sábado, 16 de maio de 2020

ENSAIO SOBRE OS CAMINHOS DE UMA NOVA REVOLUÇÃO



                               José Carlos Orosco Roman
                               (Professor Orosco)

Ao nos darmos conta nesta partida para a terceira década do século XXI, onde  vislumbramos um cenário em que o Mundo Globalizado e tecnicamente conectado já começa a evidenciar os graves sintomas da deterioração dos paradigmas de produção de bens e serviços do século XX  e do agravamento das relações entre o Capital e o Trabalho, principalmente por conta da inovação tecnológica que se faz presente em todos os setores da economia, da agricultura à produção de satélites, incluindo telecomunicações, sistemas bancários e da própria Internet, percebemos que a dependência da presença física da pessoa humana para a execução destas atividades laborais está sendo consideravelmente reduzida. Um problema que, nestes dias, é particularmente agravado pela presença de uma crise sanitária, de caráter global que, além de ceifar muitas vidas, está promovendo a paralização das atividades econômicas em uma escala jamais vista na história. Nem mesmo a peste negra ou a gripe espanhola, que provocaram milhões de mortes, tiveram impacto tão severo para a economia global e para as relações de trabalho como esta que estamos vivendo.
Nestes cenário, com o desenvolvimento dos supercomputadores e da Inteligência Artificial, pode-se dizer que o próprio ato de pensar está sendo gradativamente relegado a um segundo plano, já que chegamos ao ponto de poder observar um exercício de discussão autônoma entre duas máquinas sobre temas como Moral e Ética, aplicadas a linhas de desenvolvimento e replicação de novas unidades cibernéticas. Algo como a necessidade do reconhecimento e da validade da obediência às três leis da robótica formuladas por Isaac Asimov para assegurar a supremacia humana sobre elas, principalmente quando pensamos em máquinas projetando e construindo, de forma autônoma, outras máquinas.
Hoje, até mesmo as tarefas básicas de exames e diagnósticos clínicos, por exemplo, cada vez mais dependentes destas máquinas, estão sendo, paulatinamente, delegadas a sistemas que padronizam protocolos de procedimentos, nos quais a presença humana do médico se torna dispensável, sendo substituída por softwares e equipamentos cada vez mais sofisticados. Até a realização de cirurgias por robôs controlados à distância, via Internet, por um médico, já não são mais uma novidade. Nelas, a própria equipe de apoio e intervenção vem sendo substituída, gradativamente, por programas de monitoramento automatizado que supervisionam e atuam de forma independente.
E dizer, no contexto histórico no qual todos os processos produtivos são idealizados sobre o tripé “Matéria-Prima / Mão de Obra / Máquinas e Equipamentos”, percebe-se que  participação humana está sendo sistemática e significativamente reduzida.
Assim, o homem que na Revolução Industrial ganhou o status de mercadoria, aquele que comercializava a sua força de trabalho segundo as regras do mercado, experimentando um ganho inicial e tornando-se, também, por conta disso, o objetivo final da produção, já que havia sido elevado à condição de consumidor, terminou o século XX como principal componente desta matriz econômica.
Nesta jornada, a dicotomia entre os interesses conflitantes do Capital e do Trabalho tornou-se mais evidente do que nunca, com operários se organizando em sindicatos, e empresários em associações, que lhes pudessem dar maior poder de barganha.
O lucro do Capital, que no período feudal, se escorava basicamente na renda pelo uso da terra e no financiamento de atividades correlatas a ela, tais como o transporte, seguro e comercialização de produtos agrícolas, com o êxodo dos trabalhadores do campo para as cidades provocado pela Revolução Industrial, desenvolveu novas formas para se multiplicar, passando a ser obtido, também, pelo resultado do financiamento de bens e serviços diretamente aos trabalhadores. Estes, por sua vez, precisaram investir boa parte destes ganhos iniciais para capacitar-se a fim de poderem melhor desempenhar as novas funções demandadas pelo mercado.
Entretanto, o crescimento econômico observado após a Revolução Industrial e a acelerada difusão do conhecimento que, apesar do aumento significativo do número de empresas constituídas, paradoxalmente, não conseguindo modificar as estruturas profundas do capital e da desigualdade, acabou por despertar o interesse de uma série de economistas que se debruçaram sobre os temas da desigualdade de renda e do crescimento econômico, para tentar compreender o que acontecia e para propor alternativas que se mostrassem socialmente viáveis para superar esse problema.
Neste período, dos primórdios da Revolução Industrial, teve relevante destaque a obra de Adam Smith, “A riqueza das nações” publicada pela primeira vez em 1776, uma produção épica destinada a estudar as ideias fundamentais da divisão do trabalho e da organização natural da vida econômica, parametrizando conceitos e estabelecendo uma terminologia econômica que chegou aos nossos dias.
Não menos importante, os “Princípios de política aplicáveis a todos os governos”, de Benjamin Constant, publicada pela primeira vez no ano de 1810, que se propunha à defesa de uma abrangente proposta liberal, tanto nas práticas de governo, quanto na economia e nas relações do capital com o trabalho.
Depois deles, David Ricardo, que em 1817 publicou seus “Princípios de economia política e tributação”, já demonstrava a preocupação com a evolução, no longo prazo, do preço da terra e de sua remuneração.
Louis René Villermé, que em 1840 publicou o seu “Quadro do estado físico e moral dos operários nas fábricas”, evidenciando a sórdida realidade observada na França neste período. Friedrich Engels, companheiro de Marx, que descreveu a mesma realidade em sua obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, publicada no ano de 1845. E o próprio Karl Marx, que em 1867 publicou o primeiro volume de “O Capital”, dedicada à análise das contradições internas do sistema capitalista, partindo do modelo ricardiano de determinação do preço do capital e do princípio da escassez, para chegar à conclusão daquilo que se poderia chamar de “princípio de acumulação infinita”, uma tendência inexorável do capital de se acumular e de se concentrar nas mãos de uma parcela cada vez mais restrita da população, sem que houvesse um limite natural para esse processo.
Também, no século XX, dentre os mais influentes pensadores da teoria econômica, destaca-se a obra de John Maynard Keynes, que no ano de 1936 publicou sua “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, lançando as bases da macroeconomia, onde defendia uma forma de intervenção do Estado na economia, não para destruir o sistema capitalista de produção, mas para aperfeiçoar o sistema de modo a unir o altruísmo social com os instintos do ganho individual através da iniciativa privada, já que, para ele, esta união não ocorre por vias naturais, como decorrência das práticas do livre mercado.
Já na segunda metade do século XX, destacamos, ainda, as obras de Friedrich August von Hayek, Prêmio Nobel de Economia no ano de 1974, um dos mais destacados defensores da liberdade humana como promotora do desenvolvimento econômico e social que via na metáfora da mão invisível[1], utilizada por Adam Smith, todas as características de uma ordem na qual os indivíduos, a partir do respeito a certas regras abstratas, poderiam estabelecer interações de troca visando estabelecer a satisfação de seus desejos e projetos particulares, contribuindo, assim, para maior produção de riquezas coletivas. Com um pensamento diametralmente oposto ao de Keynes, seu livro, “O caminho da servidão”, publicado no ano de 1944, apresentava a tese de que a característica mais marcante dos regimes nazifascistas e socialistas seria a crescente intervenção do Estado na atividade econômica.
John Rawls, que em suas obras “Uma teoria da justiça”, de 1971, “O liberalismo político”, de 1993 e “O direito dos povos” de 1999, desenvolve uma teoria de justiça distributiva, baseada nos princípios da diferença e do dever de assistência,  propondo trabalhar com padrões de compensação nas sociedades, tendo como referência o exercício do liberalismo político e do consenso de sobreposição, para combater a desigualdade social e econômica entre as pessoas e entre os povos.
Finalmente, também Robert Nozick, autor do livro “Anarquia, Estado e Utopia”, de (1974), sua obra mais marcante onde, seguindo a matriz da escola conhecida como neoliberal, que ele leva ao extremo, valendo-se do termo libertarismo, para justificar e defender a primazia do livre mercado como uma instancia justa e do individualismo que, para efeito deste aspecto, significa que os homens não devem ser obrigados a cooperar ou preocupar-se com o bem-estar dos outros, através do pagamento de impostos ou com quaisquer outros esforços, atentando, assim, contra os modelos do Estado de orientação social-democrata,  do tipo socialista ou dos pressupostos defendidos por Rawls de uma justiça equitativa. Contudo, cabe ressaltar que Nozick, flexibilizando e de certa forma até negando o que defendia, sobremaneira, a figura de um Estado mínimo, limitado às funções restritas de proteção contra a força, o roubo, a fraude e da fiscalização do cumprimento de contratos firmados livremente entre as partes, ao final da sua vida (ele morreu em 2002) chegou à conclusão de que, se não houver um sistema de seguridade social que promova uma segurança mínima às camadas mais fragilizadas da sociedade, o poder do Capital não será suficiente para evitar a sublevação destas massas que, nada tendo a perder, farão a revolução tão temida pelas oligarquias.
 Todos eles, alguns com viés de esquerda, outros de direita, debruçaram-se sobre os problemas das desigualdades de renda e crescimento econômico, mas, de modo geral, o fizeram baseados em um empirismo de vivência pessoal ou, no máximo, do curto período de suas vidas ou da sua circunvizinhança.
O primeiro a valer-se de um estudo estatístico mais abrangente, pautado na coleta de dados para formular uma teoria econômica de caráter cíclico, foi Simon Kuznets que, em 1955 sugeriu que no curto prazo, o crescimento econômico seria acompanhado com um aumento na desigualdade de renda e que, no longo prazo, este movimento seria invertido, configurando uma curva em formato de U invertido (a curva de Kuznets), uma hipótese que ainda não desapareceu completamente e que, ainda hoje, é testada à luz de novos dados e procedimentos estatísticos. Em linhas gerais,  o pensamento de Kuznets pode ser sintetizado naquela frase tão usual no Brasil, durante o período chamado de milagre econômico brasileiro (de 1970 até 1980), de que era necessário “primeiro fazer crescer o bolo, para depois reparti-lo”.
Kuznets colocava que na transferência de população de um setor para outro – do tradicional agrícola para o moderno industrializado – ou agora, da indústria para as áreas de comércio e serviços, inclusive o financeiro, as desigualdades de renda aumentariam, pois, estes setores mais dinâmicos também são os mais ricos e mais desiguais. Isto se daria pela diferença de rendas da população destes setores, que podem ser observadas através da renda per capta média de cada um deles, assim como da renda setorial em relação à renda total e das desigualdades populacionais que tendem a ser superiores no setor urbano em relação ao setor rural. E dizer, o setor mais moderno demandaria inicialmente mais mão-de-obra qualificada até o ponto em que esta necessidade começaria a decair, em virtude do excesso de profissionais qualificados, o que reduziria os salários e, consequentemente, a demanda por trabalhadores com habilidades.
Kuznets acreditava que uma distribuição mais igualitária seria obtida através da concentração de poupança devido à menor participação na renda dos indivíduos já estabelecidos no meio urbano, um fenômeno que seria explicado pela capacidade de auferir renda superior nos residentes de áreas urbanas do que em indivíduos originários das áreas rurais. Fenômeno similar se poderia constatar entre os profissionais liberais quando comparados aos trabalhadores assalariados
No entanto, a realidade demonstrou que sua abordagem foi extremamente ingênua, muito embora sua metodologia estivesse correta, pois ele valeu-se de um período muito curto de análise e de coleta de dados, basicamente restrita aos Estados Unidos, entre os anos de 1913 e 1948. Kuznets desconsiderou que neste período, o mundo experimentou duas grandes guerras e um período de gigantesca depressão econômica (1929) provocada basicamente pelo excesso de produção, o que, se de um lado promoveu inicialmente o achatamento dos salários, de outro lado promoveu a sua elevação posterior frente a uma demanda provocada pela necessidade de novos produtos para o esforço de guerra e para a reconstrução, condições às quais se somaram violentos choques econômicos para combater as crises, principalmente para os detentores de grandes fortunas.
O aumento das desigualdades de renda e de crescimento econômico observado principalmente a partir da década de 1970, decorrentes, em parte à primeira grande crise do petróleo (1973) e, também, às mudanças políticas ocorridas principalmente no que tange à tributação e às finanças associadas à forma pela qual os atores políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e o que não é (a exemplo das ideias defendidas por Rawls e Nozick) evidenciou que a dinâmica da distribuição de riqueza revela uma poderosa engrenagem que ora tende para a convergência, ora para a divergência, mostrando que não existe qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam as forças desestabilizadoras, promotoras das desigualdades. Entenda-se aqui que os mecanismos que levam à convergência, reduzindo as desigualdades, são os processos de difusão do conhecimento e competências (investimento na qualificação e formação da mão-de-obra) compreendidos como os instrumentos capazes de fazer aumentar a produtividade e ao mesmo tempo reduzir as desigualdades. Já as forças de divergências são aquelas que garantem que os indivíduos com salários mais elevados se separem do restante da população de modo aparentemente intransponível, sobretudo quando atreladas ao processo de acumulação e concentração de riqueza em um mundo caracterizado por um crescimento baixo e alta remuneração do capital.

Quando a taxa de remuneração do capital excede substancialmente a taxa de crescimento da economia [...] então, pela lógica, a riqueza herdada aumenta mais rápido do que a renda e a produção, bastando que os herdeiros poupem uma parte limitada do seu capital para que ele cresça mais rápido do que a economia como um todo.
(PIKETTY, 2014, p 33)

Assim, podemos compreender como o capitalismo do século XX, principalmente a partir de sua segunda metade, e ainda de forma mais acentuada após a dissolução da União Soviética, em sua política de globalização, foi estruturado no consumo exponencial de bens e serviços, chegando ao século XXI de forma ainda mais agressiva na busca deste objetivo.
Agora, no despertar da segunda década deste século XXI, experimentando uma nova realidade, onde a concentração de renda aliada a uma onda de automação, que eliminou significativos postos de trabalhos e reduziu a capacidade de compra das pessoas, apesar do evidente barateamento e diversidade dos produtos oferecidos, e que, também, obrigou essas pessoas a realizarem vultosos investimentos em uma qualificação profissional, considerada em muitos casos, além da necessidade requerida para o desempenho de funções mais simples, em uma espécie de “mais valia”, o capitalismo acabou aumentando ainda mais as desigualdades, tornando-as insustentáveis e arbitrárias, o que obriga a todos nós a realizar uma profunda reflexão sobre os próximos passos que serão necessários para superar este problema.
Para que possamos compreender melhor este raciocínio, será necessária uma volta no tempo, entendendo como foram compostos os indicadores econômicos ao longo do século XX, onde esta relação capital / trabalho foi mais bem estudada e registrada e, também, de forma bem simplificada, como são compilados estes indicadores.
Em geral, pode-se dizer que, aqui evocando a primeira lei fundamental do capitalismo, a da relação entre capital e renda, que é expressa pela equação α = r x β, onde r é a taxa de remuneração média do capital e onde β mede a importância total do capital numa sociedade, que pode ser utilizada tanto para uma única empresa, quanto para um único país ou até  mesmo para o mundo inteiro, podemos começar compreender os efeitos da desigualdade.
Entenda-se aqui a renda como sendo o fluxo correspondente à quantidade de bens produzidos e distribuídos ao longo de um determinado período, geralmente um ano, e capital como sendo a quantidade total de riqueza (o conjunto de ativos não humanos) existente em dado instante.
A maneira mais natural e útil de medir a importância do capital em uma sociedade consiste, portanto, em dividir o estoque de capital pelo fluxo anual de renda β.
Exemplificando: Digamos que, se o valor total do capital de um país for o equivalente a seis anos[2] de renda nacional (o valor total, a preços de mercado, de tudo que os residentes e o governo de um país possuem) apurada como sendo o produto interno bruto de um país, PIB, (que é o conjunto de bens e serviços produzidos ao longo de um ano dentro do território de um determinado país), menos a depreciação do capital usado na produção, como a degradação de imóveis, obsolescência de máquinas e equipamentos, etc., ao qual se deve somar ou subtrair a renda líquida recebida ou enviada para o exterior, segundo a quantidade do capital pertencente a estrangeiros[3], teremos a relação entre capital e renda nacional : β = 6 (ou  β = 600%).
Assim, como a razão capital / renda β está ligada à participação da renda do capital na renda nacional, que denominamos como α, no nosso exemplo, seria:

α = r x β,  onde β = 600% e r = 5% => 
α = 600% x 5% => α = 30%

De onde deduzimos que, se a participação da renda do capital na renda nacional é de 30%, isto implica em dizer que a participação do trabalho na renda nacional é, portanto, de grosso modo, (100% – 30%)  igual  a 70%, o que justifica plenamente ser esta força de trabalho o objetivo maior do capitalismo, como o consumidora final dos bens e serviços produzidos.
Para entender melhor esta relação entre a taxa de remuneração e capital, tomemos o exemplo de que, estando na posse de um imóvel cujo valor de mercado (compra / venda) é R$ 500.000,00, do qual ao projetarmos auferir dele uma taxa de remuneração anual de 5%, este imóvel, se alugado, deveria gerar uma receita (5% de R$ 500.000,00) igual a um valor de R$ 25.000,00 por ano, ou ainda, como um valor de locação ao redor de aproximadamente R$ 2.083,00 por mês. Isto, é claro, sem descontar os impostos e as despesas de conservação com o imóvel, que precisariam ser somadas ao valor cobrado como aluguel.
Agora, antes de entrarmos num estudo mais detalhado sobre a participação da mão de obra na riqueza, faz-se mister salientar que, embora no sistema contábil que é aprovado internacionalmente, estejam registrados números que indicam um certo equilíbrio entre as várias nações, no quesito da participação do capital estrangeiro na riqueza nacional dos diversos países, ou seja, entre tudo que é enviado ou que se recebe do exterior, na realidade, numa análise mais apurada destes números, observa-se uma disparidade considerável, o que aumenta muito a desigualdade entre as nações consideradas ricas e aquelas ainda em desenvolvimento.
Por exemplo, no início de 2010, um período bem recente, os ativos externos líquidos detidos pelo Japão, que tem território limitado, poucas terras agricultáveis e escassez de recursos minerais, inclusive hidrocarbonetos, alcançaram 70% da renda nacional. A posição líquida da Alemanha, neste mesmo período, também não era muito diferente, apresentando um valor aproximado de 50% de sua renda nacional sendo composto de recursos vindos do exterior. Agora, o mundo inteiro observa a ascensão da China e dos países árabes que estão comprando um número significativo de ativos em outras nações.
Ademais, também é preciso considerar “uma relação pouco republicana” no comportamento de inúmeras empresas multinacionais, que enviam produtos para suas parceiras no exterior a preços irrisórios e ainda subsidiados por incentivos à exportação, evidenciando uma drenagem adicional de recursos não contabilizados de um país para outro.
A prática deste comportamento pode ser observado, por exemplo, no setor agropecuário, responsável por parcela significativa da riqueza nacional dos países em desenvolvimento, onde os custos de produção da proteína animal não consideram os impactos e danos ambientais que provocam, tais como o elevado consumo de água potável necessário para a produção da carne, ou a quantidade de metano gerado e depositado sobre o solo na forma de excrementos, principalmente quando comparados à produção da proteína vegetal, que também desconsidera à sua vez, os danos provocados ao solo e aos ecossistemas locais, pelo desmatamento, pelo uso de pesticidas,  fertilizantes, etc. Situação similar se pode observar também no segmento de mineração, onde os exemplos mais gritantes, apenas citando a drenagem de recursos não contabilizados do Brasil para o exterior, puderam ser observadas no caso da areia monazítica[4], do Tório, que foi tabelado, ou agora do Nióbio.
Somem-se à estas drenagens de recursos naturais e riquezas de um país para o outro, também os decorrentes da incorreta apuração de royalties[5]  ou do registro de patentes.
            Outros pontos a serem considerados, ainda antes de entrarmos em maiores detalhes nas questões sobre a distribuição de renda da participação do trabalho na riqueza nacional, são aqueles relativos aos processos de crescimento populacional,  demográfico e da produção por habitante, da renda per capta, do acúmulo de capital e da inflação.
Figura1
Do gráfico acima, pode-se inferir que a população humana demorou praticamente até os primórdios da Revolução Industrial para alcançar o patamar do primeiro bilhão de indivíduos quando, então, passou a experimentar um crescimento vertiginoso, quase exponencial em algumas regiões, como na Ásia por exemplo, até alcançar, neste início do século XXI, um número superior a sete bilhões de habitantes no planeta e, no gráfico abaixo, como se deu este crescimento a partir da metade do século XX por continente, bem como uma previsão deste crescimento até o ano de 2.100, momento em que estaremos próximos de alcançar o número de 12 bilhões de pessoas no planeta.
Figura 2
 Figura 3

Na tabela acima pode-se observar que o crescimento médio do PIB mundial, cresceu muito acima do crescimento populacional, principalmente no século XX, como resultado direto das inovações tecnológicas aplicadas à produção agrícola / industrial e aos bens e serviços, inclusive de comércio e finanças.
No entanto, quando comparamos este quadro do crescimento da população e da produção mundial com o quadro anterior, do crescimento populacional por continente, já temos condições preliminares de inferir que este crescimento da produção por habitante, não se deu na mesma proporção em cada um deles.
Assim, observando-se o quadro da próxima tabela, percebemos que a soma da população da União Europeia com a população dos Estados Unidos e Canadá, totalizando aproximadamente 13% da população mundial, são responsáveis por 41% do PIB mundial,  valor pouco inferior ao da Ásia, que sendo responsável por 61% da população mundial, respondem por apenas 42% do PIB mundial. Que dizer então do continente africano, que representando 15% da população mundial, é responsável por apenas 4,0% do PIB mundial. A América Latina, por sua vez, com uma população de aproximadamente 8,5% da população mundial, responde por aproximadamente 8,9% do PIB mundial, com renda per capta, comparativamente falando, um pouco melhor do que a média da Ásia, que, à sua vez explicita uma grande amplitude, que pode ser observada por seus extremos, de um lado o Japão, com população de aproximadamente 1,9% da população mundial e um PIB correspondente a aproximadamente 5,3% do PIB mundial, e do outro lado, pela Índia, com uma população de aproximadamente 17,9 % da população mundial e um PIB de 5,6% do PIB mundial. A situação pouco melhor da América Latina em termos de renda per capta (quase o dobro da asiática), mesmo com um PIB menor (cerca de um quinto do PIB asiático), é justificada pela maior população da Ásia.

Figura 4

     Estes indicadores que, per se, já evidenciam enormes desequilíbrios econômicos regionais e as consequentes desigualdades na renda per capta média entre os habitantes das distintas regiões do planeta indo, por exemplo, de € 2.870,00 Euros mensais nos Estados Unidos até de € 90,00 Euros mensais na Índia e na África Subsaariana (os países do continente africano localizados na região ao sul do deserto do Saara), já com os ajustes das taxas cambiais, conforme se pode observar na tabela acima, por sua vez não deixam de trazer, também, severas desigualdades na distribuição da renda dentro de cada país, agravando ainda mais este quadro geral, um tema que passaremos a tratar agora.
Uma das primeiras explicações para a grande desigualdade econômica e social que pode ser observada em um país, está na forma e no processo pelo qual se dá a concentração da renda nas mãos de uma parcela muito pequena de sua população. Neste processo, um dos primeiros vetores que provocam essas desigualdades e que precisam ser analisados é a forma como cada sociedade trabalha “ in corporis ” a questão das heranças e de como elas afetam a questão da acumulação do capital, tanto no médio quanto no longo prazo.
Primeiramente, é necessário destacar que a legalidade do direito à herança, não está sendo questionado neste trabalho, mas sim a maneira como ela ocorreu e a forma como as heranças contribuíram para o acúmulo de capital nas mãos de uma pequena parcela da população e de como elas ajudaram a aumentar a desigualdade econômica e social, principalmente quando consideramos que a taxa de remuneração do capital excede substancialmente a taxa de crescimento da economia.
Ou seja, para compreender melhor como as heranças podem alterar a distribuição da renda nas sociedades no longo prazo, voltamos a considerar a lei fundamental do capitalismo  α = r x β, onde r é a taxa de remuneração média do capital e β, que mede a importância total do capital numa sociedade e que também pode ser expressa pela equação β como sendo a relação entre a taxa de poupança “s” considerada com a taxa de crescimento “g” da renda nacional, expressa pela equação β = s/g, considerada como a segunda lei fundamental do capitalismo.
Assim, por exemplo, se um país poupar 12% de sua renda a cada ano e se sua taxa de crescimento for de 2% ao ano, no longo prazo, a razão entre capital e renda alcançará um valor de  (12 / 2 = 6) 600%, quando, então, o país terá acumulado o equivalente a 6 anos da renda nacional.
Neste caso, usando-se por analogia o mesmo procedimento para heranças, bastaria que os herdeiros poupassem uma parte da renda do seu capital para que ele crescesse mais rápido que a economia como um todo, fato conhecido de um período recente de nossa economia, quando tornava-se mais interessante deixar o capital investido no mercado financeiro do que aplicá-lo na produção de bens ou serviços que gerariam empregos e renda para a sociedade no geral. Uma atuação que per se, tornava-se um grande fator de conflito social, já que a significativa parcela mais pobre da população não compreendia e não via mérito no fato de que uma fortuna herdada pudesse produzir riqueza maior do que aquela que poderia ser alcançada em uma vida de trabalho, como pudemos observar pelo surgimento no Brasil de movimentos como o MTRST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MNLM (Movimento Nacional de Luta pela Moradia).

No plano simbólico, a desigualdade entre capital e trabalho é extremamente violenta. Ela bate de frente com as concepções mais comuns do que é justo e do que não é, e, portanto, não surpreende que o assunto às vezes acabe deflagrando agressões físicas. Para todos aqueles que nada possuem além de sua força de trabalho... é difícil aceitar que os detentores do capital, alguns dos quais, ao menos em parte, herdam essa condição, e que possam se apropriar de um montante significativo de riqueza produzida sem que tenham trabalhado para isso.
(PIKETTY, 2014, p 33)


Outro vetor significativo das desigualdades sociais e econômicas que podem ser observadas dentro de um país, está na mensuração da forma como essa população foi constituída e distribuída nas várias camadas sociais, a partir de sua composição étnica.
Para exemplificar este conceito, tomemos o caso da composição da população norte-americana que, no ano de 1800, contabilizava uma população escrava da ordem de 20% do total se sua gente, um porcentagem que foi reduzida a 15% do total no período imediatamente anterior à Guerra da Secessão (1861 / 1865), quando os estados do sul, os Confederados, contabilizavam uma população escrava que remontava a 40% do seu total (cerca de 4 milhões de escravos e 6 milhões de brancos) equivalente a 1,5 ano da sua renda nacional. E dizer, eram ativos (mercadorias) muito importantes, cujo preço unitário médio podia alcançar até U$ 2.000,00, um valor dez vezes superior que o preço médio mensal de um trabalhador livre, que girava ao redor de U$ 200,00. Destaque-se que, uma vez terminada a guerra, após o ano de 1868 os Estados Unidos facilitaram a imigração maciça de populações asiáticas para trabalhar, em condições análogas às da escravidão, na construção de sua ferrovia transcontinental e, posteriormente nos estados e cidades de sua costa Oeste, a exemplo de São Francisco, da mesma como fez com as populações nativas do México que habitavam os estados da Califórnia e do Texas, anexadas ao seu território. Na Europa, por sua vez, após a abolição da escravatura, dada a falta de mão de obra em boa parte de suas colônias, utilizou-se o artifício da contratação de trabalhadores, oriundos em  sua maior parte da Índia, onde a mão de obra era igualmente barata. Uma condição que persiste até hoje onde, na Inglaterra, a maior parte dos postos de trabalho mais braçais e menos remunerados, ainda são ocupados por  essa gente, uma condição que não deve mudar com o propalado Brexit [6].

                                                                                                                                              Figura 5

No Brasil, de acordo com o Censo demográfico realizado no ano de 1.872, segundo os dados corroborados pelo demógrafo Mario Rodart, coordenador do Núcleo de Pesquisa Histórica Econômica e Demográfica da UFMG, naquele momento, a população do Brasil que contava com pouco mais de 10 milhões de habitantes, tinha na sua composição aproximadamente 15,5% de escravos. Destaque-se que, durante os 350 anos em que o comércio de escravos era permitido (foi somente no ano de 1850 que foi promulgada uma lei que extinguia o tráfico internacional de escravos) entraram no Brasil algo como 4 milhões de escravos, uma população que, à época da abolição, já estava reduzida, como demonstrou o Censo a pouco mais de 1,5 milhão de pessoas, indicando que naquele momento, estes escravos eram considerados, tal qual no sul dos Estados Unidos, ativos financeiros (mercadorias), muito valorizados. Uma população que, após a libertação, foi abandonada à própria sorte, já que não receberam qualquer tipo de indenização pelos anos de infortúnio e que viu chegar ao país, até o ano de 1930, num projeto que tentava “embranquecer a população”, um número de aproximadamente 4 milhões de imigrantes europeus, pobres em sua grande maioria, vítimas que fugiam das agruras da Primeira Grande Guerra Mundial e da fome generalizada neste período, para trabalhar na lavoura, principalmente nas plantações de cacau e de café. Uma parcela significativa da população afrodescendente, continuou a trabalhar nas plantações de cacau na Bahia, de cana de açúcar no Nordeste e na extração de borracha na Amazônia legal, em situação análoga à que tinham durante o período de escravidão.
Denote-se que à esta população libertada e composta por miseráveis, por falta de opção, vieram formar as favelas nos morros ao entorno da Capital, no Rio de Janeiro, à qual também se somou boa parte das tropas que não eram mais utilizadas, oriundas da Guerra contra o Paraguai e dos conflitos internos para a pacificação do país. Assim, ao adentrar a segunda década do século XXI, (veja-se o quadro da figura 5) o Brasil, que continuou a receber um grande fluxo de imigrantes vindos da Europa e de outros países   da América Latina e do Caribe, conta com uma população miscigenada, onde aproximadamente 84% das pessoas vivem em áreas urbanas e onde pouco mais de  70% dos trabalhadores (com carteira assinada ou informais) recebem menos que um salário mínimo por mês[7]. Note-se que nestes quadros apresentados na figura 5, o IBGE salienta que 1% da população tem rendimentos 36 vezes maior que a metade da população com os menores salários, uma informação que completamos ao afirmar que deste 1% da população que recebe os maiores salários, entre 60 e 70% são funcionários públicos de carreira, que gozam de estabilidade no emprego e estão lotados (ou se aposentaram) principalmente nos poderes judiciário e legislativo.
Finalmente, analisaremos como um último vetor, que também está diretamente associado à promoção das desigualdades sociais e do crescimento econômico, a dívida pública e as formas como os governos lidam com ela.
Em linhas gerais, podemos dizer que o valor de uma moeda nacional está diretamente ligado à quantidade de ativos (públicos e privados) que um país possui. Antigamente, este valor era ancorado nas reservas de ouro, prata, etc., e como a necessidade de honrar de imediato as obrigações comerciais que demandam moeda, era muito menor do que o estoque destes metais, digamos 20 % do seu total, existia, na prática, uma quantidade de riquezas da ordem de 80% não tinha outra serventia, senão o seguro do capital transformado em moeda circulante. Este excedente, podia, então, ser transferido para o exterior, como forma de poder comprar mercadorias e alavancar o crescimento da economia, ficando o governo como avalista destes 80% contratados a descoberto. Ou seja, a riqueza nacional que passava, grosso modo, por este artifício a um valor nominal de 180% do total de suas reservas em ouro, prata, etc., podia ser transformada em moeda corrente para alavancar a economia, onde o governo, como administrador maior de todos os ativos existentes no país, ficava na condição de avalista desta moeda. Este ingresso adicional de recursos financeiros no país seria, em boa parte, então, utilizado para financiar ações visando melhorar a infraestrutura geral do país, ampliar e melhorar seu sistema de saúde, ampliar e melhorar seu sistema educacional, financiar pesquisas, atualizar os equipamentos militares, financiar projetos privados com potencial econômico, projetos para assegurar a autossuficiência de alguns produtos e serviços, ações para garantir a soberania territorial, assegurar o sistema previdenciário, e outros, muitos dos quais apresentavam uma taxa de retorno muito baixa, senão negativa, como no caso daqueles utilizados para custeio de parte da máquina pública, uma situação que obrigava os governos, de forma geral, a buscar no capital privado, os novos recursos adicionais para fazer frente a estas necessidades, via de regra, valendo-se da emissão de títulos da dívida pública, sobre os quais se comprometiam a assegurar uma certa taxa de retorno no momento do resgate. Esta condição de tomador de empréstimos que os governos passaram a adotar, trazia embutida a possibilidade de sua inadimplência, explicitando um grau de risco ao financiador que, para proteger-se, adotava uma política compensatória de juros. Ou seja, quanto maior o risco, maior os juros cobrados e maior a taxa de retorno cobrada, como forma de compensar este risco. Os governos, por sua vez, na condição de tomadores de empréstimo, para poder arcar com juros elevados, que no médio e longo prazo poderiam piorar significativamente seu resultado financeiro, adotaram uma política inflacionária, de desvalorização da moeda e do seu respectivo poder de compra, como forma de amenizar o custo real no momento de resgatar os títulos da dívida pública que haviam emitido, e dizer, com o artifício inflacionário, drenava recursos da própria sociedade para compensar estas perdas.
Ora, se como vimos nas páginas anteriores, a participação da renda na riqueza nacional é algo como 30%, enquanto que a participação do  trabalho na renda nacional é de 70%, fica evidente que a maior parcela dos custos decorrentes deste processo inflacionário, recairia sobre a massa trabalhadora do país, que veria o seu poder de compra ser reduzido drasticamente, aumentando, assim, significativamente as desigualdades sociais
Outro artifício que os governos utilizam em momentos de crise, tanto para fazer caixa e reduzir seu déficit nas contas correntes, quanto para cumprir programas e políticas de caráter liberal, na tentativa de reduzir a influência do Estado na sociedade, é o das privatizações.
Aqui cabe ressaltar que a maioria das empresas estatais foram constituídas para fomentar o desenvolvimento de áreas estratégicas, reduzindo a dependência externa ou para, até como forma de assegurar sua soberania, fomentar as condições de infraestrutura a fim de assegurar, tanto o desenvolvimento regional, quanto para assegurar o próprio domínio territorial, quando estas ações não provoquem o interesse do investidor do capital  privado.
Ocorre que, embora algumas empresas estatais tenham sua origem em processos indenizatórios de ressarcimento do Estado, a maioria delas foi constituída ou com o fruto das reservas monetárias do governo, que em primeira análise seriam oriundas dos impostos cobrados de toda a sociedade, ou de empréstimos junto ao capital privado, aumentando a dívida pública, cuja amortização se daria nas formas já descritas anteriormente. Neste caso, o que se desconsidera, é que, nestes processos de privatizações, estas empresas estatais deixam de fazer parte dos ativos comuns do Estado, na condição de res pública, como patrimônio do povo, passando para o capital privado, muitas vezes oriundos do exterior, via de regra sob as justificativas de melhorar sua eficácia, melhorar seu desempenho operacional, aumentar a sua capacidade de investimento ou mesmo para  cumprir metas de uma política liberal de redução da presença do Estado na vida dos cidadãos, sem o retorno pecuniário à população local que custeou a sua construção, o quem em última análise, também é uma forma de expropriação do quinhão proporcional das riquezas nacionais, de sua força de trabalho, o que também aumenta a desigualdade. Um exemplo extremo destes processos, foi o que ocorreu na Bolívia em anos recentes, quando o governo privatizou os direitos sobre o uso da água para uma multinacional que desejava cobrar dos cidadãos pela água da chuva  ou, em outro exemplo aqui, no Brasil, quando a exploração dos recursos naturais de uma determinada propriedade pública ou privada , pode, a critério do governo, ser vendido, como direito de lavra, a terceiros, sem que o detentor da posse territorial, seja indenizado por isso, como ocorre cotidianamente na exploração mineral nas reservas indígenas.
Este é o cenário que contemplamos neste momento.
Um planeta com pouco mais de 7 bilhões de habitantes, distribuídos em pouco mais de uma centena de nações, espalhados por vários continentes e que apresentam entre si, gigantesca desigualdade social e que evidenciam, também, diferenças substanciais na renda per capta de seus habitantes. Um planeta que, neste ano de 2.020, enfrenta uma grave crise sanitária que, além do elevado número de mortos, está provocando um gigantesco desiquilíbrio na economia mundial, quer pela paralização das atividades econômicas, quer pela mudança na matriz dos negócios, que são mais ou menos impactados segundo o poder de tecnologia (principalmente nas áreas de e-commerce e telecomunicações) que cada um deles alcançou.
Os estudos mais otimistas calculam que o PIB mundial sofrerá uma queda não inferior a 5 ou 6% como consequência desta crise sanitária, um número que poderá crescer ainda mais caso se demore para encontrar uma solução vacinal para combater esta pandemia. Isto implica, como podemos observar na tabela da figura 4, uma redução equivalente à supressão de toda a riqueza produzida, por exemplo, pelo Japão.
O resultado deste impacto na economia mundial trará, como consequência  imediata, uma redução muito significativa no número de pessoas empregadas que, à sua vez, não terão condições de cumprir com suas obrigações pecuniárias (aluguéis, prestações, custeio de planos de saúde, pensões, etc.), aumentando ainda mais esta crise e provocando um quadro de recessão global também maior, cujos sinais serão mais observados pelo significativo aumento nos índices de desigualdade.


Figura 6

 Note-se que não estamos falando do aumento da pobreza em caráter universal, até porque os detentores de um capital que seja suficiente para suprir suas necessidades e ainda para investir em ativos poderão, inclusive, lucrar neste momento, mas sim de um aumento da pobreza da expressiva massa de trabalhadores formais ou informais, de profissionais liberais e de pequenos empreendedores, pelo mundo inteiro, que serão obrigados a descer um degrau nas suas prioridades, segundo a pirâmide de Maslow, figura 6, provocando, como consequência, o  aumento das tensões sociais.
Estudos sociológicos mostram que é mais difícil e penoso para uma pessoa que experimentou os benefícios de  um certo grau de desenvolvimento econômico e social, precisar retornar para uma situação anterior, do que para uma pessoa que não tenha experimentado esta ascensão social, privar-se desta possibilidade, o que poderia ser exemplificado, pela grande dificuldade de uma população que experimentou viver em um regime democrático, e de garantia das liberdades individuais, precisar ser obrigada a viver sob a égide de um regime ditatorial.
Fizemos a inclusão deste último parágrafo, pela real possibilidade de que, dado o agravamento da fragilidade das economias e do comércio em termos globais, e diante do aumento das desigualdades, vejamos surgir de forma exponencial, a adoção de regimes nacionalistas, integralistas, xenofóbicas e fascistas por governos ou nações vítimas desta crise mundial, que podem, inclusive, fazer brotar conflitos armados de menor ou maior extensão nos próximos anos.
Coloca-se, então, para propiciar a retomada das atividades econômicas e a distensão das animosidades regionais, reconhecer a necessidade de que os critérios desenvolvimentistas adotados nos últimos séculos, em que a primazia do sistema capitalista é inconteste (o capital tendo por meta produzir apenas e tão somente mais capital), sejam repensados e repactuados, alcançando-se um novo patamar de desenvolvimento humano, onde o foco principal seja alcançar a maior felicidade possível. E dizer, onde a prioridade passe a ser o homem no desenvolvimento pleno de suas potencialidades, como meta a ser alcançada acima do mero acúmulo de capital.
Ou seja, concordando com o pensamento de John Rawls ou mesmo o manifesto por Robert Nozick, em seus últimos dias, reconhecer a necessidade de um gigantesco movimento mundial para reduzir os níveis de desigualdade e de crescimento econômico regionais, que priorizaria, superando as premissas do estoicismo, o homem acima de tudo. O que poderia ser feito criando-se grandes linhas internacionais de financiamento público e privado, a fundo perdido para, promover uma justiça distributiva, erradicar a pobreza e o analfabetismo em nível global, desenvolvendo programas consistentes de melhoria da saúde, através de ações visando melhorar a condições de saneamento básico, alavancar programas de construção de moradias e de geração de emprego, recuperação ambiental e preservação dos ecossistemas, alavancando as atividades econômicas na indústria de base e criando as condições para a retomada da normalidade das relações comerciais o que, de maneira geral, seria a melhor forma para assegurar a volta à normalidade e fortalecer, no médio prazo, a própria economia global.
Paradoxalmente, uma parcela considerável da riqueza mundial que ainda está, nestes dias, sendo utilizada para a execução de projetos, que no longo prazo, visam povoar outros planetas, o que é, em si, uma contradição, já que ainda não conseguimos fazer isso de forma racional e harmônica aqui mesmo, ou para a produção de armamentos que nunca serão utilizados (dada as evidentes consequências de tentar fazê-lo), e que poderiam servir para promover programas de irrigação, distribuição de água potável, de produção de alimentos ou mesmo programas vacinais, são questões que precisaremos equacionar, antes mesmo de que esta atual crise sanitária seja superada.
Depois dela, uma nova relação entre povos e nações será construída e, por bem ou por mal, conforme preconizava Lênin, em sua obra “O imperialismo, etapa superior do capitalismo”, uma nova revolução será colocada em marcha, cujos caminhos e objetivos finais, precisamos escolher agora.

  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] A mão invisível, um conceito que inicialmente foi introduzido por Adam Smith em seu livro Teoria dos Sentimentos Morais, escrito em 1759, invocando-o em referência à distribuição de renda, descreve "benefícios sociais não intencionais" oriundos de ações de um indivíduo em interesse próprio.
[2] Hoje em dia, nos países desenvolvidos, a relação entre capital e renda em geral β, se situa entre cinco e seis anos da receita nacional e, em países como o Brasil, entre 3 e 4 anos da receita nacional, isto sem descontar os impostos.
[3] Para compreender melhor este conceito de capital pertencente a estrangeiros e como ele impacta a renda nacional, tomemos o exemplo de um país, digamos a Inglaterra, a França, a Espanha ou Portugal,  que durante o período colonial detinham uma boa parte do capital de outros países, tinham a sua renda nacional bem maior do que a sua produção interna. Uma situação análoga à presença de empresas multinacionais atualmente, onde boa parte dos ativos destas organizações, onde quer que sejam construídos, somam-se à riqueza nacional do seu país sede.
[4] Areia monazítica, é um tipo de areia que possui uma concentração natural de minerais pesados, muito importante na indústria nuclear, que foi contrabandeada em enorme quantidade para fora do Brasil, como se fosse lastro de produtos artesanais de cerâmica exportados.
[5] Royalty  é o termo utilizado para designar a importância paga ao detentor ou proprietário ou um território, recurso natural, produto, marca, patente de produto, processo de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia.
[6] A sigla Brexit é uma junção de “Britain” e “exit”, que em português significa saída do Reino Unido (da União Europeia). O Brexit, opção que venceu o plebiscito, consiste basicamente no desmembramento, por parte do Reino Unido, do bloco da União Europeia.
[7] Dados compilados a partir da Pnadc – Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua, do IBGE.

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