quarta-feira, 21 de abril de 2021

TEMPESTADE DE AREIA


Uma das características do Necropoder que pode ser observada neste século XXI, implantado e incentivado por um capitalismo globalizado, que visa apenas a acumulação infinita, é a fragmentação do Estado (outrora Nação) em minúsculos territórios comandados por milícias ou facções de toda ordem.

Diante da incapacidade do Estado, que teima em ser mínimo, mas não abre mão dos custos máximos, ao não oferecer as mínimas condições de segurança, habitação, saneamento, saúde e até o mais importante, uma educação de qualidade, a precarização das comunidades urbanas (leia-se favelas) só faz  fragmentar os nichos populacionais dando margem ao surgimento da violência, só contida por lideranças locais.

Assim, os Antigos Estados Nação, do século XVI, reduzidos a países no século XIX, que passaram a ser apenas Estados lá pelo meio do século XX e apenas municípios no despertar do século XXI, veem-se agora reduzidos a guetos, morros ou zonas cardeais que, dentro de um mesmo município, tem regras próprias, leis próprias, costumes e até uma língua própria, distinta da oficial e que é ensinada nas ruas, sob a égide de um governo não eleito e sustentado pelas armas e pelo terror associado a elas.

Em um Estado onde os representantes não representam, onde a corrupção campeia, onde o trabalho é pouco e a miséria é muita, o futuro dos jovens não está mais na Academia, está na biqueira e na oportunidade de ascensão profissional que ela oferece àqueles que almejam um futuro imediato, já que sabidamente a vida será curta.

Neste terreno erodido, pelo mundo afora, a sociedade se desintegra, varrida pelas sucessivas tempestades de areia, ocorram elas na interminável guerra da Síria (onde areia não falta) no Afeganistão, na Palestina, na Somália, em Atlanta, capital da Geórgia americana (a outra, a soviética, nem existe mais) ou nos morros do Rio (a outrora cidade maravilhosa). 

Ainda poderíamos dizer o mesmo,  sobre os bairros da zona norte paulistana, cuja língua é diferente da zona zul e onde a ZL sequer imagina o que é zona oeste.

A Síria de hoje, me faz repensar a história de Jerusalém, nos tempos das Cruzadas e de Saladino, que a libertou dos libertadores cristãos, quando disse que estrategicamente, em termos militares, aquela cidade cercada de areia, não valia nada, mas valia tudo.

Hoje vivemos em uma sociedade que de sólida passou a fluída e que agora é levada pela vento e pela areia que se move sem sentido, como as dunas do nordeste que, movendo-se soterram cidades e sonhos.

Nem o passado sobrevive a ela.

Como no caso dos beduínos do deserto, nômades vitimados até pelo canibalismo, a estas tribos novas tribos urbanas só  restaram para comer, os gafanhotos ou, na sua ausência, as próprias baratas.

Talvez isso explique a fixação pelas tempestades de areia comuns em Marte, que se mostra aparentemente mais habitável para uma camada mais abastada de nossa gente, que ainda sonha mudar pra lá levando consigo todas as criptomoedas que conseguiram  manter armazenadas no cyber espaço.

Triste ocaso para uma espécie que veio do pó e que a ele deseja voltar.


Professor Orosco.

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