Ser
ou não ser, eis a questão.
Seguramente
esta é uma das frases mais conhecidas e repetidas no mundo, denotando um certo
respeito ao conhecimento, aos clássicos e ao conceito de filosofia,
estabelecido pelo senso comum.
Escrita
por William Shakespeare, entre 1599 e 1601, esta frase faz parte da tragédia
grega Hamlet, que conta uma historia, passada na Dinamarca, de como o príncipe
Hamlet tenta vingar a morte do pai, Hamlet, o rei, assassinado por Cláudio, seu
irmão, que o envenenou e que, em seguida, tomou o trono, casando-se com a
rainha.
Ser ou não ser, eis a questão: será
mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e
setas
Com que a Fortuna (destino),
enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de
provocações
E em luta pôr-lhes fim?
Morrer... dormir: nada mais
[...] Morrer, dormir
[...] Dormir, talvez sonhar
Shakespeare. Tragédia Hamlet, Ato
III Cena I
Na busca determinada de
vingança, Hamlet, o príncipe, acaba engajado em dúvidas filosóficas e morais,
aparentando estar louco.
Ser
ou não ser, a expressão repetida por Shakespeare, sem dúvida alguma consta
entre as maiores questões levantadas pela espécie humana, desde o início dos
tempos.
Para
tentar trazer alguma luz ao tema, ajudando a elucidar esta dúvida, vamos,
primeiramente, nos perguntar "o que é ser ?".
Partindo
de uma análise da linguagem, podemos dizer que o infinitivo português
"ser" pretende traduzir o particípio substantivo grego "tò ov" ou o particípio latino
"ens", "ente", ou, de modo mais preciso ainda, "alguma
coisa que é".
O
ser é, portanto, alguma coisa que tem por determinação própria ou por
atualidade o existir.
Para
compreender melhor este conceito, comecemos por estudar Parmênides, filósofo
grego, natural de Eléia, uma cidade cujas ruínas encontram-se na região de
Salerno, Itália, que viveu aproximadamente entre 530 e 460 a.C., com quem teria
nascido aquilo que chamamos ontologia, o conhecimento do ser.
Ele
teria, em sua obra, formulado pela primeira vez os dois princípios lógicos
fundamentais do pensamento:
-
o princípio de identidade: o ser é o ser e
-
o princípio da não contradição: se o ser é, o seu contrário, o não ser, não é.
Em
seu poema "Sobre a Natureza", que introduziu o hábito de expor
argumentos, conclusões calcadas em premissas, ele descreve de forma metafórica
uma experiência de renúncia e de revelação, apresentando como conteúdo
principal, aquilo que foi revelado, a via da verdade.
Neste
poema ele explora dois possíveis caminhos para que se possa encontrar a verdade
onde, no primeiro, o homem deixando-se levar pela razão, é levado à evidência
de que "o que é, é, e não podia deixar de ser".
No
segundo caminho, a via da opinião, pelo fato de se atentarem para os fatos
empíricos (baseados apenas na experiência), pelas informações obtidas através
dos sentidos, o homem não chegaria à verdade e à certeza, permanecendo preso no
nível instável das opiniões.
Neste
poema, ele associa o caminho da verdade, da razão, à luz do dia, onde a luz
desnuda o mistério e, em contraponto, associa o caminho da opinião à noite,
cuja escuridão esconde a realidade e nos induz a imaginar e a mistificar.
Na
sequência, para tentar compreender melhor o ser, recorreremos a Aristóteles e
ao seu quadro lógico das oposições, um diagrama em que cada uma das quatro
proposições do sistema está relacionada às outras três.
Observando
este quadro, compreendemos melhor o sentido de extensão das coisas, partindo
dos universais (todos/nenhum) para os particulares (alguns), onde, de maneira
bem simples, podemos observar que os particulares estão sempre subordinados,
contidos, nos universais, no todo.
Com
este conhecimento, fica muito simplificado o processo de compreensão dos
conceitos de gênero e de espécie, esta última, contida no gênero, que tem
sempre um caráter de maior extensão.
Explicando
melhor:
Poderíamos
dizer que no gênero dos vivêntes, encontra-se as espécies animal e vegetal.
Também
poderíamos dizer que no gênero animal, encontram-se as espécies racional e
irracional e, dentre os racionais, o homem.
Homem,
aqui, não é espécie, pois não existe outro animal racional.
A
humanidade teria uma extensão maior do que homem.
Poderíamos
dizer espécie humana, da qual um homem qualquer, pode ser considerado, apenas,
um acidente.
Uma
cor, por exemplo, é sempre um acidente, já que é uma particularidade da coisa
em si, daquilo que é, do ser.
Os
gregos tinham uma palavra, ειδος, "Eidos", para designar "aquilo
que faz uma coisa ser o que ela é", que nós, de maneira equivocada ou
simplista, costumamos chamar de essência.
Explicando
melhor, quando dizemos mesa, não importando o idioma; não importando sua cor,
formato ou tamanho, todos compreendemos o significado.
Todos
temos uma ideia do "eidos" da mesa, que só se concebe mediante a
existência da própria mesa.
Este
eidos é a causa da coisa.
Nós,
pelos sentidos, quando vemos uma coisa, vemos apenas uma parte da causa da
coisa, aquilo que é percebido pelos sentidos.
Não
vemos, por exemplo, o artífice que construiu a mesa ou a árvore da qual se
extraiu a madeira de sua construção, e ambos, também, são causas da coisa.
Na
metafísica (além da física) e, mais particularmente em Santo Tomas de Aquino
(1225/1274), para simplificar este processo de entendimento do ser, adotou-se
uma espécie de escala, que nos auxilia na compreensão do ser.
1
- O de menor extensão, aquilo que vemos, uma essência já manifesta em sua
definição; que já foi definida, que chamamos "quididade".
Por
exemplo, a humanidade do homem; a animalidade dos animais.
2
- Com extensão um pouco maior, a "essentia", uma substância
conhecida, que pode ser definida, o que determina a coisa ser o que ela é, seu
eidos, por exemplo, vivente.
3
- Uma extensão maior ainda, a "entia", um modo genérico de falar
substância, uma unidade ontológica à qual se pode dar uma definição, mas que
ainda não foi definida.
A
substância, ideia ou forma, já está além dos sentidos, encontrando-se no
intelecto, na razão, na reflexão.
Por
exemplo, o conceito das formas geométricas.
4
- O "esse", às vezes traduzido por "ser", mas que se refere
ao "ato de ser", pela sua atualidade, da possibilidade, do ser
enquanto ser.
A
mesa é um esse; a porta é um esse; são o que são, no ato de ser.
5
- O "ens", "ente", que diz respeito ao "que é".
A
inteligência do homem só existe fora dele mesmo; ela precisa do mundo sensível
para que o intelecto funcione.
6
- E finalmente, o "ens per se", "o ente por si", o
"Ser", que é causa de si mesmo, aquilo que chamamos Deus.
Como
conclusão, podemos, então, dizer, que o ser está na coisa e que também está no
intelecto, e que está, também, além do
intelecto.
Inicialmente,
no pensamento do artífice, depois, manifesto em sua obra, permanecendo em ambos
enquanto existirem.
Professor Orosco
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