Nicolau
Maquiavel (1469/1527), historiador, poeta, diplomata e músico, reconhecido como
o fundador do pensamento e da ciência política moderna, pelo fato de ter
escrito sobre o Estado e o governo como realmente são, e não como deveriam ser.
Como
um político que escreveu sobre problemas políticos do momento histórico em que
viveu, numa Itália fracionada em pequenos principados, sua obra, muitas vezes
considerada enigmática e de difícil compreensão, para poder ser compreendida
corretamente precisa ser contextualizada no período em que ele a escreveu,
levando-se em consideração, além dos aspectos econômicos, militares,
religiosos, também os personagens que com ele interagiram e que, de alguma
forma, influenciaram seu pensamento.
É
preciso ter em mente que, durante o Renascimento, a Península Itálica tinha conflitos
de interesses entre as cinco principais potências: o Ducado de Milão, a
República de Veneza, a República de Florença, o Reino de Nápoles e os Estados
Pontifícios.
Os
Estados Pontifícios eram formados por um aglomerado de territórios, no centro
da península itálica, que se mantiveram como estado independente entre os anos
de 756 e 1870, sob a autoridade do Papa, e cuja capital era Roma.
Estas
potências, incapazes de se aliar durante muito tempo, estando entregues às
intrigas diplomáticas e às disputas regionais, eram atrativas para as demais
potências europeias do período, principalmente Espanha e França.
A
política italiana era, portanto, muito complexa e os interesses políticos
estavam sempre divididos e sua unidade política esfacelara-se no confronto com o
particularismo das cidades.
Maquiavel
era o terceiro de quatro filhos do casal Bernardo e Bartolomea de Nelli, de
origem Toscana, antiga e empobrecida, tendo iniciado seus estudos de latim aos
sete anos, e sua educação, de forma geral, quando comparada à dos outros
humanistas, podendo ser considerada fraca.
Maquiavel
viveu sua juventude sob o esplendor político da República Florentina durante o
governo de Lourenço de Médice, entrando para a política somente aos 29 anos de
idade, no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria.
A
Primeira Chancelaria era responsável pela política externa e pela
correspondência com o exterior.
A
Segunda Chancelaria ocupava-se com as guerras e a política interna.
Lourenço
de Médice, apelidado de “O Magnífico”, praticamente iniciou o movimento
renascentista que, rejeitando a ciência escolástica e teológica, valorizava a
pesquisa e a cogitação do sentido da vida, colocando o Homem no centro do universo.
Depois
do tratado de Lodi, que pôs termo à guerra de Milão e Florença contra Veneza
(1453), tornara-se impossível a unificação sob a hegemonia de qualquer dos
três mais importantes Estados Italianos.
O
papa, a Alemanha, a França e a Espanha disputavam a supremacia política na
península.
De
um lado Milão, Florença, Mantua e Gênova, e do outro Veneza, Nápoles, Saboya e
Monteferrato, eram as cidades envolvidas nas guerras que provocavam a desunião
na Itália.
Veneza,
Florença e Milão haviam estabelecido uma aliança para manter o poder dos
Estados Italianos, que ganhou a adesão das outras cidades.
Esta
aliança, firmada pelo Tratado de Lodi (30 de Agosto de 1454) trouxe paz para a
região, de tal sorte que o Papa Nicolas V proclamou a Liga Itálica.
Sobre
esta unidade, Lourenço de Médice construiu sua política externa, e paz dela
obtida, duraria até pouco após sua morte.
Sob
seu governo, as forças progressivas do desenvolvimento, a navegação e a
circulação geral expandiram-se livremente, tendo o capitalismo interesses
coincidentes com os do Estado na sua oposição às forças descentralizadoras da
economia urbana.
A
corte artístico-cultural florentina patrocinada por ele ficou conhecida como
“movimento neoplatônico”.
Sob
sua proteção, Marcílio Ficino traduziu o grego ao latim o “Corpus Hermeticum”
(editado em Florença no ano de 1471); Pico della Mirandola escapou da acusação
de heresia pelo seu trabalho de cristianização da kaballah hebraica e
Michelangelo, que viveu em sua companhia de Lourenço de Médice por 5 anos,
iniciou seus estudos em um ateliê financiado ele.
Foi
Michelangelo quem desenhou e esculpiu a Capela Médicea da Igreja de San Lorenzo
de Florença.
Lourenço
de Médice, neto de Cosme de Médice (o velho) e filho de Pedro de Médice,
casou-se com Clarice Orsini, em 1469, com quem teve sete filhos, um deles, João
Lourenço de Médice,que viria a se transformar no Papa Leão X.
Com
a morte do pai, foi designado junto com seu irmão Juliano, “príncipes do
Estado”.
Em
26 de Abril de 1478, eclodiu em Florença a conspiração dos Pazzi, assim chamada
em alusão à família envolvida no movimento, instigada pelos Salviati,
banqueiros do Papa Sisto IV, inimigo dos Médice.
O
Papa havia comprado de Milão o senhorio de Imola, uma fortaleza na fronteira
entre Papal e Toscano, território que Lourenço de Médice queria para Florença.
A
compra foi financiada pelo banco Pazzi, apesar de Francesco de Pazzi ter
prometido aos Médice que não ajudaria o Papa.
Como
recompensa, o Papa Sisto IV concedeu aos Pazzi o monopólio nas alum minas de
Tolfa (alum era um elemento essencial para a tinturaria têxtil, que foi
fundamental na economia florentina).
Nomeou
também seu sobrinho, Girolamo Riário como novo governador de Imola e Francesco
Salviati como arcebispo de Pisa.
No
domingo de 26 de Abril de 1478, durante a missa solene na Catedral, os irmãos
Médice foram agredidos, tendo sido Juliano morto, esfaqueado por Bernardo Bandi
e Francesco de Pazzi.
Tendo
sobrevivido ao ataque, Lourenço de Médice resistiu à tentativa de golpe e os
seus agressores acabaram mortos pela população enraivecida.
No
rescaldo da “Conspiração Pazzi”, o Papa Sisto IV colocou Florença sob
interdição, proibindo missas e comunhão, convocando ainda o Rei de Nápoles,
Fernando I para atacar a cidade.
Diante
desta ameaça, Lourenço de Médice, colocando-se voluntariamente prisioneiro de
Fernando I, conseguiu convencê-lo do perigo que o Papa representava (poderia
mais tarde voltar-se contra ele), sendo solto após três meses de cativeiro, e
evitando a guerra.
Segundo
Maquiavel, Lourenço de Médice expôs a própria vida para restaurar a paz, indo
negociar pessoalmente condições favoráveis.
A
influência de Lourenço de Médice havia impedido a invasão e, em geral, ele
manteve a política de seu avô, embora menos prudente e mais disposto à tirania.
Lourenço
adotou o sobrinho Julio, filho ilegítimo de seu irmão Juliano, o qual viria a
ser coroado Papa, adotando o nome de Clemente VII.
Da
casa dos Médice provieram quatro Papas:
João
de Médice (1475/1521) – Papa Leão X (1513/1521),
Júlio
de Médice (1478/1534) – Papa Clemente VII (1523/1584),
João
de Ângelo de Médice (1499/1565) – Papa Pio IV (1559/1565) e
Alexandre
Otaviano de Médice (1535/1605) – Papa Leão XI (1605).
Com
a morte de Lourenço de Médice em 1492, e a inaptidão de seu filho Pedro
Lourenço de Médice, a Itália foi invadida por Carlos VIII, da França,
provocando a expulsão dos Médice de Florença.
Pedro
de Médice (1471/1503), o filho mais velho de Lourenço e irmão do Papa Leão X,
apesar da especial preparação que lhe havia sido dispensada pelo pai, sempre
manifestou um caráter débil, arrogante e indisciplinado.
Sem
conseguir resistir às exigências de Carlos VIII, abandonou Florença que, estava
sob influência de Girolamo Savanarola, exilando-se com sua família e vendo
instalar-se a República na cidade.
Girolamo
Savanarola (1452/1498) foi o mais controvertido reformador “dominicano” que
chegou a governar Florença.
Sentindo
profundamente a perda de valores espirituais trazida pelo ideal do
Renascimento, mostrando-se incapaz de compreender e aceitar a nova sociedade,
como evidencia no seu poema “No declínio da Igreja”, que escreveu no primeiro
ano de sua vida monástica, começou a escrever tratados religiosos baseados em
Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.
Em
1481, o seu superior designou-o para pregar em Florença.
Neste
centro do Renascimento, de imediato opôs-se energicamente à vida profana e pagã
e acusou a moralidade prevalente nas classes sociais, especialmente na corte de
Lourenço de Médice.
Anunciando
a chegada de Carlos VIII como um salvador, contrário aos Médice e com grande
apoio popular, o pregador Girolamo Savanarola tornou-se a figura mais
importante na cidade, dando ao governo um viés teocrático-democrático.
Com
sua crescente autoridade e influência, Savanarola passou a criticar os padres
de Roma como corruptos e o Papa Alexandre VI por seu nepotismo e imoralidade.
Acabou
excomungado em 12 de Maio de 1497, preso por ordem papal, sofrendo tortura e
condenado à morte, morrendo queimado em 1498.
Seu
maior mérito religioso foi denunciar os males da Igreja Católica Romana e suas
reformas políticas moralizadoras locais.
Não
deixou de ser o precursor da Grande Reforma Protestante que seria iniciada por
Martinho Luthero (1483/1546), que dividiria a Igreja do Ocidente.
Com
a demissão de seus simpatizantes, cinco dias depois de sua morte, Maquiavel, já
um homem maduro, foi nomeado para o cargo de Secretário da Segunda Chancelaria
de Florença.
Em
1501, casou-se com Marietta Corsini, com quem teria quatro filhos e duas
filhas.
Em
1502 e 1503, Maquiavel teve contato com César Bórgia, filho do Papa Alexandre
VI.
César
Bórgia, por volta de 1501, como líder da Igreja e filho do Papa, vinha
conquistando territórios na Toscana.
Acercou-se
de Florença com seus exércitos e exigiu que a cidade se aliasse a ele,
pagasse-lhe um tributo e mudasse seu governo para um mais favorável a si.
Pela
pressão do rei de França Luis XII, César Bórgia foi obrigado a retroceder em
sua campanha, exigindo, antes, o envio de representantes florentinos para
tratar de seus interesses.
Para
esta missão, em 24 de Junho de 1502, foi enviado Francisco Soderini, tendo
Maquiavel como secretário e auxílio.
Com
a morte de Alexandre VI e tendo Júlio II se tornado Papa, César Bórgia perdeu
seu apoio e veio a se enfraquecer.
Feito
prisioneiro duas vezes, morreu lutando pelo exército de Navarra, mas sua figura
ficaria marcada para Maquiavel, servindo de inspiração para sua obra mais
famosa, “O Príncipe”.
O
Papa Julio II, formou a liga de Cambrai, em 1508, cujo objetivo era frear a
expansão territorial da República de Veneza, mais tarde, aliando-se a Veneza,
declarou guerra à França, para expulsá-los da Itália, alcançando-se a paz em
1516, com o retorno do status quo de 1508 na península itálica.
Nesse
período, Maximiliano I declarou ter intenção de conquistar a Itália para
restaurar o antigo Sacro-Império-Romano-Germânico, fazendo-se coroar em Roma.
Com
sua morte, em 1519, Carlos I, da Espanha, foi designado seu sucessor, formando
um estado que ocuparia quase metade da Europa.
As
obras mais conhecidas de Maquiavel são “O Príncipe” (1513) e “Discursos Sobre a
Primeira Década de Tito Lívio” (1512-1517).
Escreveu
também o poema Asino d´Oro (1517), a peça “A Mandrágora” (1518), o romance
“Novella di Belfagor” (1515), e outros, como “Dialogo Intorno Alla Nostra
Língua” (1514), “Andria” (1517), “Discorso Sopra il Reformare ló Stato di
Frirenze” (1520), “Sommario delle Cose della Citta di Luca” (1520), “Discorso
della Cose Florentine dopo La Morte di Lorenzo” (1520), a comédia “Clizia”
(1525), “Frammenti Storici” (1525), e poemas como “Sonetti”, “Canzioni”,
“Ottave” e “Canti Carnascialeschi”.
Escreveu
ainda “Dell´arte della guerra” ou “A Arte da Guerra” (1519/1520) e a “Vita di
Construccio Castracani da Lucca” (1520).
O
livro “A Arte da Guerra”, o único de seus trabalhos sobre política que foi
publicado em seu tempo de vida, dava conselhos sobre como obter e manter a
força militar, defendendo o preparo militar dos cidadãos para que eles e seu
Estado mantenham a liberdade.
A
orientação de Maquiavel sobre o preparo dos cidadãos para defender sua cidade
contra forças invasoras estrangeiras, de certa forma, serviu de exemplo e rota
a ser seguido no século XX, pelo Marechal Tito, da República Iugoslava, quando ele
estabeleceu sua linha de tolerância e de defesa contra o expansionismo
soviético do período stalinista.
Foi
para Lourenço de Médice II (1492/1519), filho de Pedro de Médice, que Maquiavel
dedicou seu livro “O Príncipe”.
O
método utilizado por ele, ao escrever a obra, rompeu com a tradição medieval ao
fundamentar-se no empirismo e na análise dos fatos recorrendo à experiência
histórica da Roma Antiga.
Ele
foi o primeiro a propor uma ética para a política diferente da ética religiosa,
ou seja, colocando a finalidade da política como a mantença do Estado.
Com
a morte de Lourenço II, Júlio de Médice, que depois se tornaria papa com o nome
de Clemente VII, assumiu o poder em Florença.
Após
a queda dos Médice em 1527, com a invasão e saque de Roma pelas tropas
espanholas de Carlos I, a república instalou-se novamente na cidade de
Florença, com o estabelecimento do Grande Conselho anteriormente instituído por
Savonarola.
“O
Príncipe”, apesar de ser o livro mais conhecido de Maquiavel e tendo sido escrito
completamente em 1513, embora já conhecido e criticado por muitos, só foi publicado
oficialmente, após sua morte.
Teve
origem com a união de Juliano de Médice e do Papa Leão X, com o qual Maquiavel
viu a possibilidade de um príncipe finalmente unificar a Itália e defendê-la
contra os estrangeiros, apesar de dedicar a obra a Lourenço II, mais jovem, de
forma a estimulá-lo a realizar esta empreitada.
Os
jesuítas o acusaram de ser contra a Igreja e convenceram o Papa Paulo IV a
colocá-lo no “Index Libroruns Prohibitorum”, em 1529.
Maquiavel
era um verdadeiro republicano, mas ele acreditava que somente a força de um
líder especial poderia criar um Estado Italiano forte.
Sua
preocupação central é com a constituição de um governo forte e capaz de
reunificar a Itália, que estaria exposta à mercê das grandes potências
europeias.
Maquiavel
defendia a Monarquia ou Principado como a forma de governo adequada ao momento
de fundação de um novo Estado, que precisava da liderança de um governante
firme e decidido para conduzir o povo.
A
reforma republicana, no entanto, é a mais adequada ao momento posterior da
fundação e reestruturação do Estado, pois, para ele, o governo que é feito com
a participação do povo, tinha chance de errar menos.
Sem
colocar-se como pensador sistemático, Maquiavel se valia do empirismo para
escrever, através de um método indutivo, pensando seus escritos como conselhos
práticos e não utópicos, e dizer, realista.
Para
ele, teoria e prática não se separavam.
Como
características marcantes do pensamento maquiaveliano, destacamos
primeiramente, o realismo e o estabelecimento de uma ética laica.
Um
realismo extremo, do qual ele se valia para descrever não como o homem deve
agir, ou como deve ser o governo, mas sim, como o homem age de fato e como, de
fato, é o governo.
Através
de uma observação dos fatos históricos, ele concluiu que os homens sempre
agiram pela via da corrupção e da violência, ressaltando-se que em quaisquer
elementos que conferiram unidade à sua obra, ele manteve uma visão
absolutamente pessimista / realista do homem.
Para
ele, a natureza humana seria essencialmente má e os seres humanos queriam,
sempre, obter os máximos ganhos a partir do menor esforço, praticando o bem
apenas quando forçados a isso, ou se lhes fosse vantajoso.
Ao
contrário do pensamento aristotélico que afirmava ser o homem um “animal
social”, Maquiavel o colocava com instintos naturalmente antissociais,
egoístas, de caráter ambicioso, invejoso, traiçoeiro, feroz e vingativo,
praticando o bem apenas quando submetido à lei ou movido pela necessidade de
sobrevivência.
A
ética em Maquiavel, contrapondo-se à ética cristã medieval, colocava que as
ações dos governantes deveriam pautar-se na manutenção da pátria e do bem geral
da comunidade, estabelecendo uma moral laica de base naturalista e provocando
uma ruptura com o pensamento político medieval que vinculava a política à
religião e à Igreja.
Vista
desta forma, a política, para ele, seria julgada em função de sua utilidade
para a comunidade e seria moral toda a ação que visasse seu bem.
Neste
contexto, sua ética poderia legitimar o recurso do mal, da violência, da
guerra, da tortura e morte, se utilizadas para resguardar a harmonia e o bem
estar de uma parcela maior da sociedade, e dizer, para ele, os problemas entre
moral e política só surgiriam quando determinados objetivos políticos exigissem
a adoção de medidas condenáveis pela consciência moral, em nome de valores ou
princípios que transcendessem a jurisdição temporal do Estado.
A
filosofia cristã, legada pela Idade Média ao Renascimento, concebia o homem
como um ser temporal, de vocação social, dotado, porém, de uma destinação
extraterrena, isto é, como um ser que vive naturalmente em sociedade,
subordinado à lei positiva, mas que deve, antes de mais nada, obedecer à lei
natural, colocada acima da própria autoridade do Estado, e que este não deve
contrariar, pois ela emana da própria lei eterna.
ESCOREL,
Lauro. Introdução ao Pensamento Político de Maquiavel. Brasília: Ed.Universidade
de Brasília, 1979.
Maquiavel
não reconhecia esta subordinação do Estado aos valores espirituais,
transcendentes, da mesma forma que não reconhecia que o homem tivesse direitos
naturais, anteriores à constituição da sociedade.
Ao
contrário, para ele, em estado de natureza o homem viveria nivelado aos
animais, desconhecendo quaisquer noções de bem ou de mal, de justiça ou de
injustiça.
No
seu pensamento, a “ação moral” seria toda ação manifestamente útil às
comunidades e ação imoral, aquela que só tinha em vista a satisfação de
interesses privados e egoístas.
A
virtú, ou ação virtuosa, não consistia, de modo algum, em agir segundo uma
ideia abstrata de bem,desinteressando-se de suas repercussões práticas.
A
virtú, seria a capacidade de adaptação aos acontecimentos políticos que levaria
à permanência no poder, algo como uma barragem que deteria os desígnios do
destino, consistindo em saber aproveitar-se das oportunidades oferecidas pela
“fortuna”, avaliando, de uma maneira consciente a situação e as possibilidades
de ação, para em seguida escolher os meios mais adequados para transformar em
realidade a decisão tomada.
Este
novo conceito de virtú, nada tinha em comum com o conceito medieval de
submissão do homem à vontade de Deus, renúncia ao mundo terreno e glorificação
do mundo contemplativo.
Segundo
Maquiavel, o homem virtuoso seria aquele que enfrentando os perigos, suportasse
melhor as adversidades, lançando, por direito, mão de todas as armas possíveis
para sobrepujar a “fortuna” (destino), observando suas capacidades e agindo com
obstinação.
Assim,
o conceito maquiaveliano de virtú prescinde, de modo absoluto, qualquer
critério de avaliação do comportamento humano, onde o importante, para ele, era
observar se determinada ação foi adequada à situação dada e se alcançou a
finalidade desejada, ou seja, encarando a política como uma técnica, o
julgamento das ações de um governante só poderia se dar a posteriori, em função
da sua eficácia prática ou resultado obtido.
Em
síntese, apesar de pessimista no que diz respeito ao ser humano, mesmo
reconhecendo a existência de indivíduos dotados de uma virtú superior, capazes
de sobrepor o bem comum aos seus próprios, ele acreditava que os homens não
tinham outro interesse senão a satisfação de seus interesses particulares,
ficando por isso, necessitados da lei.
Ele
concebia a política como uma atividade complementar situada fora dos limites da
moral, com leis e regras próprias, desassociada das amarras teológicas com que
a Idade Média atara o poder temporal, recusando-se a reconhecer qualquer valor
superior à autoridade do Estado.
Maquiavel,
em sua obra “Discurso Sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, ou simplesmente
“Discorsi”, escrita entre 1513 e 1521, oferece uma lúcida avaliação acerca da
necessidade de se distinguir ação moral da ação política, onde as ações
políticas dizem respeito às leis, à liberdade, às instituições políticas e seu
funcionamento numa república.
No
seu tratado sobre o principado, ele considera que não há, para o homem
político, a possibilidade de ação fora da vida terrena.
A
humanização das ações humanas e seus significados se dá, em seu raciocínio, por
meio de uma naturalização do político.
Para
ele, o Estado que ora é sujeito, ora é objeto da ação dos homens, pode ser
reduzido a dois aspectos: a manutenção da ordem pública nas relações internas e
a defesa da integridade da pátria nas relações externas.
Os
“Dircorsi” são divididos em três livros, onde no primeiro Maquiavel trata do
funcionamento interno das repúblicas, no segundo, aborda basicamente questões
militares (para ele sempre muito importantes) e, no terceiro, ele discute a
ascensão e queda das repúblicas, isto é, da dinâmica dos Estados.
A
primeira grande diferença entre sua obra “O Príncipe” e os “Discorsi” é a de perspectiva:
enquanto no primeiro livro as questões políticas são tratadas da ótica do
governante (do príncipe), na segunda, Maquiavel procura avaliar o quadro social
na sua totalidade e oferecer uma visão global do sistema político.
No
“Discorsi” não existe a figura de um personagem central e o destinatário da
mensagem não é mais “O Príncipe”, e sim, um leitor muito mais genérico, embora
a pretensão de produzir um livro que tenha “sentido prático” continue presente.
Isto
se torna mais perceptível na sua afirmação de que parte dos fracassos da
política de seus contemporâneos deve-se ao fato de que a história antiga é por
eles mais admirada do que imitada.
Logo
no primeiro capítulo ele explica que a natureza humana tem uma constância
comparável à do céu, do Sol e dos elementos nos seus movimentos.
Por
isso, continua ele, vale a pena estudar as ações dos antigos e imitá-los no que
for cabível.
Ele
escolhe para sua obra a Roma Antiga, cuja estabilidade republicana, desfrutada
em seus 300 anos de acidentes históricos, foi capaz de expandir-se e de
suportar conflitos internos sem se destruir, constituindo-se assim, em um
exemplo rico de ensinamentos.
De
maneira geral, para Maquiavel, o nascimento de uma cidade se dá pela ação dos
homens, não de indivíduos, mas sim de grupos que vivem dispersos e, de alguma
forma, decidem se unir numa mesma área, seja ela em função de sua segurança ou
de qualquer outro motivo.
Em
sua visão, como no momento da constituição do Estado os indivíduos já estão
reunidos em grupo, o problema da segurança, para ele, não é matéria individual,
mas sim um assunto de grupos.
Para
ele, a primeira forma a se constituir naturalmente, a partir de uma agregação
inicial que permita reconhecer a liderança, é a monarquia.
Tal
liderança pode tornar-se, num segundo momento, fonte de noções coletivas de bem
e de justiça, onde o arbítrio e a força cedem à razão.
Neste
ponto, vale ressaltar que, para ele, a forma original do poder se constitui,
não pela força, mas pela diferenciação da força, sendo anterior à moral.
Também
vale registrar-se que, para ele, a moralidade se constitui inicialmente pela
percepção dos sentimentos que certas formas de agir despertam nos expectadores.
Com
isto, ele introduz um fator adicional ao lado da força, que podemos denominar
de “princípio de legitimidade”, que vai dar conta das variadas formas de
governo.
Maquiavel
chama também a atenção para o fato de que a liberdade e a força da república
romana teria nascido da desunião entre a plebe e o senado, ficando as leis em
segundo plano, já que o povo não age contra os grandes senão pelo desejo de não
ser oprimido.
A
constatação que faz, portanto, é a de que não basta a existência da lei para
que possa haver liberdade, é preciso que esta lei crie espaço e caminhos para
canalizar os conflitos.
Em
seu raciocínio, as leis oferecem mecanismos de acomodação dos conflitos e,
neste sentido, acabam por institucionalizá-los da sociedade.
O
ponto importante aqui é que as leis constituem, segundo ele, a legitimação do
emprego da força, sempre um recurso importante, mas que devem ser limitados por
elas.
Para
Maquiavel, é necessário que as leis da república ofereçam meios legítimos ao
povo de manipular o ódio que um cidadão possa lhe inferir, assegurando a todos
o direito de acusar, diante de um magistrado, aquele cidadão que tenha atentado
contra a liberdade.
Segundo
ele, a institucionalização de tal poder faz com que os cidadãos, temendo ser
acusados, não invistam contra a segurança do Estado.
No
“Discorsi”, Maquiavel destina ainda capítulos ao tratamento da religião e suas
funções políticas, abordando os perigos que ela pode acarretar para o Estado.
A
religião, segundo ele, constitui um conjunto de crenças que o legislador sábio
cria ou adota ou incorpora ao seu governo, já que o povo, convencido de que o
poder dos deuses é maior do que o dos humanos faz com que respeitem seus
juramentos mais do que às leis.
A
ideia geral é que é parte da ação política prudente manter e valorizar a crença
religiosa, pois ela fortalece a fidelidade ao Estado e a união entre os
cidadãos.
No
“Discorsi”, a virtú, em seu sentido pleno, deve ser entendida como algo mais do
que a aptidão para conquistar e manter o poder, devendo ser percebida muito
mais como a qualidade ou posse dos atributos necessários para a construção e
engrandecimento do Estado.
Outra
manifestação da virtú no comportamento coletivo que aparece em seu “Discorsi” é
aquela que implica na realização de sacrifícios necessários para a defesa da
pátria, da liberdade e das instituições republicanas.
Para
Maquiavel, a virtú se manifesta no povo como a fidelidade às instituições
livres e republicanas.
Finalizando
os comentários sobre esta obra, para Maquiavel, a unidade política estatal
passa a ser vista, em seu “Discorsi”, como uma realidade que se manifesta por
meio de um conjunto de instituições que não apenas regulam as relações entre o
poder e os particulares, ou de particulares entre si, mas de instituições que
passam, também, a ser vistas como limitadoras do poder estatal e como noções construtivistas
de um espaço social.
Em sua obra “O Príncipe”, ele coloca,
de maneira humilde, mas ousada, considerações acera de sua experiência e
observações sobre governantes, sugerindo ao príncipe, atentar para suas
considerações sobre vários temas ligados ao governo.
Distribuído
ao longo de 26 capítulos, ele aborda desde as várias espécies de principados, às
maneiras de se conservarem as cidades, da forma de medir sua força, das tropas
necessárias ao príncipe, da sua relação com o povo, da relação com a Igreja,
dos cuidados com seus ministros e com os aduladores do governo.
Discorre
sobre direitos hereditários de poder, colocando a importância de conservar as
atitudes aceitas e louvadas de seus antecessores pelo povo, alertando ao
destinatário sobre os perigos de manter as atitudes reprovadas ou impostas,
dada a possibilidade da rebelião.
Coloca
a importância, que considera vital para a mantença da conquista de um novo
principado, sem qualquer subterfúgio de caráter moral, a total eliminação da
linha sucessória do príncipe que foi derrotado.
Basta,
para que se assegura da posse desses Estados fazer desaparecer a linha do
príncipe que o dominava, pois mantendo-se nas outras coisas a condição antiga,
e não havendo disparidade de costumes, os homens vivem calmamente. [...] O
conquistador, para mantê-los, deve ter 2 regras: primeiro, fazer extinguir o
sangue do antigo príncipe; segundo, não alterar as leis nem os impostos.
O Príncipe – Cap. III, Dos Principados
Mistos
Se
trouxermos esta colocação explicita de ação sugerida, para um período não tão
distante dos dias atuais, mais precisamente para um período de 400 anos após
Maquiavel ter escrito estas palavras, lembrar-nos-emos da Revolução Russa, de
1917, onde o “príncipe bolchevique” Lenin, ordenou a execução do Czar Nicolau
II, da casa Romanov, junto com toda a sua família, para assegurar o novo modelo
de governo que estavam por implementar.
Em
outro momento, Maquiavel aconselha “o príncipe” sobre os procedimentos e
cuidados que ele precisa ter quando anexa outros Estados aos seus domínios.
“Quando se conquista Estados
habituados a reger-se por leis próprias e em liberdade, há três modos de
manter-se a sua posse: primeiro – arruiná-los; segundo – ir habitá-los;
terceiro – deixá-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criando um
governo de poucos, que se conservem amigos.”
O Príncipe -Cap.V – Da Maneira de
Conservar as Cidades
Maquiavel,
provavelmente, extraiu este conceito observando a relação que a Roma Antiga
mantinha com suas colônias, por exemplo, a da Judéia, quando permitia que um
pequeno número de líderes religiosos exercessem o controle sobre o povo, ainda
que subordinados ao poder de seus embaixadores, para que estes, recolhendo as
oferendas oferecidas nos templos, as convertessem em tributos à Cesar.
Mesmo
assim, valendo-se possivelmente do mesmo exemplo, onde a revolta e a
conspiração nunca abandonaram o pensamento dos oprimidos, ele insistiu:
É
que, na verdade, não há garantia de posse mais segura do que a ruína. Quem se
torna senhor de uma cidade tradicionalmente livre e não a destrói, será
destruído por ela.
Assim,
para conservar uma república conquistada o caminho mais seguro é destruí-la ou
habitá-la pessoalmente.
O Príncipe – Cap. V – Da Maneira de Conservar
as Cidades
Aconselhava
também que, para a execução das medidas repressoras e cruéis que a situação
solicitasse para assegurar a posse de um novo território, devia-se indicar um
subordinado fiel, de caráter medíocre, que não hesitasse em fazê-las de uma só
vez, ainda que instaurando o terror.
Uma
vez assegurada a posse do território, como maneira de garantira gratidão dos
conquistados e, a partir dela, sua fidelidade, este “verdugo” nomeado, seria
oferecido em holocausto, pelos exageros cometidos.
Cita
como exemplo, a ação tomada por Cesar Bórgia na tomada da Romanha, quando
indicou Ramiro de Orco para o comando, “homem cruel e expedito” (Cap.VII –
Principados Novos que se Conquistam por Armas), que, após cumprir a sua tarefa,
foi sacrificado para que Cesar Bórgia fosse adorado e visto como benfeitor pelo
povo.
Nos
tempos modernos, ressalvadas as devidas proporções, podemos analisar Eichmann,
o grande exterminador de judeus na Segunda Grande Guerra que, conforme
depoimento de Hannah Arendt (1906/1975), era um simples e medíocre burocrata
que foi colocado naquela posição de comando, para desempenhar uma tarefa, o que
fez, sem ressalvas éticas ou morais que o desviassem do caminho.
Maquiavel
fala também, sobre o Principado Civil, onde o governante é colocado nesta
função por meio dos “apetites” do povo ou dos poderosos.
“ Percebendo
os grandes que não podem resistir ao povo começam a dar repercussão a um de
seus elementos e o fazem príncipe, para poder, sob sua sombra, satisfazer seus
apetites.
O
povo também, vendo que não pode resistir aos grandes, dá reputação a um cidadão
e o elege príncipe para estar defendido com a sua autoridade.
O
que ascende ao principado com a ajuda dos poderosos se mantém com mais
dificuldade do que aquele que é eleito pelo próprio povo. “
O Príncipe – Cap. IX – Do
Principado Civil
Embora
escrito a 500 anos atrás, este pequeno trecho demonstra o quão atual seus
ensinamentos, quase proféticos, continuam a ser.
A
recente democracia brasileira, nestes últimos 25 anos, experimentou as duas
situações descritas por Maquiavel, primeiro elegendo Collor e depois, com
Lulla, ambos políticos assistencialistas (tipo Bolsa Família) e desconectados
de um projeto nacional de longo prazo, a não ser o de mantença do poder, pelo
poder.
“ E como os homens, quando recebem
benefícios de quem só esperavam mal, se obrigam mais para com o benfeitor,
torna-se o povo mais seu amigo do que se o príncipe houvesse sido levado ao
poder por favor seu.”
O Príncipe – Cap. IX – Do Principado
Civil
Percebe-se
também, de maneira persistente na quase totalidade de suas argumentações, uma
excessiva preocupação de Maquiavel com as forças militares envolvidas, tanto na
república quando no principado.
Isto
é tão marcante em sua obra, que a frase: - O direito reside na força! , é
colocada no corpo do texto apócrifo, mas, atribuído a ele por muitos, “Os
Protocolos dos Sábios do Sião”.
“ Dissemos
que é necessário a um príncipe estabelecer sólidos fundamentos [...] e as principais
base que os Estados têm, são boas leis e boas normas. E como não podem existir
boas leis onde não há armas boas, e onde há boas armas convém que existam boas
leis, as forças com que um príncipe mantém o seu Estado são próprias ou
mercenárias. As mercenárias e auxiliares são inúteis. O Estado é espoliado por
elas na paz, e, na guerra, pelos inimigos”.
O Príncipe – Cap. XII – Das Milícias e dos Soldados Mercenários
Maquiavel
refere-se neste trecho de sua obra ao período de conflito entre os cartagineses
e os romanos, onde as tropas mercenárias dos primeiros, de nada lhes serviram,
pelo contrário, foram subornadas e voltaram-se contra eles.
Continua
ainda
“ Quero
contudo, demonstrar a má qualidade destas tropas. Os capitães mercenários ou
são grandes militares ou não são nada; se o forem, não te poderás fiar neles,
porque aspirarão sempre a própria glória. Se não forem grandes capitães, irão
te arruinar por isso mesmo.
O
Príncipe em pessoa é quem deve constituir-se capitão, a República deve mandar
para este posto, um de seus cidadãos.
E,
se se revelar um homem de valor no seu posto, deve a República assegurar-se,
mediante leis, contra o capitão, para que ele não exorbite das suas funções.
O Príncipe – Cap. XII – Das Milícias e dos Soldados Mercenários
Provavelmente, este alerta
de Maquiavel, foi pensado e extraído do fato histórico em que Júlio Cesar, cruzando
o Rubicão, entrou com seu exército em Roma, tomou o poder e tornou-se
imperador.
Antes
dele, em outro exemplo, Felipe da Macedônia, feito pelos tebanos o capitão de
sua gente, depois da vitória contra seus inimigos, tirou-lhes a liberdade.
De
qualquer forma, encerrando os comentários sobre a preocupação com as tropas,
tão presente na obra de Maquiavel, aonde, em dado momento, chega a deixar
registrado que “ um príncipe não deve ter outro pensamento, nem ter qualquer
outra coisa como prática, a não ser a guerra, o seu regulamento e a sua
disciplina...” (O Príncipe - Cap. XIV-
Dos Deveres do Príncipe para com as Tropas) associamos este pensamento ao
período da ditadura Vargas no Brasil, que chamamos de Estado Novo.
Nesta
época, embora o Brasil tenha tido uma pequena participação no evento da Segunda
Grande Guerra, o “estado de guerra” ao
qual a população foi submetida, possibilitou a Getúlio Vargas as condições
necessárias de governabilidade durante a ditadura que instalou.
Acabada
a guerra, acabaram-se as condições favoráveis e findou-se seu governo.
Maquiavel
dedica os últimos capítulos de “O Príncipe” ao trato das posturas que o
mandatário do poder deve apresentar, em questões de liberalidade (Cap.XVI) onde
deixa claro que, o liberal, para poder ser sempre liberal, acabará gastando sua
fortuna e precisará aumentar os impostos, o que será sua ruína, já que será
odiado por muitos e amado por poucos (aqueles que ganham suas benécies), ao
passo que, aquele que for avaro, pouco gastará e por isso, não aumentará
impostos, o que lhe concederá elogios e o título de liberal por muitos, de quem
nada tira, e crítica de poucos a quem nada dá.
“ Aceitando a pecha de avarento, com o
tempo, poderá demonstrar que é cada vez mais liberal, pois o povo verá que a
parcimônia do príncipe faz com que sua receita lhe baste [...] Assim pois, é
mais prudente ter a fama de miserável do que ser obrigado a incorrer na rapace,
e tornar-se odioso.”
O Príncipe – Cap. XVI – Da
Liberalidade e da Parcimônia
Nos
dias de hoje, é praticamente impossível desassociar este pensamento de
Maquiavel, por exemplo, da atitude, de certa forma inusitada, do atual
presidente José Mujica, no Uruguai, criticado por poucos pela modéstia e amado
por muitos pelo exemplo que dá, no trato do dinheiro público.
Outrossim,
Maquiavel alerta seu príncipe, de que, mesmo amado, é importante, também, que
seja tido por justo, ou mesmo cruel e impiedoso para com os infratores e
dissidentes, do que fraco e clemente.
Não deve, portanto, importar ao
príncipe a qualificação de cruel para manter seus súditos unidos e com fé,
porque, com raras exceções, é ele mais piedoso do que aqueles que por muita
clemência deixam acontecer desordens. É que estas consequências prejudicam todo
um povo, e as execuções que provém do príncipe ofendem apenas um. É muito mais
seguro ser temido que amado. Os homens hesitam menos em ofender aos que se
fazem amar do que aos que se fazem temer.
O Príncipe – Cap. XVII – Da
Crueldade e Piedade
Como pudemos
demonstrar, apesar de passados mais de cinco séculos, a obra e o pensamento de
Maquiavel, que inaugurou o pensamento e a ciência política, continuam a ser
referência para todos aqueles que se dedicam ao tema.
Para
governos de esquerda ou de direita, tirânicos ou liberais, monarquias ou
repúblicas, seus exemplos continuam a ser válidos, basicamente pelo fato de
tratarem o homem e as coisas humanas como são realmente, e não como deveriam
ser.
Assim
como á vida humana é contingente, dependente da vontade, onde, segundo Platão, o
desejo é a falta (o que caracteriza o homem é a busca da satisfação, buscar o
que lhe falta), a vida em comunidade também o é, precisando o homem assumir
relações pré-estabelecidas e aceitas para viver em comunidade, o que, por si,
implica em conflito.
A
política é, portanto, o que há de contingente na nossa convivência,
transformando-se na gestão de desejos contraditórios e em conflito, na gestão
da alegria e da tristeza.
Se
o homem é por natureza desejante, a polis é por natureza uma guerra de todos
contra todos. (Hobbes, Leviatã, 1651)
Uma
gestão que, aparentemente conectada, em verdade ignora a opinião (substância)
pública (adjetivo), coisa naturalmente inexistente, determinada apenas pelos
meios midiáticos que a tornam pública, e que é focada, sempre, no interesse de
quem governa, de seus aliados e financiadores.
Professor Orosco