segunda-feira, 15 de junho de 2020

CUIDADOS COM A PICADA DA COBRA

O problema de tentar conhecer o pensamento de um autor somente através da leitura de seus comentadores, remete àquela história do homem picado em sua genitália por uma cobra e que, mal conseguindo andar, foi levado por um amigo para uma tribo indígena em busca de socorro.

Lá chegando, como ele mal conseguia andar, seu amigo foi falar com o pajé da tribo para saber qual o melhor tratamento de urgência que poderia ser feito para salvar o doente.

Informado de que, nestes casos a solução emergencial para tal situação, seria fazer uma pequena incisão no local da ferida e chupar o veneno, o amigo volta, então, cabisbaixo, para explicar ao pobre infeliz, que segundo a resposta do médico da tribo, o seu caso era muito grave e que ele iria morrer em decorrência daquele ferimento.

Sem uma análise crítica sobre o modo de ser do comentador, sua capacidade como um tradutor fidedigno dos textos e, considerando, também, os aspectos anacrônicos, sociais, políticos ou mesmo geográficos que poderiam influenciar suas “opiniões”, incorre-se, quase sempre, na possibilidade de comprar gato por lebre.

Assim, quando analisamos, por exemplo, textos sobre o pensamento de personagens históricos, como os filósofos da Grécia Antiga, que foram produzidos por doxógrafos como Platão, Aristóteles, Diógenes Laércio, Estrabão ou Jâmblico, dentre outros, em épocas diferentes ou que defendiam correntes diferentes, este problema fica patente.

Isso também se poderia dizer sobre textos produzidos no período da patrística, da idade média, moderna ou contemporânea, de origem árabe, latina, celta ou outra qualquer.

Vejamos, por exemplo, a análise de conceitos ou propostas defendidas por autores recentes, como Heidegger, que foi acusado, com muita propriedade, de colaborar e defender o regime nazista, vigente na Alemanha, durante o período da Segunda Grande Guerra. Sem contextualizar este fato e, também a forma como seus comentadores lidam com ele, é incorrer no mesmo problema.

Que diremos então de Marx? De Nietzsche? Kant? Edmund Burke ou John Locke?

Ler os comentadores sempre é importante para o neófito na leitura dos textos, principalmente para que se conheçam as possíveis “diferentes chaves de leitura” sobre eles, lembrando-se que é necessário ter em conta e verificar as observações, na medida do possível, de mais de um comentador para o mesmo autor, entendendo-se, ao final, que todo este processo é apenas preparatório para a leitura obrigatória dos textos originais, os únicos que realmente fornecerão as informações necessárias para que se forme uma compreensão válida sobre o autor estudado.

Professor Orosco

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