Resumo: O presente trabalho destina-se a apresentar, baseado em um método de abordagem qualitativa, fundamentado no estudo de caráter hermenêutico, que se pode depreender particularmente, a partir da leitura do livro “Eichmann em Jerusalém”, o sentido da banalidade do mal para Hannah Arendt. Mostrar, a partir da análise do conjunto de sua obra, que a questão do Mal, independentemente do período histórico observado ou da localização geográfica da população estudada, está diretamente ligada à característica desejante e individualista da espécie humana, denotando uma incapacidade modal de pensar e agir considerando o ponto de vista do outro.
Palavras
Chave: Banalidade do Mal, Mal Radical, Totalitarismo, Massas,
Judeus
Abstract: This paper is intended to present, based on a
qualitative approach method, based on the hermeneutic character study, which
can be seen particularly from the reading of the book "Eichmann in
Jerusalem", the sense of the banality of evil for Hannah Arendt. Show,
from the whole analysis of his work, that the question of evil, regardless of
observed historical period or geographical location of the study population, is
directly linked to the longing and individualistic characteristic of the human
species, showing a average inability to think and act considering the
perspective of the other.
Keywords: Banality of Evil, Evil Radical,
Totalitarianism, Masses, Jews
1
– INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se a apresentar, baseado em
um método de abordagem qualitativa, fundamentado no estudo de caráter
hermenêutico, que se pode depreender particularmente, a partir da leitura do
livro “Eichmann em Jerusalém”, o
sentido da banalidade do mal para Hannah Arendt. Publicada no ano 1963 e considerada por
muitos a mais polêmica dentre todas as escritas pela “teórica da política”, como preferia ser chamada esta importante
filósofa que viveu entre os anos de 1906 e 1975, esta obra foi compilada a
partir das anotações realizadas por ela quando testemunhou o julgamento do
carrasco nazista Otto Adolf Eichmann, responsável pelo envio de milhões de
judeus para os campos de extermínio durante a Segunda Grande Guerra.
Mostrar, como objetivo geral deste trabalho, que as
conclusões às quais chegou Hannah Arendt acerca da banalidade do mal,
evidenciam que aquele indivíduo só foi capaz de praticar os atos que
possibilitaram o holocausto do povo judeu na Europa, porque existia, escondida
sob a égide e o controle de um governo totalitarista, uma sociedade
burocratizada e descompromissada com os “valores
humanos”, que eliminou o senso comum.
Mostrar,
a partir da análise do conjunto de sua obra, que a questão do Mal,
independentemente do período histórico observado ou da localização geográfica
da população estudada, está diretamente ligada à característica desejante e
individualista da espécie humana, denotando uma incapacidade modal de pensar e
agir considerando o ponto de vista do outro (ARENDT, 1999).
Mostrar que o desapego da massa, compreendida como o
conjunto de pessoas não especificamente qualificadas, portanto não as ‘massas operárias’, mas o conjunto de
homens médios, comuns, banais e cumpridores dos deveres, que só emergem dela
para exercer uma função específica, durante um tempo determinado, findo o qual
retornam ao anonimato dentro de uma multidão amalgamada, confusa e distante da
realidade, formam o ingrediente básico para possibilitar o surgimento de
indivíduos distanciados da realidade, incapazes
de reflexão e capazes de gerar mais devastação do que todos os maus instintos
juntos (GASSET, 2016).
Mostrar que esta alienação da massa se dá como
consequência da não constatação de que, ao contrário dos eventos, a história se
dá em um tempo não linear homogêneo e vazio, mas em um tempo ‘saturado de agoras’, que faz explodir o
continuum da história (CORREIA, 2007)
e que, por sua própria característica de apatia política, este distanciamento
do privado em relação ao público, possibilita o surgimento de regimes
totalitários (ARENDT, 2012).
Mostrar que estudar e tentar compreender o estudo
desenvolvido por Hannah Arendt acerca da banalidade do mal se justifica perante
a necessidade premente que temos, enquanto críticos sociais, de oferecer possíveis
questionamentos e reflexões para essa massa alienada, dotando-a de mecanismos
que visem conter a possibilidade de ver surgir, num futuro próximo, outro
Eichmann que venha a assombrar o mundo.
Mostrar que, apesar de
passados tantos anos, o mesmo modelo alienante e burocratizado da máquina
pública, instituído pelo Cardeal Richelieu durante o reinado de Luiz XIII no
século XVII para servir aos governos tirânicos, ditatoriais ou absolutistas foi
potencializado pelos governos totalitários, que lhe deram um caráter
ideológico, tanto na Alemanha nazista quanto na União Soviética Stalinista, não
só prosperou como ainda está presente na maioria dos Estados modernos,
alimentando as condições para a mantença do mal banal.
Para
tanto, os procedimentos metodológicos utilizados na elaboração deste trabalho
incluíram uma abordagem qualitativa, para uma pesquisa de natureza explicativa,
que utilizou como técnica de pesquisa levantamentos bibliográficos,
particularmente dos escritos de Hannah Arendt.
Desta forma, considerando-se
que a Filosofia não serve para nada, que não precisa de proteção, nem de
atenção ou simpatia da massa, entende-se o porquê dela se declarar liberta da
submissão a ela; liberta da tarefa de precisar se justificar perante o homem
médio, podendo exercer livremente a exegese dos textos, particularmente das
leis e as atividades hermenêuticas do discurso. Neste
contexto, entendendo que as palavras ditas ou escritas podem ser compreendidas
segundo os desejos de quem as ouve ou lê, como tão bem explicado pela
semiótica, o filósofo pode, desde que livre de preconceitos ou ideologias, como
demonstrou Hannah Arendt, mais que o filólogo, perceber as mazelas da política
e dos reais interesses por trás dos atos políticos. Compreender que, no
discurso político, “duo si idem dicunt, non est idem” (mesmo que dois
digam a mesma coisa, não dizem o mesmo), também pode ocorrer que “eadem
dicunt sed aliter” (digam o mesmo, mas de outro modo), a exemplo do que
dizia Carlos V de seu primo Francisco I, declarado seu inimigo durante a guerra
dos 30 anos: “Meu primo Francisco e eu estamos completamente de acordo:
nós dois queremos Milão”.
Finalmente,
mostrar que este trabalho destinado a estudar e compreender o
pensamento de Hannah Arendt acerca da banalidade do mal se justifica, também, ao
valer-se dos conceitos da ‘genealogia da
história e genealogia do poder’, desenvolvidos posteriormente por Michel de
Foucault em sua Microfísica do Poder (2016),
para evidenciar as forças subterrâneas que permitiram o surgimento do
totalitarismo, ponto de partida para a nossa filósofa.
2 – A ORIGEM DOS QUESTIONAMENTOS SOBRE O PROBLEMA
DO MAL
Hannah
Arendt, cujo nome completo é Johanna Cohn Arendt, nasceu em Hanover, Alemanha,
no ano de 1906, em uma família judaica civil de classe média. Passou sua
infância em Königsberg (a cidade de Kant) na Prússia Oriental, atual
Kaliningrado, Rússia. Após a morte do pai, aos sete anos de idade, mudou-se com
a mãe para Berlim onde começou a se interessar pela filosofia. Seus interesses
iniciais encontravam-se entre a filosofia de Kant e a de Karl Jaspers. Entre
1924 e 1926 frequentou a universidade em Marbug, onde foi iniciada na filosofia
por Martin Heidegger. Para ela, um acontecimento decisivo e marcante em sua
vida foi o incêndio do Reichstag
e as subsequentes prisões daquela noite de 1933, onde, a partir de então,
ela presenciou em primeira mão, o surgimento da Alemanha nazista, quando perdeu
vários amigos e foi obrigada a emigrar. Estabeleceu-se em Paris onde ajudava a
levar crianças para a Palestina até que a ascensão do governo Vichy
forçou-a ao confinamento em um campo de concentração em Gurs, França, no
ano de 1940, do qual conseguiu fugir. Nesta fuga, registra-se a morte de Walter
Benjamin, um importante ensaísta, filósofo e sociólogo judeu alemão, seu
companheiro de viagem, durante a passagem dos Pirineus quando, em Portbou,
foram parados pela polícia espanhola. Temendo ser entregue à Gestapo, Benjamin
teria cometido suicídio, ingerindo uma grande quantidade de morfina, enquanto
aguardava a deportação. O trágico desta passagem é que no dia seguinte, as
autoridades espanholas permitiram a passagem dos refugiados. Arendt ficou com
seus manuscritos que veio a publicar posteriormente, quando finalmente emigrou
para os Estados Unidos, com seu segundo marido, Heinrich Blücher. É de Benjamin
a frase “a história se dá em um
tempo não linear homogêneo e vazio, mas em um tempo ‘saturado de agoras’, que
faz explodir o continuum da história”, na obra Teses Sobre o Conceito de História (14ª tese) com a qual Arendt
concorda em sua obra A Condição Humana (escrita
em 1958) e citada por Adriano Correia (2007) em seu livro sobre ela.
A
descrição que Arendt faz do método de Walter Benjamin é esclarecedora, pois ela
o cita na ocasião em que descreve seu próprio trabalho. Arendt afirmava que
Benjamin era como um mergulhador em busca de pérolas, que escavava as profundezas
da história a fim de extrair e trazer à tona ricas e exóticas pérolas e corais
da profundidade. (FRY, 2010, p.18)
Diante do exposto, desta experiência
pessoal vivida por ela, pode-se depreender o porquê de Arendt demonstrar
especial interesse pela teoria filosófica e prática política, o que a
classificou, para fins acadêmicos, como fenomenóloga, já que a fenomenologia é
um tipo de filosofia que começa com a experiência vivida do ser humano, bem
como seu particular interesse sobre o surgimento da política totalitária.
Registre-se que o interesse demonstrado por ela se dava, principalmente, pela
inadequação da teoria filosófica tradicional no trato das diversas opiniões das
pessoas, para tratar com este tipo de regime totalitário, particularmente sobre
o tema do mal.
Em sua obra Origens do Totalitarismo, publicada em 1951, ela busca explicar o
surgimento dos regimes totalitários no século XX, traçando a história do
pensamento racial e do imperialismo que levaram a tais movimentos. Neste livro,
mais do que uma história dos fatos, ela procura descrever o movimento
genealógico dos modos de pensar da época, os “movimentos subterrâneos”, que
culminaram no surgimento do totalitarismo e na barbárie que adveio dele.
Destaque-se que ela considerava como
totalitarismo apenas os regimes da Alemanha nazista e o Stalinismo vigente na
União Soviética, do qual ela mesma admite ter estudado pouco, principalmente
diante do fato de que, na época que viveu e escreveu, as condições para um
estudo mais aprofundado eram limitadas (o regime vivia um período de censura que
ficou conhecido como “Cortina de Ferro”)
e que sua experiência maior se dava em relação ao nazismo.
3 – A ORIGEM DO TOTALITARISMO
Segundo
do Dicionário de Política (BOBBIO,
2010) existem várias “teorias clássicas do totalitarismo” sendo o termo
utilizado, de forma abrangente, para designar ditaduras monopartidárias,
estendendo-se desde as fascistas às comunistas que, conforme Carlton H. Hayes
tinham por características a monopolização de todos os poderes no seio da
sociedade, a necessidade de gerar uma sustentação de massa e o recurso às
modernas técnicas de propaganda, complementadas pela observação de Sigmund
Neumann
que colocou em destaque o movimento permanente, que atinge numa mutação
incessante, os próprios procedimentos e instituições políticos. Todavia, ainda
segundo Bobbio, o uso da palavra totalitarismo para designar todas ou algumas
ditaduras monopartidárias fascistas ou comunistas se generalizou somente após a
Segunda Guerra Mundial, quando foram formuladas as teorias de Arendt (objeto de
nosso estudo) e as de Friedrich-Brzezinski,
para os quais, diferenciando-se dela, não se reconhecem no regime totalitarista
nenhum fim essencial ou conatural; não se reconhece a personificação do poder
totalitário na figura do líder (Führer); os quais consideravam ainda, como regimes
totalitários, além do nazismo e do stalinismo, o regime fascista italiano, o
regime comunista chinês e os comunistas do leste europeu.
Hannah Arendt entendia serem regimes
totalitaristas apenas o regime nazista adotado pela Alemanha durante o período
do comando de Hitler e o regime comunista adotado na União Soviética durante o período
do comando de Stalin. Todas as demais citadas, para ela, eram apenas tiranias
políticas. Faça-se o aparte de que ela considerava o regime totalitarista do
nazismo limitado no tempo à vida de Hitler o que não ocorreria, segundo ela, no
regime stalinista, que deveria superar o tempo de vida de seu líder supremo. A
diferença capital entre os dois regimes, o nazista e o stalinista, para ela,
estava na adoção de uma ideologia pautada na história (stalinismo) ou na
natureza (nazismo). No livro Origens do
Totalitarismo, citado anteriormente, dividido em três capítulos distintos, ela
explana melhor este ponto de vista, ao analisar alguns dos “movimentos
subterrâneos” que geraram o totalitarismo, como veremos na sequência.
3.1 – Antissemitismo
Para
Hannah Arendt, o racismo do nazismo estava ligado aos judeus de modo
específico, embora hoje se reconheça que não foi único,
e o foco principal da filosofia política do Partido Nacional Socialista Alemão
dos Trabalhadores assumiu, para ela, um ódio e uma suspeita dos judeus.
Dispersos pelo mundo desde a destruição do Templo de Jerusalém (no ano 70),
os judeus não possuíam um território ou um Estado próprios. Tal condição, que
os tornava dependentes de autoridades não judaicas, segundo a região em que
viviam, despertava neles o desejo de possuir uma terra própria (constituir uma
nação judaica) e colocava em marcha o movimento político filosófico pela sua
autodeterminação (sionismo) ao mesmo tempo em que provocava nos nativos uma
desconfiança e um preconceito, chegando muitas vezes ao ódio declarado contra
eles, em maior ou menor grau, movimento denominado antissemitismo.
Como durante a maior parte da idade
média os judeus foram proibidos de possuir propriedades, boa parte deles acabou
se dedicando às atividades de comércio e da prestação de serviços
administrativos para aqueles que detinham títulos nobiliárquicos, chegando a
ocupar boa parte dos cargos da administração pública à época do reinado de Luiz
XIII, na França, durante o século XVII .
Nestas tarefas, chegavam a determinar indenizações e administrar os espólios de
guerra entre disputas locais; determinar as formas de pagamento dos tributos
pelos vassalos e a controlar as finanças de seus senhores, o que lhes garantia
certos privilégios, já que eram favorecidos nas cortes aristocráticas, embora
tratados como um grupo separado, sem direitos políticos integrais.
Com o advento da Revolução Francesa,
a queda do Antigo Regime e o surgimento do Estado Nação,
o povo francês passou a odiar os aristocratas no momento em que estes perderam
o poder, principalmente porque essa rápida perda de poder não foi acompanhada
pela redução em suas fortunas, já que eram tidos como parasitas, nobres
transformados em cidadãos sem qualquer função na condução do país.
O que faz
com que os homens obedeçam ou tolerem o poder e, por outro lado, odeiem aqueles
que dispõem da riqueza sem o poder é a ideia de que o poder tem uma determinada
função e certa utilidade geral. Até mesmo a exploração e a opressão podem levar
a sociedade ao trabalho e ao estabelecimento de algum tipo de ordem. Só a
riqueza sem o poder... não exerce atividade política. [...] A riqueza que não
explora deixa de gerar até mesmo a relação existente entre o explorador e o
explorado. (ARENDT, 2012, p. 27)
Tal
situação agravou a situação dos judeus na França, onde o Estado Nação recém-constituído
reconheceu seus direitos (no regime monárquico os seus direitos políticos não
estavam assegurados), sem, contudo, demonstrar interesse pelo seu bem-estar, o
que possibilitou o aparecimento de um antissemitismo generalizado, já que eram
vistos pela população como ricos burocratas em situação similar ou pior que a
dos aristocratas.
Do
colapso da ordem feudal surgiu o conceito revolucionário da igualdade, segundo
o qual não se podia mais tolerar uma “nação dentro de outra nação”. Por
conseguinte, as restrições e os privilégios dos judeus tinham de ser abolidos
juntamente com todos os outros direitos especiais. [...] quando a partir do
século XVII a expansão econômica estatal aumenta a necessidade de créditos e o
alargamento da esfera de influência econômica do Estado, era natural que se
recorresse ao auxílio dos judeus, velhos e experimentados emprestadores de
dinheiro, com ligações com a nobreza europeia. Era do interesse dos Estados
conceder aos judeus certos privilégios em troca e trata-los como grupo à parte.
(ARENDT, 2012, p.37)
E dizer, cronologicamente para a
população europeia como um todo, com o advento da Revolução Francesa conquistou-se
a igualdade; depois, com a necessidade de dinheiro para implementar as
reformas, vieram os privilégios, com os quais quebrou-se este princípio de
igualdade, criando-se, assim, uma nova classe economicamente dominante. Contra
esta classe dominante, estabeleceu-se o repúdio e a hostilidade, fechando-se um
círculo antissemita por toda a Europa. Destaque-se que entre os judeus mais
ricos, encontravam-se os Rothschild, uma família que detinha um capital maior
que o de muitas nações, suficiente para financiar, por exemplo, a construção do
Canal de Suez e posteriormente o Canal do Panamá.
A
emancipação resultava claramente da gradual extensão de privilégios –
originalmente concedidos a apenas a alguns indivíduos e, depois, a pequenas
camadas de judeus ricos – e que passaram a ser outorgados a todos os judeus da
Europa central e ocidental. (Ibidem, Loc. Cit.)
Outra característica do povo judeu que
ajudava a acentuar o movimento antissemita na Europa era o seu desejo de
constituir um território próprio, autônomo, evidenciando o pouco compromisso
com os territórios que os acolhiam, à exemplo do que fizeram os hebreus
recebidos no Egito quando da invasão dos hicsos, o que fazia com que fossem vistos
com extrema preocupação e desconfiança, já que um dos alicerces do Estado Nação
era justamente o nacionalismo.
O poder financeiro da população
judia, como veremos mais adiante, teve, também, um papel fundamental na escolha
pelos nazistas como o povo escolhido por Hitler para ser exterminado, já que,
sob a ótica militar, eliminar os judeus era uma das formas de eliminar as
fontes organizadas de financiamento da capacidade de resistência à ocupação militar
da Europa pelas tropas do Reich.
Seja como
párias, seja como novos-ricos, o povo judeu não era aceito na Europa e, para
Arendt, seu status de pária ou de novo-rico foi um fator importante que abriu a
porta para o antissemitismo desenfreado no começo do século XX. (FRY, 2010, p
28)
3.2 – Imperialismo
Conforme o prefácio do capítulo
sobre o imperialismo na obra Origens do
Totalitarismo de Hannah Arendt corroborado pelo texto de Bobbio em seu Dicionário de Política, ‘poucas vezes o
começo de um período histórico pôde ser datado com tanta precisão, e raras
vezes os observadores contemporâneos tiveram tanta possibilidade de presenciar
o seu fim definitivo, como no caso da era imperialista’ (ARENDET, 2012).
Marcado pela expansão dos Estados
nacionais, da burguesia e da necessidade de expansão comercial no final do
século XIX, as políticas imperialistas que buscavam aumentar a riqueza dos
colonos careciam do pensar racial para justificar-se. Neste contexto, tais
políticas resgataram o pensamento do quase esquecido diplomata, etologista e
filósofo francês, Joseph-Arthur de Gobineau, o Conde de Gobineau (1816/1882)
que desenvolveu uma teoria
segundo a qual, como a mistura de raças era inevitável, levando em consequência
a raça humana a graus sempre maiores de degenerescência, tanto física quanto
intelectual, tornavam-se necessárias medidas de contenção para assegurar a
superioridade da raça branca sobre as demais. Ele atribuía aos povos Arianos,
os alemães, uma posição de destaque como o povo mais civilizado da Europa.
Sustentava a teoria de que o destino das civilizações seria determinado pela
composição racial e que os brancos, e em particular as sociedades arianas
floresceriam desde que ficassem livres dos pretos e amarelos. Para ele, somente
a raça branca, como ‘criadora da civilização’, possuía as virtudes mais
elevadas do homem: honra, lealdade, amor à liberdade, etc., qualidades que
poderiam ser perpetuadas apenas se a raça permanecesse pura. Em sua opinião os
judeus e os povos mediterrâneos haviam degenerado devido à miscigenação ao
longo da história e, somente os alemães haviam preservado a pureza ariana.
Assim, no período que se passou
entre o fim dos ‘Estados Pontifícios’
(1870) e o início da Primeira Grande Guerra Mundial, observou-se um movimento
de expansão e dominação europeia com a consequente repartição da África entre
os Estados europeus e de boa parte da Ásia entre os Estados Unidos e o Japão.
Nesta expansão, diferentemente da construção de um império, como o dos romanos,
o imperialismo não incluía na nação os povos estrangeiros depois destes terem
sido conquistados. Os colonos, como africânderes,
viam a si mesmos como aventureiros e consideravam os povos nativos como
selvagens que se comportavam semelhantemente à natureza. Portanto, não havia da
parte deles nenhum reconhecimento da dor ou do sofrimento causados, uma vez que
os nativos eram tratados como matéria-prima cuja força de trabalho podia ser
usada.
Para
Arendt, a mudança de uma aristocracia política para Estados-nação no século XIX
também levou ao surgimento do totalitarismo. A riqueza da classe média começou
a crescer e expandiu-se em investimentos imperialistas estrangeiros que eram
motivados por um relacionamento de dependência, lucro e exploração. Arendt
afirma que, ironicamente, a burguesia tornou-se politicamente emancipada
através do imperialismo e do colonialismo porque ela lhes permitiu acumular sua
riqueza e aumentar seu poder sem ajuda da aristocracia. Isto afetou
negativamente os judeus porque eles perderam sua importante posição financeira
no relacionamento com a aristocracia. (FRY, 2010, p 29)
Por ironia do destino, dado o
crescente poder da burguesia sobre os territórios colonizados, visando
exclusivamente o lucro que se podia extrair, a própria situação dos bôeres se
inverteu, e também eles passaram a ser oprimidos pela especulação capitalista,
quando expulsos de suas terras, onde viviam à custa da produção agrícola de
seus escravos, foram obrigados a ocupar, pela força outros espaços da África
Central e do Norte, onde constituíram as chamadas Repúblicas de Bôer.
O fator
decisivo para explicar o imperialismo neste período, em que as potências
europeias e o Japão, no contexto asiático, exerciam um papel determinante,
exercendo um movimento para estabelecer um controle hegemônico nas colônias,
foi a crise do Estado nacional, onde as exigências do desenvolvimento
produtivo, em consequência do início da produção de massa, instavam por
mercados de dimensões continentais, evidenciando a tendência de um crescente
protecionismo econômico que, como consequência, provocou o temor de muitos se
verem cada vez mais excluídos dos mercados externos. Diante da ausência de uma
política que colocasse em prática formas de integração supranacional, prevaleceu,
então, a tendência de assegurar o controle político direto ou indireto de um
território, o mais amplo possível, o que implicava, de fato, em tentar suprimir
o espaço de outros.
Destaca-se neste período, a ação do
Marechal de Campo inglês Horátio Herbert Kitchener, que ganhou fama em 1898, ao
vencer a batalha de Omdurman e assegurar o controle do Sudão após desempenhar a
conquista sobre as Repúblicas de Bôer, quando, para conter o movimento de
guerrilhas, confinou, pela primeira vez na história, a população civil em
“campos de concentração”. Registra-se, também, neste período a existência dos
chamados “massacres administrativos”,
o extermínio da população nativa local em diversos momentos e lugares, com o
objetivo de assegurar o controle e a ocupação dos territórios conquistados para
o capital.
Aqui
também a razão econômica da agressividade característica da política
imperialista levada a efeito por Estados como a Alemanha, a Itália e o Japão,
onde o problema das dimensões territoriais, demasiado limitadas para as
exigências do desenvolvimento econômico, se tornava particularmente grave,
devido também ao atraso com que haviam chegado a participar na expansão
imperialista formal e informal. (BOBBIO, 2010, p. 618)
Este
mesmo sentimento de agressividade era observado no território europeu, no trato
da mão de obra local, que precisava, agora, concorrer com a das colônias para
alcançar seu sustento, retratada pelas teorias marxistas, onde destacamos “a Teoria do Subconsumo” desenvolvida
por Rosa Luxemburgo
que afirmava:
Dispondo
a classe trabalhadora inevitavelmente de um baixo poder aquisitivo e sendo
obrigada a um nível de vida miserável como consequência das leis objetivas da
acumulação capitalista, torna-se indispensável, para poder ser absorvida toda a
produção corrente, a existência de uma “terceira pessoa”, de um comprador
extrínseco ao sistema capitalista. Tem de haver, em resumo, um mundo não
capitalista ao lado de um mundo capitalista, para que o funcionamento deste não
fique entravado. Nos primeiros estádios do desenvolvimento capitalista, essa
“terceira pessoa” pode ser oferecida pela economia agrária, que vive ainda à
margem da capitalista. Mas depois, em decorrência da transformação capitalista
desse setor, os mercados internos já não bastam e se tornam necessários os
mercados externos para a absorção da produção, mercados que se conquistam com a
conquista das colônias. Sendo as áreas de exploração limitadas, mais tarde ou
mais cedo os conflitos serão inevitáveis, como inevitável será também a
catástrofe final do sistema capitalista, quando os mercados externos se
tornarem igualmente insuficientes. (Ibidem, p 613)
Finalmente, encerrando o tema do
imperialismo como um movimento subterrâneo precursor do totalitarismo, para
Hannah Arendt, quando a burguesia obteve o domínio, o sistema de classe começou
a desintegrar-se, as massas ergueram-se contra o governo, resultando num
domínio da população. Surgiram os movimentos pan-nacionalistas, entendidos como
movimentos que visavam unificar todos os territórios ocupados por agrupamentos
humanos específicos, expandindo, assim, sua área de atuação, que eram hostis ao
Estado e ensejavam um mecanismo político para a ralé expressar sua revolta.
Isto foi, segundo Arendt, um
movimento preparatório para o pensamento totalitário, visto que, para ela, o
totalitarismo implica em um ressentimento contra o status quo e contra o governo em geral. E dizer, em vez de
concentrarem-se nas necessidades nacionais, os regimes totalitários viam a si
mesmos como movimentos globais que excedem as necessidades de nações isoladas.
3.3 - Totalitarismo
Como já
tivemos a oportunidade de colocar, Hannah Arendt desenvolveu uma teoria
particular para tratar sua visão sobre o totalitarismo, divergente de outros pensadores
que também trataram do assunto. Para
ela, o regime totalitarista só foi efetivamente implementado na Alemanha
Nazista e na União Soviética durante o governo de Josef Vissarionovitch Stalin,
sendo todas as outras formas distintas de ditaduras tirânicas. Para ela, a primeira diferença entre
totalitarismo e tirania é que as tiranias políticas típicas invadem outros
países a fim de obter bens materiais e terra para aumentar o poder do
governante tirano. Nas tiranias, as pessoas são dominadas devido ao
autointeresse do governante ou do grupo que busca acumular poder.
No totalitarismo, a invasão se dá
principalmente a fim de promover a ideologia do regime, mais do que o ganho
pessoal do governante. No caso do nazismo, esta ideologia dizia respeito a um
dogma racista que promove a proeminência da raça ariana, ao passo que, para o
stalinismo, a ideologia preocupa-se com a necessidade de erradicar o
capitalismo e a burguesia. O governante totalitário promove a ideologia do
governo e justifica todas as ações de acordo com ela, até mesmo à custa dos
recursos da nação. A ideologia totalitária opera dividindo o mundo em duas
forças hostis, que se embatem pelo domínio global, transformando essa batalha
em um conflito global, de caráter universal. Ou seja, em contraste com as
tiranias, os objetivos do totalitarismo são globais na intenção e ultrapassam
os empreendimentos nacionalistas. Esta é, apenas para exemplificar, uma
diferença substancial entre os regimes adotados por Hitler (nazismo) e o
adotado por Mussolini (fascismo). No totalitarismo, os alvos ideológicos são
mais importantes do que qualquer outra coisa.
Segundo
Arendt, um exemplo da natureza não utilitarista do totalitarismo é o uso que
Hitler faz dos campos de concentração. Enquanto o trabalho dos que foram
condenados à morte poderia ter sido utilizado no esforço de guerra, e embora os
custos para criar e manter os campos pudessem ter sido usados para financiar as
batalhas nas linhas de frente, Hitler optou por sacrificar os interesses
nacionais em prol do interesse global mais amplo da ideologia. Para ela, as
câmaras de gás “não beneficiavam ninguém”, visto que eram empreitadas custosas,
que empregava tropas, transporte ferroviário e outros recursos financeiros.
Tiranias são utilitaristas e pragmáticas em prover ao governante, mas os
governos totalitários sacrificam o autointeresse pessoal ou nacional em prol da
ideologia. (FRY, 2010, p 32)
Esta falta de sentido utilitarista
dos regimes totalitários, tanto do nazismo quanto do stalinismo, explica a
dificuldade de compreensão por parte daqueles que estavam sendo sacrificados
dos reais motivos pelos quais os atos tão brutais estavam sendo cometidos
contra eles. Ou seja, não havia nenhum sentido lógico para tais crimes; ninguém
ganhava nada com isso. Os operários judeus que morriam sob um regime de total
escravidão nas fábricas alemãs, era um fato compreensível, já que morriam
produzindo alguma coisa. Mas as câmaras de gás, o extermínio pelo extermínio,
não era compreensível por qualquer ângulo, exceto o ideológico. Daí a novidade
do sistema.
Uma segunda forma apontada por
Arendt pela qual o totalitarismo se diferencia de outros tipos de tiranias
políticas é que ele não é apenas não utilitarista em seus objetivos, mas também
lhe falta uma estrutura prática e hierárquica, típica das tiranias. O exemplo
de Eichmann evidencia bem esta diferença de forma. As tiranias possuem uma
hierarquia estrita e compreensível, com o déspota funcionando como o ápice do
poder, onde cada ação empreendida é vista como útil em proveito do governante
que domina. Em contrapartida, o governo totalitário funciona sem uma nítida
hierarquia, mas com múltiplos níveis de administração e de burocracia. No
totalitarismo, muitos dos segmentos do governo têm tarefas duplicadas e jamais
se pode saber qual organização surgirá dentro do regime geral. A polícia
secreta e as várias organizações de espionagem contribuem para a atmosfera de
paranoia na qual não se pode confiar em ninguém e ninguém sabe deveras o que as
outras partes do governo estão fazendo, à exceção daqueles que se encontram nos
mais altos níveis do comando. O estado de ignorância no que diz respeito às
operações governamentais protege o líder de qualquer questionamento por parte
de seus subordinados, e, devido à duplicidade existente dentro do governo,
jamais surge uma oposição organizada contra o governante porque as pessoas
estão demasiado ocupadas tentando consolidar a posição de sua própria facção. Veja-se
o exemplo da KGB soviética, ou da Gestapo durante o período nazista, que foi
substituída pela Stasi, como polícia secreta, na República Democrática Alemã,
depois da guerra, organizações que sempre mantiveram presente um permanente
estado de medo e de desconfiança, não só na população civil, mas até mesmo nas
tropas que serviam ao regime.
Dado o
fato de que o totalitarismo emerge em uma atmosfera de preocupação econômica,
ele provê continuamente empregos duplos para seus membros leais, com o
resultado de que cada funcionário torna-se cúmplice do governo. Arendt descreve
a estrutura do totalitarismo como sendo uma cebola, na qual cada camada protege
o líder no centro que detém o controle definitivo. Esta metáfora da “cebola”
capta as diferentes camadas sobrepostas da burocracia que protege o líder e
isola-o de qualquer tipo de agressão. Cada camada conhece apenas seu próprio
negócio e tem grande dificuldade em compreender a completeza da cebola como um
todo. (Ibidem, p.33)
Por fim, para Arendt, o
totalitarismo se diferencia de outros tipos de despotismos políticos porque,
enquanto o terror é usado em ambos os tipos de sistemas políticos, as tiranias
se valem dele como meio para amedrontar os oponentes e suprimir dissensões e as
ideologias totalitárias o utilizam para dominar as massas de pessoas que sejam
obedientes ao Estado, independentemente de serem inimigos ou não do governo. E
dizer, nas tiranias e despotismos comuns, as pessoas que são declaradamente
contra o regime são punidas cruelmente (leia-se como exemplo, o parágrafo
inicial de Vigiar e Punir de Michel
Foucault)
ao passo que, no totalitarismo, não importa se as pessoas são culpadas ou não
do “crime” de opor-se ao governo. No totalitarismo as vítimas são grupos
escolhidos aleatoriamente e declarados inaptos para viver.
Um exemplo deste procedimento
tirânico, não válido historicamente para o regime totalitarista da Alemanha ou
da URSS era, durante a Primeira Grande Guerra Mundial, o hábito de escolher
aleatoriamente dentre os soldados da própria tropa, um número entre 10 ou 12 indivíduos
que seriam fuzilados caso os comandantes, segundo seus humores, achassem que o
esforço coletivo não havia sido satisfatório nos combates, e dizer, os oficiais
de alta patente valiam-se deste estratagema para esconder a própria
incompetência nas decisões de comando.
Arendt afirma
que o uso da violência por um governo tirânico pode levar a um “cemitério” de
paz, visto que a discordância é contida mediante o uso da força.
Alternativamente, não há fim do terror no totalitarismo, pois o objetivo
prático de pôr fim ao dissenso não é a questão central. (Ibidem, p 34)
Nos regimes totalitários, a extrema
lealdade que é exigida dos membros, ao preço do sacrifício pessoal, torna-se
possível devido ao sentido de isolamento que promovem. Neles, o terror é
utilizado como tática para reforçar a lealdade porque as pessoas estão
dispostas a transformar amigos em inimigos a fim de salvar a si mesmas. Isto
isola os indivíduos, uma vez que ninguém sabe mais quem é confiável e, para
Arendt, o que é ainda mais perigoso nesta suspeita é que os cidadãos temem mais
deixar o movimento do que serem considerados responsáveis pelos crimes que
cometem em seu nome. Os governos totalitários são piores do que os governos
tirânicos que buscam solapar os críticos ativos mediante a violência, porque o
totalitarismo suprime absolutamente todos os meios a partir dos quais se pode pensar,
questionar e desafiar o Estado.
Arendt acredita que uma das razões
porque o totalitarismo é eficaz e se apodera das comunidades é que o senso
comum perde um gancho com a realidade. Isoladas completamente e impossibilitadas
de, livremente, trocar ideias com outras pessoas, os objetivos extremados do
movimento jamais são confrontados com a realidade das condições. O governo
totalitário apresenta ao mundo um rosto falso e fundamenta sua ideologia em uma
conspiração global que não pode ser confirmada. Devido ao fato de o líder estar
protegido pelas camadas, semelhantes às da cebola, da burocracia e da
administração, o regime totalitário produz seu próprio mundo protegido, que
jamais necessita lidar com o que existe fora dele e não dispõe de nenhum meio
para afrontar os fatos que as camadas da burocracia estão produzindo. Arendt
acredita que na raiz das comunidades totalitárias subjaz a falta de senso comum
entre os membros e a aptidão para acatar fatos “dúbios”. Visto que não há
nenhuma troca de ideias, a habilidade do senso comum para discernir os fatos
fica comprometida pelas forças totalitárias que mantêm “o falso mundo da
consistência”, e impede-se o exercício da liberdade e da ação política
espontânea.
Ela acredita que o aspecto mais
perigoso do totalitarismo é que ele trata os indivíduos como se fossem
supérfluos. Os indivíduos já não são singulares e contribuintes importantes
para a política, mas criaturas que podem ser facilmente sacrificadas para a
ideologia ou condicionadas a agir de maneira previsível e obediente.
Arendt originalmente caracteriza o
totalitarismo como uma forma de “mal radical”, expressão que ela toma
emprestada de Kant, alterando, porém o seu significado, como teremos a
oportunidade de verificar adiante, em capítulo próprio. Por ora, consideremos
que, para Kant, o mal radical acontece quando um indivíduo opta
consistentemente pela imoralidade em vez de tentar seguir a lei moral. Para
Arendt, o mal radical envolve a crença em que humanos são supérfluos e
descartáveis, atitudes que podiam ser observadas nos campos de concentração
nazistas ou bolcheviques. Os campos que aparecem nos regimes totalitários são
isolados e procuram oficializar que os grupos visados jamais existiram
realmente, jamais tiveram intenção de existir, como se já estivessem mortos.
Neles, a identidade singular o indivíduo é aniquilada muito antes de a vida ser
verdadeiramente ceifada, mediante várias medidas desumanizadoras como a
raspagem do cabelo, o amontoamento de pessoas em transportes para animais e a
concessão de roupas de prisioneiros. As vítimas são ainda torturadas adicionalmente
ao receberem emprego na administração do campo, tornando opaca a linha
divisória entre o carrasco e a vítima. A desumanização visa ao gênero e à natureza
animal da humanidade, na qual se espera que os humanos ajam como coisas ou
marionetes. Para Arendt, o processo de desumanização dos campos de concentração
reduz os humanos a comportarem-se de maneira previsível, como os cães de Pavlov.
Como tivemos a oportunidade de
explicitar no início do capítulo, para Arendt, as diferenças capitais entre os
dois regimes, o nazista e o stalinista, para ela, estavam na adoção de uma
ideologia pautada na história (stalinismo) ou na natureza (nazismo). Para ela,
o problema começa com teorias que afirmam que a história humana é um processo
universal que se está movendo em direção a um fim. Neste contexto especial, as
teorias de Hegel e de Marx são significativas porque afirmam que não só existe
um fim para a história, mas que é possível, para os seres humanos de hoje,
conhecer o conteúdo desse fim. Neste pensar, considera-se que a história se
interessa em como os processos históricos se realizam e como podem ser
controlados ou reproduzidos e assim, os humanos já não estão mais contentes com
seu papel de observadores, modificando o seu processo natural em outros,
fabricados por eles. A fabricação dos processos da história (intervenção na
história) ou da natureza (intervenção na natureza), em seus extremos, é a metodologia
dos regimes totalitários.
Arendt descreve o nazismo como um
regime totalitário guiado por um forjamento da lei da natureza devido a seu
compromisso com a criação infinda de uma raça purificada de seres humanos. Sua
meta é auxiliar a natureza no processo de purificação da espécie, acelerando as
leis naturais de seleção o mais rapidamente e expansivamente possível. Desta
forma, as classes agonizantes ou as raças decadentes que tenham sido condenadas
pela história ou pela natureza, serão as primeiras a serem entregues à
destruição já decretada. A ideia de matar determinadas porções da sociedade
torna-se aceitável e possível porque elas, supostamente já estão em declínio.
A
política totalitária, que passou a adotar a receita das ideologias, desmascarou
a verdadeira natureza desses movimentos, na medida em que demonstrou claramente
que o processo não podia ter fim. Se é lei da natureza eliminar tudo o que é
nocivo e indigno de viver, a própria natureza seria eliminada quando não se
pudessem encontrar novas categorias nocivas e indignas de viver; se é lei da
história que, numa luta de classes, certas classes “fenecem”, a própria
história chegaria ao fim se não se formassem novas classes que, por sua vez,
pudessem “fenecer” nas mãos dos governantes totalitários. Em outras palavras, a
lei de matar, pela qual os movimentos totalitários tomam e exercem o poder,
permaneceria como lei do movimento mesmo que conseguissem submeter toda a
humanidade ao seu domínio. (ARENDT, 2012, p.617)
Finalizando, para Arendt, quer no
nazismo ou no stalinismo, o foco estava sempre no processo da história ou da
natureza, e não no fim, porque neles, o fim jamais seria alcançado. Se as metas
de ambos os sistemas fossem logradas, novas categorias de pessoas seriam
descobertas como incapazes para a vida, ou novas classes econômicas de pessoas
seriam perseguidas. Para que o regime totalitário possa ser bem sucedido, ele
precisa continuar a mover-se e a expandir-se rumo a sua meta jamais alcançada,
enquanto sacrifica tudo pela ideologia, ainda que segmentos inteiros da
sociedade sejam eliminados a fim de abrir caminho para as leis ideológicas.
Neste processo de implantação dos regimes totalitários, como já tivemos a
oportunidade de frisar, o compromisso com as verdades natural ou histórica é
eliminado e a história passa a ser permanentemente reescrita segundo os
interesses manifestos pelo líder, onde chavões como o “nunca antes na história
deste país...” tornam-se elementos da propaganda ideológica, sempre destinada
ao público externo, buscando sua complacência, já que a informação que recebem
é sempre filtrada pelo regime e suas ações são amparadas pela legalidade de
leis positivas.
A
afirmação monstruosa e, no entanto, aparentemente irrespondível do governo
totalitário é que, longe de ser “ilegal”, recorre a fonte de autoridade da qual
as leis positivas recebem a sua legitimidade final; que longe de ser
arbitrário, é mais obediente a essas forças sobre humanas que qualquer governo
jamais o foi; e que, longe de exercer o seu poder no interesse de um só homem,
está perfeitamente disposto a sacrificar os interesses vitais e imediatos de
todos à execução do que supõe ser a lei da História ou lei da Natureza.
(ARENDT, 2012, p. 613)
4 – EICHMANN EM JERUSALÉM
Conforme já tivemos a oportunidade
de apontar, Hannah Arendt começa a desenvolver sua teoria sobre a banalidade do
mal, a partir do seu livro “Eichmann
em Jerusalém”, o sentido da banalidade do mal, publicado no
ano 1963, como resultado de um trabalho de caráter jornalístico sobre o julgamento
do carrasco nazista Otto Adolf Eichmann, para a revista The New Yorker, obra
considerada por muitos a mais polêmica dentre todas as escritas por ela.
Neste livro ela descreve em linhas
gerais o sequestro de Eichmann realizado por comandos israelenses, quando o
capturaram na Argentina e o conduziram para julgamento em Israel. A polêmica da
obra se inicia a partir deste momento pois, para muitos, inclusive a defesa do
réu, o crime em julgamento deveria ser o sequestro de Eichmann; o fato de que o
local escolhido para o ato não era neutro o suficiente e a “coisa em si” que se
mostrava, desde o principio, como um ato tendencioso, pré-determinado e com
sentença já definida, antes mesmos dos ritos processuais serem instaurados,
conforme demonstrava a atuação do procurador geral e representante do primeiro
ministro de Israel, David Ben-Gurion, o
senhor Gideon Hausner.
Assim como todos em Israel, ele
acreditava que só um tribunal judeu poderia fazer justiça aos judeus, e que era
tarefa dos judeus julgar seus inimigos. Daí a hostilidade quase generalizada em
Israel contra a simples menção de uma corte internacional que pudesse acusar
Eichmann não de crimes “contra o povo judeu”, mas de crimes contra a
humanidade, perpetrados no corpo do povo judeu. (ARENDT,1999,p 17)
Para os judeus, o julgamento pelos
judeus daquele que consideravam ser diretamente responsável pelo extermínio de
um terço de seu povo no mundo, reforçava a posição sionista em condições
análogas ao Caso Dreyfus,
como também traziam luz às causas da possível participação da comunidade
judaica alemã em negociações com as autoridades nazistas durante os primeiros
estágios do regime. (ARENDT,1999, p. 21)
Apesar de todos estes argumentos
nacionalistas em defesa da unidade judaica, da consolidação do Estado de Israel
como uma nação soberana, um desejo realizado após mais de dois mil anos de
espera, este julgamento trouxe à tona as incômodas perguntas do por que os
judeus não terem resistido às atrocidades que estavam sendo cometidas contra
eles? Por que aceitavam ser embarcados como gado a caminho do abatedouro? Por
que tanta passividade diante de seus algozes? A resposta não pronunciada, como
registra Hannah Arendt, estava exatamente na característica ímpar do crime
praticado. Como já tivemos a oportunidade de explanar, a estratégia do regime
totalitário estava em, primeiramente promover o isolamento dos indivíduos
retirando-lhes inclusive os direitos políticos ao declará-los apátridas; em
segundo lugar, promover uma propaganda desconectada da realidade, que fosse
construída sobre um prisma lógico, o que lhe dava credibilidade; em terceiro
lugar, como veremos, por valer-se dos próprios judeus para muitas das tarefas
administrativas no processo de realocação da população civil, o que mascarava
suas reais intenções. Até mesmo aqueles que desembarcavam nos campos de
concentração se recusavam a acreditar naquilo que estava acontecendo. Todo o
processo não tinha lógica alguma. Era simplesmente incompreensível sob qualquer
aspecto. Ademais, como ela registra, um pequeno levante ocorrido em Amsterdã,
Holanda, logo no início da guerra, em 1941, quando alguns judeus holandeses
reagiram, um número significativo de indivíduos, quatrocentos e trinta, segundo
está registrado, foram presos, torturados e assassinados com requintes de
crueldade, primeiro em Buchenwad e depois no campo austríaco de Mauthausen,
repetindo o exemplo da morte tirânica usada como exemplo, o que induzia os
sobreviventes a tentarem uma solução negociada com os nazistas. Curiosamente
ela destaca que somente os mais jovens, no rompante de sua adolescência é que
resistiam; os mais velhos, aqueles que haviam conseguido constituir família,
patrimônio, etc., naturalmente eram mais sensatos e, por isso mesmo, vítimas
melhores. E, por último, a adoção de uma estratégia que induzia os judeus ao
erro de avaliação, oferecendo-lhes uma oportunidade de realocação para a
Palestina, mediante vultosa quantia a ser paga para a obtenção dos vistos de
saída e de passagem.
Esta última medida, posta em prática
com extrema habilidade por Eichmann, mostrou-se extremamente eficaz, pois em
cada novo contexto, se conseguia o apoio da liderança judaica local (Conselhos
de Anciãos Judeus), encarregada de realizar um recenseamento dos judeus da
região e de escolher aqueles que seriam “realocados” para a Palestina, por
conta própria, mediante suborno para a compra de passagens, ou nos trens que
seguiam para os campos de concentração. Registra-se entre os depoimentos
colhidos no julgamento, uma passagem em que Rudolf Kestner (1906/1957), um
jornalista e advogado judeu-húngaro, negociou pessoal e diretamente com
Eichmann a liberação para a Palestina de 1685 judeus que pagaram,
aproximadamente U$ 25.000,00 por pessoa para poder sair, enquanto ele mesmo aceitava
corroborar na mentira pregada por ele sobre o destino para outros 800 mil
judeus que foram enviados para Auschwitz. O mais cruel desta passagem é que,
segundo o próprio Eichmann, este total arrecadado com o falso suborno, pouco
mais de U$ 42 milhões, foi utilizado para custear o envio destes outros 800 mil
judeus para a morte. (Ibidem, p. 54).
Esta prática, pelo que se viu no julgamento,
foi reproduzida em praticamente todos os lugares, com resultados similares e,
onde as quantidades de judeus não eram muito significativas ou não existiam
lideranças locais suficientemente convincentes, adotava-se a estratégia de
“emigração forçada”. Eichmann chegou a negociar com lideranças locais, o seu
envio para o exterior afim de conseguir levantar dinheiro para comprar a
libertação de outros judeus cativos, a fim de assegurar recursos para o
processo de realocação.
Eichmann,
logo ao chegar, entabulou negociações com os representantes da comunidade
judaica, que antes de mais nada ele teve de libertar das prisões e dos campos
de concentração, uma vez que o “zelo revolucionário” da Áustria, ultrapassando
em muito os primeiros “excessos” da Alemanha, havia resultado na prisão de
praticamente todos os judeus importantes. Depois dessa experiência, os
funcionários judeus não precisavam de Eichmann para convencê-los de que a
emigração era desejável. Ao contrário, eles informavam Eichmann das grandes
dificuldades que tinha pela frente. (Ibidem, p. 57)
De qualquer forma, durante todo o
julgamento, Eichmann adotou uma postura defensiva, se é que se pode chamar
assim, ao afirmar que ele mesmo nunca tinha matado judeu algum; que sua tarefa
era apenas administrativa e que, como bom e leal cidadão, cumpridor das leis,
ele se esmerava para conseguir embarcar o maior número possível de pessoas nos
trens, tal qual lhe havia sido ordenado. Arendt ficou “surpresa” ao perceber
que ele realmente acreditava nisso.
E uma
falha mais específica, e também mais decisiva, no caráter de Eichmann era a sua
quase total incapacidade de olhar qualquer coisa do ponto de vista do outro.
[...] Ele, seus homens e os judeus estavam todos de “esforçando juntos” e cada
vez que havia alguma dificuldade os funcionários judeus vinham correndo até ele
para “desabafar seus corações”, contar-lhe todo “seu sofrimento e dor”, e pedir
sua ajuda. Os judeus “desejavam” emigrar, e ele, Eichmann, estava ali para
ajudá-los. (Ibidem, p.60)
Para Arendt, “quanto mais se ouvia
Eichmann, mais óbvio ficava que sua incapacidade de falar estava intimamente
relacionada com sua incapacidade de pensar, ou seja, de pensar do ponto de
vista de outra pessoa” (Ibidem, p. 62).
Ele tanto acreditava nisso que chegou
a relatar algumas passagens em que, demonstrando alguma preocupação com o
destino dos judeus, tentou melhorar a sua situação, como da vez que conseguiu
que um seu “auxiliar judeu” de nome Storfer, de Viena (o primeiro funcionário
judeu a transformar toda uma comunidade judaica numa instituição a serviço das
autoridades nazistas) que, mesmo tendo um daqueles passes livres,
equivocadamente tentou fugir e por isso foi preso e encaminhado para o campo de
Auschwitz, fosse retirado dos trabalhos forçados e colocado em tarefa mais
leve, escapando da câmara de gás, mas não do pelotão de fuzilamento seis
semanas depois. Ele acreditava, realmente, que a culpa pelo seu infortúnio era
tão somente do próprio Storfer, que não devia ter tentado fugir, já que ele tinha
um passe livre.
Durante praticamente todo o livro,
Arendt registra inúmeras passagens como esta, evidenciando a total alienação de
Eichmann sobre as consequências de seus atos, inclusive revelando a mágoa que
ele sentia de seus superiores ao não reconhecerem seus esforços e sua
competência no cumprimento das tarefas que lhe haviam sido outorgadas.
Outro ponto importante levantado
neste julgamento, foi a forte presença do pensamento antissemita nos países
ocupados pelos nazistas, onde algumas lideranças locais quase “precisaram ser
contidas” tal a violência praticada contra os judeus, o que, a exemplo das
tropas S A, era contraproducente para a estratégia da “solução final”, como era
tratada a questão judaica na Europa. Destaca-se, neste sentido, a posição
adotada pelo marechal romeno Ion Antonescu, que alguns meses antes da Romênia
entrar na guerra ao lado da Alemanha, declarou apátridas todos os judeus
romenos. Os soldados romenos foram responsáveis pelo massacre de 300 mil
pessoas e, ao contrário dos outros países dos Bálcãs, o governo romeno estava
muito bem informado sobre os massacres de judeus no Leste.
Não chega
a ser exagero afirmar que a Romênia foi o país mais antissemita da Europa pré-guerra.
[...] O estilo romeno de deportação consistia em juntar quinhentas pessoas em
vagões de carga e deixá-las morrer por sufocação enquanto o trem viajava pelo
campo sem destino nem objetivo durante dias e dias; um dos fechos preferidos
para essas operações assassinas era expor os corpos em açougues judeus. Além
disso, os horrores dos campos de concentração romenos, fundados e administrados
pelos próprios romenos porque a deportação para o Leste era impraticável, eram
mais elaborados e atrozes do que qualquer coisa que se conheça na Alemanha
(Ibidem, pp.210 - 211)
O
julgamento de Eichmann evidenciou que outros interesses estavam em jogo, pelo
menos por parte dos “aliados” da Alemanha nazista, muitos dos quais viam a
possibilidade de apropriar-se do patrimônio dos judeus; de conseguir, através
da extorsão, dinheiro para fins pessoais; favores sexuais, etc., além, é claro,
da própria tolerância e hipocrisia das forças aliadas antinazistas, que faziam
vistas grossas para absorver o maior número possível de cientistas, levados incólumes
para seus países. Registre-se o caso de Wernher von Braun, sequer citado em
qualquer obra sobre a Segunda Grande Guerra Mundial, como um criminoso responsável
pelo projeto e produção das bombas voadoras que praticamente destruíram Londres
que, mesmo não tendo participado do holocausto (ao que se saiba) foi levado
para os Estados Unidos onde ajudou a construir o programa aeroespacial
americano. Pior ainda, foi o caso da “Hungria, o único país do Eixo a mandar
tropas judaicas, 130 mil em serviço auxiliar, mas com fardas húngaras, para o
front Oriental (ARENDT, 1999, p.215)
Cite-se também o fato denunciado por
ela em seu livro de que, no período posterior à guerra, a quase totalidade das
nações envolvidas no conflito, queriam encerrar o processo após Nuremberg
(onde foram julgados os criminosos de guerra) e colocar uma pá de terra
por sobre os restos desta tragédia. A própria Alemanha de Adenauer,
com apoio da população, acobertou e deu guarida a muitos criminosos nazistas
que ficaram impunes.
Finalmente,
no pós-escrito que fecha o livro, Arendt registra que para ela:
Eichmann
não era nenhum Iago, nenhum Macbeth, e nada estaria mnais distante de sua mente
do que a determinação de Ricardo III de “se provar um vilão”. A não ser por sua
extraordinária aplicação em obter progressos pessoais, ele não tinha nenhuma
motivação. E essa aplicação não era de forma alguma criminosa; ele certamente
nunca teria matado seu superior para ficar com seu posto. Para falarmos em
termos coloquiais, ele simplesmente nunca perceber o que estava fazendo. [...] Foi
oura irreflexão, algo de maneira nenhuma idêntico à burrice, que o predispôs a
se tornar um dos grandes criminosos desta época. E se isso é “banal” e até
engraçado, se nem com a maior boa vontade do mundo se pode extrair qualquer
profundidade diabólica ou demoníaca de Eichmann, isso está longe de se chamar
lugar comum.[...] Essa distância da realidade e esse desapego podem gerar mais
devastação do que todos os maus instintos juntos. (ARENDT, 1999, p.311)
5 – MAL RADICAL E MAL BANAL
O que
fornece o caráter enigmático ao mal, pelo menos na tradição judaico-cristã do
Ocidente, é a nossa tendência de colocar, numa primeira abordagem e num mesmo
plano, fenômenos díspares como pecado, sofrimento e morte. (RICCEUR. O Mal. Um desafio à filosofia e à
teologia. Apud SOUKI, 2006)
Do conjunto da obra de Hannah
Arendt, particularmente a partir dos livros Origens
do Totalitarismo e Eichmann em Jerusalém podemos aceitar a
declaração de que foi revelado ao mundo uma nova modalidade de mal até então
desconhecida: A emergência do fenômeno totalitário e, a partir dele, o da
banalização do mal.
Pode-se
dizer que esse mal radical surgiu em relação a um sistema, no qual todos os
homens se tornaram supérfluos. Os que manipulam esse sistema acreditam na
própria superfluidade tanto quanto na de todos os outros, e os assassinos
totalitários são os mais perigosos, porque não se importam se estão vivos ou
mortos; se viveram ou se nunca nasceram. (ARENDT, 2012, p 510)
Como
vimos, em Origens do Totalitarismo,
na sua concepção, o surgimento dessa nova modalidade de mal tem, como meta, não
o domínio despótico dos homens, mas sim, um sistema em que todos os homens são
supérfluos. Neste caminho, o primeiro passo para o domínio total é a destruição
da pessoa jurídica do homem, o que foi comprovado pela sistemática negação da
cidadania quando enormes contingentes humanos foram declarados apátridas. O
passo seguinte é a anulação da individualidade e da espontaneidade, de forma
que seja eliminada a capacidade humana de iniciar algo novo com seus próprios
recursos, quando, então, se transformam em coisa.
As conclusões às quais Arendt chegou
após o julgamento de Eichmann assinalam uma mudança em sua descrição de como o
totalitarismo funciona e ganha poder. Em Origens
do Totalitarismo ela descrevia a noção de “mal radical”, tomada a partir do
pensamento de Kant,
que acontecia nos campos de concentração envolvendo a crença na superfluidade
de certos humanos. Neste julgamento, ela aprendeu que os regimes totalitários
não produzem necessariamente monstros. O que eles engendram seriam pessoas
incapazes de pensar por si mesmas e incapazes de compreender a imoralidade de
suas ações, visto que tudo o que faziam era sancionado pela lei e apoiado pelo
regime vigente. Ela chamou tal situação de “banalidade
do mal”, querendo, com isso dizer que o mal não é trivial porque é desimportante,
mas porque pode acontecer sem uma intenção diabólica, como resultado de uma
colossal falha no pensamento. No caso de Eichmann, ele permitiu que a ideologia
nazista tomasse as decisões em seu lugar, distanciando-se das consequências de
suas ações. Ele não só não conseguiu questionar a ideologia nazista, como
também defendeu suas próprias práticas imorais ao agir dentro da lei, dando o
melhor de si para cumprir sua tarefa de obediência à lei.
De
maneira geral, até hoje na organização pública, a sociedade espera que
os serviços disponibilizados sejam eficientes e que os servidores atuem em
conformidade com o interesse da lei, administrando os recursos públicos de
forma apropriada com os fins propostos, entendendo por valores éticos
constituintes da base comum da administração, a eficácia, a transparência, a
qualidade e a experiência além da imparcialidade. Neste processo organizacional
o servidor público é uma peça fundamental, pois, é por meio dos seus agentes
que o serviço público de fato se concretiza. Como os servidores possuem
individualmente suas próprias crenças e valores, no âmbito da organização é
importante que sejam delineados os princípios norteadores que servirão de
suporte para elucidar os possíveis problemas e divergências que possam surgir.
O bom funcionamento das organizações requer, portanto, o desenvolvimento de
pessoas capacitadas para agir conforme preceitos legais do conhecimento de
todos que, compreendendo-os saibam aplicá-lo. Diferentemente das organizações
privadas, que primam pelo lucro, no serviço público, que tem por bem atender
aos anseios de uma população ou do governo, indiferentemente de classe
econômica ou posição social, estes procedimentos são claramente definidos e regulamentados
por lei. Ou seja, diferentemente das organizações privadas, que gozam de uma
liberdade negativa, onde tudo aquilo que não é proibido por lei pode ser uma
atividade permitida, no serviço público, só é permitido executar atividades
reguladas por lei, ou seja, nada pode ser feito se não estiver explicitado em
lei. Essa aparente dicotomia se explica pelo fato de que todos os gastos
públicos são estabelecidos a partir de um orçamento, que pode ser
contingenciado, segundo o resultado arrecadatório em determinado momento,
diretamente pelo poder executivo, sem maiores explicações, o que não se dá na condição
inversa, na suplementação de verbas, ainda que em questões de extrema
relevância, necessitando, sempre, da autorização do poder legislativo.
Nas sociedades
burocráticas modernas, os acontecimentos políticos, sociais e econômicos de
toda parte conspiram, silenciosamente, com os instrumentos totalitários
inventados para tornar homens supérfluos. Hannah Arendt mostra-nos que o modelo
do “cidadão” das sociedades burocráticas modernas é o homem que atua sob
ordens, que obedece cegamente e é incapaz de pensar por si mesmo, pois essa
supremacia da obediência pressupõe a abolição da espontaneidade do pensamento.
E nessa ausência de pensamento, nessa expressão humana opaca, nessa rarefação
das consciências aparece a tragédia, batizada por Hannah Arendt de a
“banalidade do mal” (SOUKI, 2006, p 11)
Esta era a questão central que Arendt percebeu como
elementos de defesa no julgamento de Eichmann, que chegou a citar Kant na
tentativa de consubstanciar seus argumentos. No entanto, ela destaca a pouca
compreensão que ele tinha do filósofo, uma vez que Kant acreditava ser um dever
obedecer à lei moral e Eichmann pensava que era uma obrigação obedecer à lei do
líder e não levava em consideração a moralidade das situações. Nos regimes
totalitários, a institucionalização dos múltiplos níveis de burocracia controla
os administradores para que eles sigam ordens e sintam-se isentos da
responsabilidade por suas ações.
No início do extermínio maciço, a substituição das tropas
SA,
famosas por seus requintes de crueldade, pelas tropas da SS, visava, além do
ganho de “produtividade” no processo de eliminação daqueles que haviam sido
escolhidos para morrer, dar um aspecto “humanitário” na tarefa, já que as
câmaras de gás não torturavam ou mutilavam quem morria. Eichmann realmente
acreditava que estava sendo generoso para com os judeus e para com as outras
vítimas ao livrá-las de outras formas, mais cruéis, de execução.
Faça-se aqui um pequeno aparte para registrar que nas
sociedades modernas, até os dias de hoje, em muitos países se utilizam as
câmaras de gás para matar pessoas declaradas criminosas pelo Estado ou inclusive
matar “pessoas não humanas”, como
cães e gatos, por exemplo, sob o mesmo argumento humanitário.
Para Arendt, em uma sociedade totalitária que,
ativamente, promove a falta de habilidades de pensamento crítico, as pessoas
são capazes de aderir a códigos ou regras de comportamento, confiando em
códigos de conduta mais do que em seu próprio julgamento.
O que é deveras horrendo
para Arendt, é que Eichmann é “terrivelmente normal”, e ele aponta para um novo
tipo de criminoso para o qual falta o conhecimento do certo e do errado. Para
ela, o totalitarismo produz um novo tipo de criminoso, alguém que não mata por
matar, mas que mata como parte da carreira dele. (FRY, 2010, p 49)
Se considerarmos bem o que ela coloca, podemos observar
que em muitos países, o assassinato de indivíduos por carrascos que executam
criminosos, pelos membros de um pelotão de fuzilamento, por soldados ou
policiais em uma situação de conflito ou, em casos extremos, mesmo o extermínio
de civis como os ocorridos em Hiroshima e Nagasaki ou nos “ataques cirúrgicos”
promovidos por drones no Oriente Médio, são justificados como “Atos de Estado” que
não levam em consideração preceitos morais, mas apenas os legais.
Arendt provoca com sua obra, uma mudança de foco,
desviando-se do concentrar-se nos monstros perversos do mundo, a fim de
evidenciar novos tipos de criminosos que não sabem sequer que o que fazem é
errado. Contudo, ela não inocenta Eichmann pelos atos cometidos, aceitando a
teoria de que qualquer pessoa em seu lugar, vivendo sob um regime totalitário,
poderia praticar os mesmos atos. Ela nega esta opinião porque reconhece que seus
atos foram extremos e que ele é responsável por isso, inclusive pela falta de
interesse para com os outros.
Kant, ao tentar responder sobre o que é a essência do mal
radical, apoiava seus argumentos em quatro pontos fundamentais: a disposição
original para o bem na natureza humana; a propensão para o mal na natureza
humana; o homem é mau por natureza e a origem do mal na natureza humana, onde a
disposição original significava para ele que no princípio de sua história, o
homem era bom e que tendia para o bem.
A lei moral é um fato, é
um dado imediato, a priori e necessário. A razão é, por si só, legisladora, autônoma
e determinante da vontade. Essa autonomia é a propriedade que a vontade tem de
ser, ela própria, a sua lei. É importante ressaltar que, para Kant, a vontade
livre e a vontade submetida à lei moral são a mesma coisa. [...] Esta é a forma
do Imperativo categórico: “Age de tal forma que a máxima de tua ação possa se
converter em lei universal”. (SOUKI, 2006, p.21)
Para ele, a vontade que procede da lei e a vontade que
procede do “livre arbítrio” são aspectos complementares da vontade humana, uma
vontade necessária em que o arbítrio é livre para obedecer ou não à lei,
residindo aí, nessa possibilidade do arbítrio humano que se inscreve o problema
do mal radical. Em outras palavras, a lei moral, para ele, é inerente da
natureza da razão, mas não à natureza humana, pois essa, devido à sua finitude,
não segue necessariamente essa lei. Se o homem aceita a determinação vinda de
fora, ele está eliminando sua vontade como vontade, isto é, como faculdade do
homem de determinar-se a si mesmo para a ação, ou seja, sua autonomia. A
autonomia mostra que o homem tem em si mesmo a possibilidade de ser dono de si
e de ser livre de toda dependência diferente de sua razão. A vontade humana tem
a propriedade de ser, ela própria, a sua lei, e o homem realiza sua essência
quando obedece à lei moral.
Quando ele nos fala da propensão para o mal na natureza
humana, ele nos esclarece que ela é resultado da liberdade, ou seja, é uma
propensão moral e não uma propensão física, pois o que é moralmente mau, o mal
que é imputável ao homem, diz respeito a sua própria ação. Por propensão
entendemos o fundamento subjetivo da possibilidade de desviar-se das máximas da
lei moral, o que só é possível pela determinação do livre arbítrio. Como esse
fundamento tem de ser, já, um ato de liberdade, a propensão para o mal é vista
como o mal e não apenas como seu pressuposto. Para Kant, essa propensão para o
mal é inata e não pode ser extirpada.
Para Hannah Arendt, o mal radical, que apareceu no
totalitarismo, transcende os limites do que foi definido por Kant, pois se
trata de uma nova forma do agir humano, uma forma de violência que vai além dos
limites do pecado humano, de um mal absoluto que não pode ser atribuído a
motivos humanamente compreensíveis. Para ela, o fenômeno totalitário revelou
que não existem limites às deformações da natureza humana e que a organização
burocrática de massas, baseada no terror e nas ideologias, criou novas formas
de governo e de dominação, cuja perversidade não se pode medir, e dizer, dado
seu ineditismo, não podemos contar com normas conhecidas para fazê-lo.
Assim, como um Estado totalitário pode ser capaz de
produzir agentes heterônomos que funcionam como agentes reprodutores de seus
objetivos, o problema do mal passa, então, a ser questionado dentro de sua
dimensão política, numa visão original que é a da sua banalidade. Esse tipo de
organização contribui para extirpar todo espírito de responsabilidade e
reforçar a dominação total do líder, onde os campos de concentração representam
laboratórios em que a invenção imperialista encontra sua realização ao
modificar a natureza humana.
Os campos de concentração
não são apenas destinados ao extermínio de pessoas e à degradação de seres
humanos: servem também à horrível experiência que consiste em eliminar, em
condições cientificamente controladas, a própria espontaneidade enquanto
expressão do comportamento humano, e em transformar a personalidade humana em
simples coisa, em alguma coisa que nem mesmo os animais possuem. (SOUKI, 2006,
p.55)
Conforme Aristóteles, “O homem é um animal social e político destinado a viver em sociedade” (A Política, 1253 a) e é exatamente
esta premissa, segundo Arendt, que o totalitarismo busca subverter, ao perceber
que se a personalidade jurídica e moral é a estrutura do indivíduo da qual
emanam suas decisões, julgamentos e ações, sua eliminação, a eliminação dos
direitos do homem, é a condição primordial para que ele seja inteiramente
dominado. A finalidade do sistema arbitrário, então, é destruir todos os
direitos civis de uma população, que se vê, assim, tão fora da lei em seu
próprio país como os apátridas e refugiados. O domínio totalitário, baseia-se
na solidão, na experiência de não se pertencer ao mundo, onde o indivíduo se vê
como parte de uma massa surgida dos fragmentos de uma sociedade atomizada, cuja
principal característica é o seu isolamento e a falta de relações sociais
normais.
Ao dizer que o súdito
ideal do reino totalitário não é nem o nazista ou o comunista convicto, mas sim
o homem desolado, esse homem moderno cuja condição vem sendo preparada desde a
Revolução Industrial, Hannah Arendt mostra que, nessa condição de homem massa,
o indivíduo perdeu seu status político, foi desindexado da história real e
destituído como sujeito político. A despolitização o transformou em átomo
anônimo entre os átomos anônimos da massa para transformá-lo em um “homem
qualquer”, sem capacidade política, sem consciência moral, sem vontade, sem
julgamento e, assim, capaz de sofrer e de fazer banalmente o mal. (SOUKI, 2006,
p. 66)
Com isso, Arendt defende em seu relato a ideia de que a
banalidade do mal, é que o mal não é fruto do exercício, mas, sobretudo do não
exercício da liberdade. Ela não recusa o conceito kantiano de mal radical, mas
o toma como ponto de partida para pensar o fenômeno do mal.
Ela constatou durante o julgamento de Eichmann, que ele
era o perfeito instrumento para a tarefa de levar a cabo a “solução final”
ordenada por Hitler: organizado, regular e eficiente tal qual a empreitada de
que ele estava encarregado. Homem normal e medíocre, perfeitamente adaptado ao
trabalho de fazer a máquina de extermínio girar, ele representava o melhor
exemplo de um assassino de massa que era. Um perfeito homem do lar para quem a
ideologia nazista e sua lógica destrutiva eram menos importantes que a nova família
que ele havia encontrado no movimento nazista. Um homem que, encarnando a
“banalidade do mal”, nunca compreendeu o que estava fazendo. Para Arendt, a
sentença final aplicada a ele, não podia ser outra:
E, assim como você apoiou
e executou uma política de não partilhar a Terra com o povo judeu e com o povo
de diversas outras nações, como se você e seus superiores tivessem o direito de
determinar quem devia e quem não devia habitar o mundo, consideramos que
ninguém, isto é, nenhum membro da raça humana, haverá de querer partilhar a
Terra com você. Esta é a razão, e a única razão, pela qual você deve morrer na
forca. (ARENDT, 1999, p.302)
6
– CONCLUSÕES
Conforme esperamos haver evidenciado neste trabalho,
sobre o “Sentido da Banalidade do Mal
para Hannah Arendt”, a partir de uma abordagem qualitativa, fundamentada em
um estudo de caráter hermenêutico do conjunto de sua obra, poder mostrar que a
questão do mal, independentemente do período histórico observado ou da
localização geográfica da população estudada, está diretamente ligada à
característica desejante e individualista da espécie humana, relacionado ao
exercício da liberdade de escolha, denotando uma incapacidade modal de pensar e
agir considerando o ponto de vista do outro.
Mostrar que as conclusões às quais chegou Hannah Arendt
acerca da banalidade do mal, evidenciam que Eichmann só foi capaz de praticar
os atos que possibilitaram o holocausto do povo judeu na Europa, porque existia
escondida sob a égide de um governo totalitarista, uma sociedade ideologizada e
premeditadamente burocratizada ao extremo, onde as relações humanas foram
atomizadas e o senso comum acerca dos valores humanos foram praticamente eliminados.
Mostrar que o desapego da massa, ainda que construído por
uma gigantesca máquina de propaganda que altera e reescreve a história segundo
os interesses do momento, cria as condições para o surgimento de indivíduos
distanciados da realidade, incapazes de reflexão e capazes de gerar uma
devastação inimaginável. Mostrar que esta alienação da massa possibilita o
surgimento de regimes totalitários.
Mostrar que, estudar e tentar compreender o estudo
desenvolvido por Hannah Arendt acerca da banalidade do mal, com uma
característica genealógica da história e do poder, identificando algumas das
forças subterrâneas que criaram as condições para o surgimento do Estado
totalitário na Alemanha nazista e na União Soviética stalinista, como o
racismo, a xenofobia ou o movimento imperialista com a exploração do homem do precariado
se justifica perante a necessidade premente que temos, enquanto críticos
sociais, de oferecer possíveis questionamentos e reflexões para essa massa
alienada, dotando-a de mecanismos que visem conter a possibilidade de ver
surgir, num futuro próximo, outro Eichmann que venha a assombrar o mundo.
Um homem do precariado
entendido segundo as palavras de Ruy Braga,
“como o indivíduo pertencente, em primeiro lugar, àquele setor da classe
trabalhadora permanentemente pressionada pelo aumento da exploração econômica e
pela ameaça de exclusão social”. Também, conforme as palavras do professor Guy
Standing, da Universidade de Londres, de um homem pertencente a “um precariado que
seria formado por aqueles grupos sociais mais vulneráveis e empobrecidos,
jovens desempregados e subempregados, cada dia mais distantes dos direitos
sociais ou das políticas de bem-estar das próprias empresas e, por isso mesmo,
potencialmente inclinado a abraçar soluções populistas autoritárias e
xenofóbicas”. Ou ainda, pertencente a grupos, como nas palavras de Paul Singer,
um conceituado economista e professor brasileiro, que se vale da expressão “sub
proletariado” para, além dos conceitos anteriores do precariado, em que se incorpora,
também, a população miserável e o lumpesinato (aquela camada social carente de
consciência política, formada por operários que vivem na miséria e por aqueles
desvinculados da produção social e que se dedicam a atividades marginais) como
os nossos camelôs, por exemplo, onde podemos compreender o quão frágil é esta
parcela da população e o quão fácil é o seu aliciamento pelas propostas que
pregam a luta de classes,.
Mostrar que o falacioso empoderamento da classe
trabalhadora fica evidente quando, se de um lado, o Capital que entra na
produção concentra-se na manufatura semiqualificada, pagando baixos salários,
expatriando sob a forma de “commodities” nossos recursos minerais e agrícolas,
inclusive a água potável que acompanha os produtos agropecuários, face ao
evidente poder das multinacionais que não desejam agregar valor às matérias
primas em terras locais, preferindo fazê-lo em seus países de origem, onde geram
empregos e tributos que cobram das colônias, acrescidos de juros, quando seus
produtos acabados retornam.
Mostrar que, do outro lado, a multiplicação de
oportunidades de trabalho, tão alardeada pelos indicadores econômicos e pelos
governos, principalmente nas áreas de comércio e serviços, onde a elevada
rotatividade da mão de obra é um fato, a exemplos brasileiros, dos frentistas
dos postos de gasolina, dos balconistas, dos garçons, dos profissionais de
serviços domésticos, etc., exatamente por estas características, de maneira
geral, remuneram muito mal pelo trabalho realizado e dificultam a organização
sindical, acabando por produzir um enorme contingente de trabalhadores
despolitizados e alheios ao que acontece ao seu redor.
Mostrar que as próprias Centrais Sindicais, reféns de um
sistema capitalista de consumo, que prioriza o homem enquanto mercadoria, desde
há muito tempo abandonaram a luta de classes, acomodando-se e, desta forma,
pactuando com o “Status Quo” e preferindo adotar posturas demagógicas e
populistas, como festas, sorteios de casas e carros, no intuito de perpetuar a
cultura hegemônica imposta pelo poder, mantendo as benesses que conseguiram
para seus representantes, em lugar das categorias de trabalhadores que
representam.
Mostrar
que, como consequência desta alienação generalizada, principalmente no
precariado, vemos brotar e crescer assustadoramente uma inquietação social,
travestida de violência, em todos os níveis, principalmente contra a pessoa e a
vida, que aterroriza a todos nós e onde a banalidade do mal se manifesta de
forma evidente.
Mostrar que somente uma revisão dos modelos de produção
adotados, que force o desenvolvimento de novas tecnologias e que agregue valor real,
valor de uso, aos produtos fabricados, poderá dar vazão a estas demandas
reprimidas.
Professor Orosco
7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
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Trad. Raquel Ramalhete. 42. Ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2014
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- GASSET,
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Felipe Denardi. Campinas – SP: Vide Editorial, 2016
- KONRAD,
Letícia Regina. Eichmann em Jerusalém e a
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acessado em 11 de Setembro de 2016
- SOUKI, Nádia. Hannah
Arendt e a Banalidade do Mal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998
- Em 27 de Fevereiro de 1933, o local de
encontro do parlamento alemão, o Reichstag, em Berlim foi incendiado. Quando os
bombeiros chegaram parta combater o fogo, as chamas já haviam engolido a Câmara
dos Deputados e, após minuciosa pesquisa, determinou-se como seu causador
Marinus van der Lubbe, um ativista comunista neerlandês. Este incêndio foi
utilizado pelos nazistas como prova de que os comunistas conspiravam contra o
governo alemão, o que justificou sua prisão e a de quatro outros líderes comunistas
posteriormente.
- Entende-se
por Estado os mecanismos de controle político de um governo que rege
determinado território. Organizações como um Parlamento ou um Congresso,
instituições legais e um exército permanente são ferramentas utilizadas por um
governo para controlar as várias esferas que compõem a sociedade. Assim, um Estado
nação se constitui por uma massa de cidadãos que se considera parte de uma
mesma nação, sob o comando de um governo instituído que controla e impõe suas
políticas.