediador de conflitos, efetivamente
soberano.
R. Goldscheid[38]
pôs em relevo a tendência histórica a um progressivo empobrecimento do Estado,
já que a burguesia conseguiu criar um Estado dependente, no que respeita à
disponibilidade financeira, às suas concessões. Se na época do Estado absoluto
os que detinham o poder representavam igualmente o Estado, e a riqueza do
Estado era a sua riqueza, na época do Governo constitucional, ao contrário, o
Estado e a propriedade se separaram. Esta separação originou a dependência – a
dependência fiscal – do Estado à sociedade. (BOBBIO, 2010, p 404)
Finalizando, Constant ao aceitar que o Estado tenha o
monopólio do uso da força, como última instância para garantir a propriedade, o
cumprimento das leis e a obediência aos contratos, reconhece seu direito de
recrutar cidadãos de uma determinada idade para assegurar a mantença de um
efetivo militar capaz de fazer frente às necessidades, fazendo-o de duas formas
distintas: a imposição indiscriminada a todos de pegar em armas por determinado
número de anos ou o recrutamento livre e voluntário, deixando clara, de pronto,
sua preferência ao evidenciar as deficiências do primeiro modo.
Condenar os jovens filhos
das classes afluentes à vida nos quarteis e acampamentos, jovens nos quais, em
suma, residem a educação, o refinamento e o raciocínio correto, ..., é infligir
a toda a nação um malefício que não pode ser compensado pelas vitórias inúteis
ou pelo baldado terror que ela possa inspirar. Os argumentos usados em favor
das instituições que forçam todos os cidadãos a pegar em armas parecem, em
alguns aspectos, com aqueles dos inimigos da propriedade que, sob o pretexto de
uma igualdade primitiva, querem dividir o trabalho braçal, sem distinção, entre
todos os homens, sem refletir que o trabalho assim repartido não apenas será
menos útil, pois mal feito, como, além disso, bloqueará toda a continuidade,
todo o trabalho especializado, todos os efeitos do hábito e da concentração de
esforços e, por via de consequência, todo o progresso, todo o aperfeiçoamento.
[...] A única dificuldade do segundo tipo, ou seja, do recrutamento livre e
voluntário, é a possível insuficiência. (Ibidem, pp 487-490)
Assim, ele admite, portanto, a possibilidade de que para
sanar o problema da insuficiência de voluntários para o serviço militar, o
governo pode valer-se de artifícios sedutores, como bolsas de estudos em
renomadas academias, remuneração adequada e plano de carreira atraente, pautada
no mérito, o que, de certa forma reproduz a lei de oferta e procura, reguladora
do mercado, principalmente para a manutenção das forças policiais, em épocas de
paz.
Contudo, Constant não deixa de destacar seu pensamento
elitista ao defender que tal condição, a da convocação compulsória, privilegie as classes mais favorecidas,
evidenciando um preconceito que foi potencializado pelas classes burguesas,
desde o período imediatamente posterior à Revolução, chegando até os nossos
dias. Um exemplo crasso deste artifício burguês pode ser observado durante a
Guerra da Secessão estadunidense (1861/1865), onde os pais do presidente Theodore
Roosevelt, valendo-se da lei de compensações[39],
pagaram para que outros servissem em seu lugar. Uma lei que foi substituída por
outra, que oferece atualmente aos estrangeiros que se disponham a lutar em seu
exército, a possibilidade de conseguir a cidadania americana, em substituição
aos jovens estadunidenses que não querem mais arriscar suas vidas para defender
os interesses de indústrias petroleiras ou oligarquias árabes.
5 – CONCLUSÃO
Ao dar por terminado
este trabalho, reconhecendo de antemão que muito do pensamento de Benjamin
Constant acerca dos pontos propostos para o diálogo em nossa introdução não
puderam ser melhor discutidos, dada a limitação imposta por um número restrito
de páginas que nos auto impusemos para a elaboração deste trabalho monográfico
de cunho ensaístico, diante de temas tão abrangentes, consideramos que, ao
menos, os pontos mais relevantes foram abordados, de tal sorte que esperamos
ter podido mostrar que ele, em época tão conturbada da história mundial, ousou
propor uma série de princípios de política que poderiam ser aplicados por
inúmeros governos, caracterizando-se em uma espécie de guia prático para a
discussão da proposta liberal, do livre mercado e das liberdades individuais,
ainda que de caráter utópico.
Esperamos ter podido mostrar que estas propostas, em sua
grande maioria, foram deturpadas na sua aplicação prática, tanto no quesito das
liberdades individuais, quanto nos quesitos das liberdades de imprensa ou
religiosa, pelas forças conservadoras da burguesia que chegava ao poder após a
Revolução Francesa, e que permanecem atuantes até os nossos dias, anulando em
grande parte as conquistas que já haviam sido alcançadas.
Mostrar que as salvaguardas previstas para garantir estas
liberdades, como a eleição dos representantes da vontade popular ou do sistema
judiciário que coibiria eventuais abusos dos demais poderes, foram, e continuam
sendo, insuficientes para garantir sua eficácia.
Mostrar que a propriedade, como entendida pelo senso
comum, é falaciosa e inexistente.
Mostrar que a constituição do Estado republicano
defendido pela proposta liberal sonhada por Benjamin Constant, que asseguraria
a completa emancipação dos homens livres, acabou contaminada em gênero, número
e grau, já a partir da malversação da sua principal ferramenta, a educação.
6
– BIBLIOGRAFIA
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[1] Referimo-nos ao suíço Henri Benjamin
Constant de Rebecque e não ao personagem Benjamin Constant Botelho de Magalhães
(1836/1891), um militar, engenheiro, professor e estadista brasileiro, adepto
do positivismo, que foi considerado um dos principais articuladores do levante
republicano de 1889 que depôs a monarquia no Brasil.
[2] Huguenotes era o nome dado aos protestantes franceses,
majoritariamente calvinistas e membros da Igreja Reformada, durante as guerras
religiosas na França ocorridas na segunda metade do século XVI.
[3] Anne – Louise Germaine Necker, baronesa
de Staël-Holstein (1766/1817), mais conhecida como Mme. De Staël, foi uma
romancista e ensaísta francesa que incorporou como poucas mulheres o espírito
do iluminismo francês.
[4] O Diretório foi o regime político adotado pela Primeira República Francesa entre
26 de outubro de 1795 e o golpe de Estado de Brumário em 9 de novembro de 1799. Foi assim
chamado porque o poder executivo era
exercido por cinco membros, denominados Diretores. De inspiração burguesa, o Diretório foi instaurado
por republicanos moderados, após a Reação
Termidoriana, como é chamado o terceiro período (27 de julho de 1794 a
25 de outubro de 1795) da Convenção Nacional. A Reação Termidoriana foi, de fato, um
golpe de Estado engendrado pela
alta burguesia financeira e
marca o fim da participação popular no processo
revolucionário iniciado em 1789. O governo do Diretório, autoritário e
fundamentado numa aliança com o exército (restabelecido, após vitórias
realizadas em campanhas externas), foi o responsável por elaborar a nova Constituição que protegeria os
interesses da próspera burguesia comercial de duas grandes ameaças: a república
democrática jacobina e o Antigo Regime, com suas instituições feudais que tantos empecilhos
criavam para a expansão dos negócios.
[5]
Nicholas Capaldi
(1939) é um pensador norte-americano, professor na Universidade de Columbia,
cujo principal interesse é a política pública e sua interseção com ciência
política, filosofia, direito, religião e economia.
[6] Extraído da edição de textos escolhidos
de Benjamin Constant, organizada por Marcel Gauchet, intitulada De la Libertè cliez les Moderns (Le
Livre de Poche, Collection Pluriel, Paris, 1980), tradução de Loura Silveira,
utilizado pelo Prof. Luiz Arnaut na disciplina de História Contemporânea da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais.
[7] Etienne Hofmann (1950,
Epalinges, Suíça) é um professor de
História das Doutrinas Políticas na Universidade de Lausanne, considerado um dos maiores especialistas em
Benjamin Constant.
[8] Os
jacobinos faziam parte de uma organização política composta basicamente por
pequenos comerciantes e profissionais liberais, que, embora no princípio
adotassem uma posição moderada sobre os encaminhamentos revolucionários, sob a
liderança de Robespierre, passaram a ter posições radicais e esquerdistas,
promovendo o massacre de todos os que discordavam de suas ideias.
[9] Georges
Jacques Danton (1759/1794) um advogado e político francês que inicialmente
apoiou a posição dos jacobinos, mas que, frente aos abusos cometidos, defendeu
uma certa moderação, o que lhe causou a condenação à morte pela guilhotina.
[10] Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de
Condorcet (1743 / 1794) foi um filósofo
e matemático francês, que teve relevante partição política apoiando a Revolução
Francesa e que acabou preso por discordar do posterior radicalismo da
Convenção, período em que escreveu a obra Ensaio de um quadro histórico do
progresso do espírito humano, vindo a falecer posteriormente, possivelmente
assassinado por seus detratores.
[11] Gulags, um tipo de campo de concentração, com trabalhos forçados,
foram instrumentos largamente utilizados na Rússia como forma de penalização de
presos comuns, dissidentes e presos políticos.
[12] Para os Jônios, como Tales de Mileto, o
princípio era a água; para Anaximandro, o indeterminado (ápeiron); para
Anaxímenes, o Ar; e para Heráclito de
Éfeso, bem mais tarde, o fogo, apenas para exemplificar.
[13] O termo Constituição possui um
significado meramente descritivo, absolutamente independente e autônomo de
qualquer relação com seu conteúdo. A Constituição é, de fato, a própria
estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem necessária que deriva
da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem (BOBBIO, 2010, p
247)
[14]
Como no início da
Revolução Francesa houve um movimento de contrarrevolução encabeçada pelo rei
Luís XVI, uma nova Assembleia Nacional Constituinte precisou ser formada,
denominada Convenção Nacional, ou simplesmente Convenção, de maioria jacobina,
liderada por Robespierre, que perdurou de 20 de setembro de 1792 até 26 de
outubro de 1795, quando, após a Reação Termidoriana, foi sucedida pelo
Diretório.
[15] Livro I capítulos 2 e 3
[16] Gabriel Bonnot de Mably (1709/1785),
também conhecido como Abbé de Mably, foi um filósofo francês considerado um dos
mais importantes inspiradores da legislação revolucionária
de 1789. Era hostil à propriedade privada dos meios de produção e, por isso,
pode-se considerá-lo como um precursor do socialismo.
Contestando o poder real, desejava, entre outras coisas, que o controle das
finanças e do Exército fosse
retirado do poder real e entregue a uma assembleia única, mas não eleita
através do sufrágio universal
[17] A identidade individual se faz pela
diferença, onde cada um é diferente do outro. A identidade coletiva se faz pela
semelhança, através de pontos comuns, como língua, religião, etc. (Celso Lafer,
programa Painel de 29/04/2017)
[18] Condorcet, na obra Cinco Memórias sobre a Instrução Pública. defende vigorosamente a
“Escola Pública, Laica, Gratuita e Universal”.”
[19]
Constant interpreta Condorcet
quando este afirma que “Mesmo quando
alguns homens geniais podem ser encontrados entre os que exercem o poder, eles
jamais chegarão, em todas as ocasiões, à preponderância que lhes permitiria
aplicar na prática os resultados de suas meditações.”
[20] Na democracia ateniense, eclésia era o
nome dado à assembleia de todos os cidadãos homens, que se reuniam para tratar
de assuntos importantes para seus membros.
[21] Cidadãos que não
participavam nas decisões políticas eram chamados de ἰδιώτης (idiōtēs), cujo
significado etimológico é “pessoa particular” ou não pública, pessoa que não se
interessa ativamente pelos assuntos políticos
[22] Bourdieu chama de Capital Cultural, o maior
capital adquirido pelas crianças cujas famílias de melhor condição econômica
podem oferecer, como o hábito salutar de ler livros e jornais, de frequentar melhores escolas, visitar
museus e exposições, viajar pelo mundo, estudar uma segunda língua, etc.,
quando comparado àquele alcançado pelas crianças cujas famílias lutam pela
subsistência.
[23] Polemarco (em grego: πολέμαρχος, transl.
polémarkhos) era, na Grécia Antiga, um título militar utilizado por diversas
polis para se referir ao comandante supremo de suas tropas. O título é formado
por duas palavras, polemos ("guerra") e arkhon ("líder"), e
pode ser traduzida como "senhor de guerra".
[24] Cratos (em grego antigo: Κράτος, lit. "Poder"), na mitologia grega, era um titã, filho
de Estige e Palas. Cratos é tido como a personificação da força e do poder.
[25] Extraído da obra de Ségur,
Louis-Philippe. Histórie des principaux
événements du règne de F. Guillaume II, roi de Prusse. Paris: Buisson, 1800, pp 400-405
[26] Existem inúmeros trabalhos que
questionam a ideia difundida acerca do valor de verdade das pesquisas de
“opinião pública”, uma vez que, para emitir uma opinião válida, a pessoa
precisa conhecer sobre o assunto perguntado. Como isso não ocorre na grande
maioria das vezes, o resultado da pesquisa é afetado e o processo, direcionado,
segundo os interesses do entrevistador.
[27] Antonio Gramsci (1891 — 1937) Um filósofo marxista, jornalista, crítico
literário e político italiano que escreveu
sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística, e que foi preso
pelo regime fascista de Benito Mussolini, reconhecido,
principalmente, pela sua teoria da hegemonia
cultural que
descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições
culturais para conservar o poder.
[28] Vide-se a história de
Assis Chateaubriand, no Brasil, que se valia de seus jornais para, ou promover
seus anunciantes ou detratar os que se recusavam a financiá-lo, na época do
Estado Novo, ou ainda as denúncias de Leonel de Moura Brizola (1922-2004) um
atuante político brasileiro, sobre a manipulação da Bolsa de Valores por parte
das Organizações Globo, nunca apuradas corretamente.
[29] Vide-se a história da Igreja Católica
no comando de rádios e empresas jornalísticas (principalmente as de caráter
regional), ou das igrejas protestantes, como a Universal do Reino de Deus, que
detém o comando, inclusive de grandes empresas de rádio e televisão.
[30] Vide-se a
influência política sobre a linha editorial de algumas empresas estadunidenses,
como por exemplo, o canal de notícias FOX News,
de tendência republicana ou da MSNBC, de tendência democrata, contrapondo-se à
CNN, que tenta manter-se neutra e, por isso, vem despencando no
"IBOPE" local.
[31] Jeremy Bentham (1748 – 1832)
foi um filósofo, jurista e um dos últimos iluministas a
propor a construção de um sistema de filosofia moral, não apenas formal e
especulativa, mas com a preocupação radical de alcançar uma solução prática
exercida pela sociedade de sua época, tradicionalmente considerado como um dos
maiores difusores do utilitarismo.
[32] Paul Heinrich Dietrich, o Barão de
Holbach (1723 – 1789), ateu convicto que defendia a ideia de que as religiões
obscurecem a percepção dos homens, levando-os à produção de ideias
fantasmagóricas.
[33] Prática costumeira entre as Igreja
Católica e pentecostais contra as demais
religiões, onde destacamos, apenas a título de exemplo, o livro Plano de Poder do bispo Edir Macedo, que
descreve um movimento colocado em marcha para transformar o Brasil em um país
governado por e para evangélicos.
[34] René Girard (1923/2015) foi um
antropólogo, pensador e crítico literário francês, radicado nos Estados Unidos,
criador da Teoria Mimética.
[35] O termo Comódites é usado sobretudo com referência aos produtos de base em estado
bruto (matérias-primas) ou com pequeno grau de industrialização, "in
natura”, cultivados ou de extração
mineral, de qualidade quase uniforme, produzidos em grandes quantidades
e por diferentes produtores.
[36] Deixar fazer, deixar passar
[37] Recentemente, os Estados Unidos da
América, símbolo do liberalismo econômico, rendeu-se às evidencias e adotou um
sistema de financiamento público do sistema de seguro saúde para a população de
baixa renda, que ficou conhecido como ‘Obamacare’.
[38] Rudolf Goldscheid (1870/1931) foi um
filósofo austríaco considerado o fundador da sociologia financeira, “uma
economia humana”, em que defende a transformação do Estado fiscal em um Estado
autônomo.
[39] Abraham Lincoln, durante a guerra da secessão
americana, assinou naquele país, a primeira lei de alistamento compulsório da
União, que a Confederação, do sul, já adotara. Como moedas são moedas, a lei
facultava o direito a quem fosse convocado e não desejasse correr os perigos da
guerra, poder contratar outra pessoa para assumir o seu lugar. Constam entre
aqueles que pagaram substitutos para que combatessem em seu lugar os nomes de
J.P. Morgam, os pais de Theodore e Franklin Roosevelt e dos presidentes Chester
A. Arthur e Grover Cleveland. Esta forma de atuação, que revoltava muitos
idealistas, sempre foi acompanhada de críticas contundentes, a ponto de
Rousseau, em uma de suas manifestações argumentar que: “A partir do momento em
que um serviço público deixa de ser a principal atribuição dos cidadãos, que
preferem servir com o próprio dinheiro em vez de se engajar para servir, o
Estado está prestes a ruir.” Em outro exemplo, de forma similar, a própria França
imortalizou a “Legião Estrangeira”, dando-lhe características românticas e
cinematográficas nos registros das campanhas que realizou no norte da África. Nos
Estados Unidos, a terceirização das Forças Armadas, atualmente, ganha a cada
dia ares inovadores, onde as empresas privadas como a Blackwater desempenham
muitas atividades no Iraque e no Afeganistão.
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