José Carlos Orosco Roman
(Professor Orosco)
Ao nos
darmos conta nesta partida para a terceira década do século XXI, onde vislumbramos um cenário em que o Mundo
Globalizado e tecnicamente conectado já começa a evidenciar os graves sintomas
da deterioração dos paradigmas de produção de bens e serviços do século XX e do agravamento das relações entre o Capital
e o Trabalho, principalmente por conta da inovação tecnológica que se faz
presente em todos os setores da economia, da agricultura à produção de
satélites, incluindo telecomunicações, sistemas bancários e da própria
Internet, percebemos que a dependência da presença física da pessoa humana para
a execução destas atividades laborais está sendo consideravelmente reduzida. Um
problema que, nestes dias, é particularmente agravado pela presença de uma
crise sanitária, de caráter global que, além de ceifar muitas vidas, está
promovendo a paralização das atividades econômicas em uma escala jamais vista
na história. Nem mesmo a peste negra ou a gripe espanhola, que provocaram
milhões de mortes, tiveram impacto tão severo para a economia global e para as
relações de trabalho como esta que estamos vivendo.
Nestes
cenário, com o desenvolvimento dos supercomputadores e da Inteligência
Artificial, pode-se dizer que o próprio ato de pensar está sendo gradativamente
relegado a um segundo plano, já que chegamos ao ponto de poder observar um
exercício de discussão autônoma entre duas máquinas sobre temas como Moral e
Ética, aplicadas a linhas de desenvolvimento e replicação de novas unidades
cibernéticas. Algo como a necessidade do reconhecimento e da validade da
obediência às três leis da robótica formuladas por Isaac Asimov para assegurar
a supremacia humana sobre elas, principalmente quando pensamos em máquinas
projetando e construindo, de forma autônoma, outras máquinas.
Hoje,
até mesmo as tarefas básicas de exames e diagnósticos clínicos, por exemplo, cada
vez mais dependentes destas máquinas, estão sendo, paulatinamente, delegadas a
sistemas que padronizam protocolos de procedimentos, nos quais a presença
humana do médico se torna dispensável, sendo substituída por softwares e
equipamentos cada vez mais sofisticados. Até a realização de cirurgias por
robôs controlados à distância, via Internet, por um médico, já não são mais uma
novidade. Nelas, a própria equipe de apoio e intervenção vem sendo substituída,
gradativamente, por programas de monitoramento automatizado que supervisionam e
atuam de forma independente.
E
dizer, no contexto histórico no qual todos os processos produtivos são
idealizados sobre o tripé “Matéria-Prima / Mão de Obra / Máquinas e
Equipamentos”, percebe-se que
participação humana está sendo sistemática e significativamente
reduzida.
Assim,
o homem que na Revolução Industrial ganhou o status de mercadoria, aquele que
comercializava a sua força de trabalho segundo as regras do mercado, experimentando
um ganho inicial e tornando-se, também, por conta disso, o objetivo final da
produção, já que havia sido elevado à condição de consumidor, terminou o século
XX como principal componente desta matriz econômica.
Nesta
jornada, a dicotomia entre os interesses conflitantes do Capital e do Trabalho
tornou-se mais evidente do que nunca, com operários se organizando em
sindicatos, e empresários em associações, que lhes pudessem dar maior poder de
barganha.
O lucro
do Capital, que no período feudal, se escorava basicamente na renda pelo uso da
terra e no financiamento de atividades correlatas a ela, tais como o
transporte, seguro e comercialização de produtos agrícolas, com o êxodo dos
trabalhadores do campo para as cidades provocado pela Revolução Industrial, desenvolveu
novas formas para se multiplicar, passando a ser obtido, também, pelo resultado
do financiamento de bens e serviços diretamente aos trabalhadores. Estes, por
sua vez, precisaram investir boa parte destes ganhos iniciais para capacitar-se
a fim de poderem melhor desempenhar as novas funções demandadas pelo mercado.
Entretanto,
o crescimento econômico observado após a Revolução Industrial e a acelerada difusão
do conhecimento que, apesar do aumento significativo do número de empresas constituídas,
paradoxalmente, não conseguindo modificar as estruturas profundas do capital e
da desigualdade, acabou por despertar o interesse de uma série de economistas
que se debruçaram sobre os temas da desigualdade de renda e do crescimento
econômico, para tentar compreender o que acontecia e para propor alternativas
que se mostrassem socialmente viáveis para superar esse problema.
Neste
período, dos primórdios da Revolução Industrial, teve relevante destaque a obra
de Adam Smith, “A riqueza das nações” publicada pela primeira vez em 1776, uma
produção épica destinada a estudar as ideias fundamentais da divisão do
trabalho e da organização natural da vida econômica, parametrizando conceitos e
estabelecendo uma terminologia econômica que chegou aos nossos dias.
Não
menos importante, os “Princípios de política aplicáveis a todos os governos”,
de Benjamin Constant, publicada pela primeira vez no ano de 1810, que se
propunha à defesa de uma abrangente proposta liberal, tanto nas práticas de
governo, quanto na economia e nas relações do capital com o trabalho.
Depois
deles, David Ricardo, que em 1817 publicou seus “Princípios de economia
política e tributação”, já demonstrava a preocupação com a evolução, no longo
prazo, do preço da terra e de sua remuneração.
Louis
René Villermé, que em 1840 publicou o seu “Quadro do estado físico e moral dos
operários nas fábricas”, evidenciando a sórdida realidade observada na França
neste período. Friedrich Engels, companheiro de Marx, que descreveu a mesma
realidade em sua obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”,
publicada no ano de 1845. E o próprio Karl Marx, que em 1867 publicou o
primeiro volume de “O Capital”, dedicada à análise das contradições internas do
sistema capitalista, partindo do modelo ricardiano de determinação do preço do
capital e do princípio da escassez, para chegar à conclusão daquilo que se
poderia chamar de “princípio de acumulação infinita”, uma tendência inexorável
do capital de se acumular e de se concentrar nas mãos de uma parcela cada vez
mais restrita da população, sem que houvesse um limite natural para esse
processo.
Também,
no século XX, dentre os mais influentes pensadores da teoria econômica,
destaca-se a obra de John Maynard Keynes, que no ano de 1936 publicou sua
“Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, lançando as bases da
macroeconomia, onde defendia uma forma de intervenção do Estado na economia,
não para destruir o sistema capitalista de produção, mas para aperfeiçoar o
sistema de modo a unir o altruísmo social com os instintos do ganho individual
através da iniciativa privada, já que, para ele, esta união não ocorre por vias
naturais, como decorrência das práticas do livre mercado.
Já na
segunda metade do século XX, destacamos, ainda, as obras de Friedrich August
von Hayek, Prêmio Nobel de Economia no ano de 1974, um dos mais destacados
defensores da liberdade humana como promotora do desenvolvimento econômico e
social que via na metáfora da mão invisível,
utilizada por Adam Smith, todas as características de uma ordem na qual os indivíduos,
a partir do respeito a certas regras abstratas, poderiam estabelecer interações
de troca visando estabelecer a satisfação de seus desejos e projetos
particulares, contribuindo, assim, para maior produção de riquezas coletivas.
Com um pensamento diametralmente oposto ao de Keynes, seu livro, “O caminho da
servidão”, publicado no ano de 1944, apresentava a tese de que a característica
mais marcante dos regimes nazifascistas e socialistas seria a crescente
intervenção do Estado na atividade econômica.
John
Rawls, que em suas obras “Uma teoria da justiça”, de 1971, “O liberalismo
político”, de 1993 e “O direito dos povos” de 1999, desenvolve uma teoria de
justiça distributiva, baseada nos princípios da diferença e do dever de
assistência, propondo trabalhar com
padrões de compensação nas sociedades, tendo como referência o exercício do
liberalismo político e do consenso de sobreposição, para combater a
desigualdade social e econômica entre as pessoas e entre os povos.
Finalmente,
também Robert Nozick, autor do livro “Anarquia, Estado e Utopia”, de (1974),
sua obra mais marcante onde, seguindo a matriz da escola conhecida como
neoliberal, que ele leva ao extremo, valendo-se do termo libertarismo, para
justificar e defender a primazia do livre mercado como uma instancia justa e do
individualismo que, para efeito deste aspecto, significa que os homens não
devem ser obrigados a cooperar ou preocupar-se com o bem-estar dos outros, através
do pagamento de impostos ou com quaisquer outros esforços, atentando, assim,
contra os modelos do Estado de orientação social-democrata, do tipo socialista ou dos pressupostos
defendidos por Rawls de uma justiça equitativa. Contudo, cabe ressaltar que Nozick,
flexibilizando e de certa forma até negando o que defendia, sobremaneira, a
figura de um Estado mínimo, limitado às funções restritas de proteção contra a
força, o roubo, a fraude e da fiscalização do cumprimento de contratos firmados
livremente entre as partes, ao final da sua vida (ele morreu em 2002) chegou à conclusão
de que, se não houver um sistema de seguridade social que promova uma segurança
mínima às camadas mais fragilizadas da sociedade, o poder do Capital não será
suficiente para evitar a sublevação destas massas que, nada tendo a perder,
farão a revolução tão temida pelas oligarquias.
Todos eles, alguns com viés de esquerda,
outros de direita, debruçaram-se sobre os problemas das desigualdades de renda
e crescimento econômico, mas, de modo geral, o fizeram baseados em um empirismo
de vivência pessoal ou, no máximo, do curto período de suas vidas ou da sua
circunvizinhança.
O
primeiro a valer-se de um estudo estatístico mais abrangente, pautado na coleta
de dados para formular uma teoria econômica de caráter cíclico, foi Simon
Kuznets que, em 1955 sugeriu que no curto prazo, o crescimento econômico seria
acompanhado com um aumento na desigualdade de renda e que, no longo prazo, este
movimento seria invertido, configurando uma curva em formato de U invertido (a
curva de Kuznets), uma hipótese que ainda não desapareceu completamente e que,
ainda hoje, é testada à luz de novos dados e procedimentos estatísticos. Em
linhas gerais, o pensamento de Kuznets
pode ser sintetizado naquela frase tão usual no Brasil, durante o período
chamado de milagre econômico brasileiro (de 1970 até 1980), de que era
necessário “primeiro fazer crescer o bolo, para depois reparti-lo”.
Kuznets
colocava que na transferência de população de um setor para outro – do
tradicional agrícola para o moderno industrializado – ou agora, da indústria
para as áreas de comércio e serviços, inclusive o financeiro, as desigualdades
de renda aumentariam, pois, estes setores mais dinâmicos também são os mais
ricos e mais desiguais. Isto se daria pela diferença de rendas da população
destes setores, que podem ser observadas através da renda per capta média de
cada um deles, assim como da renda setorial em relação à renda total e das
desigualdades populacionais que tendem a ser superiores no setor urbano em
relação ao setor rural. E dizer, o setor mais moderno demandaria inicialmente
mais mão-de-obra qualificada até o ponto em que esta necessidade começaria a
decair, em virtude do excesso de profissionais qualificados, o que reduziria os
salários e, consequentemente, a demanda por trabalhadores com habilidades.
Kuznets
acreditava que uma distribuição mais igualitária seria obtida através da
concentração de poupança devido à menor participação na renda dos indivíduos já
estabelecidos no meio urbano, um fenômeno que seria explicado pela capacidade
de auferir renda superior nos residentes de áreas urbanas do que em indivíduos
originários das áreas rurais. Fenômeno similar se poderia constatar entre os
profissionais liberais quando comparados aos trabalhadores assalariados
No
entanto, a realidade demonstrou que sua abordagem foi extremamente ingênua,
muito embora sua metodologia estivesse correta, pois ele valeu-se de um período
muito curto de análise e de coleta de dados, basicamente restrita aos Estados
Unidos, entre os anos de 1913 e 1948. Kuznets desconsiderou que neste período,
o mundo experimentou duas grandes guerras e um período de gigantesca depressão
econômica (1929) provocada basicamente pelo excesso de produção, o que, se de
um lado promoveu inicialmente o achatamento dos salários, de outro lado promoveu
a sua elevação posterior frente a uma demanda provocada pela necessidade de
novos produtos para o esforço de guerra e para a reconstrução, condições às
quais se somaram violentos choques econômicos para combater as crises,
principalmente para os detentores de grandes fortunas.
O
aumento das desigualdades de renda e de crescimento econômico observado principalmente
a partir da década de 1970, decorrentes, em parte à primeira grande crise do
petróleo (1973) e, também, às mudanças políticas ocorridas principalmente no
que tange à tributação e às finanças associadas à forma pela qual os atores
políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e o que não é (a exemplo
das ideias defendidas por Rawls e Nozick) evidenciou que a dinâmica da
distribuição de riqueza revela uma poderosa engrenagem que ora tende para a
convergência, ora para a divergência, mostrando que não existe qualquer
processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam as forças
desestabilizadoras, promotoras das desigualdades. Entenda-se aqui que os
mecanismos que levam à convergência, reduzindo as desigualdades, são os
processos de difusão do conhecimento e competências (investimento na
qualificação e formação da mão-de-obra) compreendidos como os instrumentos capazes
de fazer aumentar a produtividade e ao mesmo tempo reduzir as desigualdades. Já
as forças de divergências são aquelas que garantem que os indivíduos com
salários mais elevados se separem do restante da população de modo aparentemente
intransponível, sobretudo quando atreladas ao processo de acumulação e
concentração de riqueza em um mundo caracterizado por um crescimento baixo e
alta remuneração do capital.
Quando
a taxa de remuneração do capital excede substancialmente a taxa de crescimento
da economia [...] então, pela lógica, a riqueza herdada aumenta mais rápido do
que a renda e a produção, bastando que os herdeiros poupem uma parte limitada
do seu capital para que ele cresça mais rápido do que a economia como um todo.
(PIKETTY,
2014, p 33)
Assim,
podemos compreender como o capitalismo do século XX, principalmente a partir de
sua segunda metade, e ainda de forma mais acentuada após a dissolução da União
Soviética, em sua política de globalização, foi estruturado no consumo
exponencial de bens e serviços, chegando ao século XXI de forma ainda mais
agressiva na busca deste objetivo.
Agora,
no despertar da segunda década deste século XXI, experimentando uma nova
realidade, onde a concentração de renda aliada a uma onda de automação, que
eliminou significativos postos de trabalhos e reduziu a capacidade de compra
das pessoas, apesar do evidente barateamento e diversidade dos produtos
oferecidos, e que, também, obrigou essas pessoas a realizarem vultosos
investimentos em uma qualificação profissional, considerada em muitos casos,
além da necessidade requerida para o desempenho de funções mais simples, em uma
espécie de “mais valia”, o capitalismo acabou aumentando ainda mais as
desigualdades, tornando-as insustentáveis e arbitrárias, o que obriga a todos
nós a realizar uma profunda reflexão sobre os próximos passos que serão
necessários para superar este problema.
Para
que possamos compreender melhor este raciocínio, será necessária uma volta no
tempo, entendendo como foram compostos os indicadores econômicos ao longo do
século XX, onde esta relação capital / trabalho foi mais bem estudada e
registrada e, também, de forma bem simplificada, como são compilados estes
indicadores.
Em
geral, pode-se dizer que, aqui evocando a primeira lei fundamental do
capitalismo, a da relação entre capital e renda, que é expressa pela equação α
= r x β, onde r é a taxa de remuneração média do capital e onde β mede a
importância total do capital numa sociedade, que pode ser utilizada tanto para uma
única empresa, quanto para um único país ou até mesmo para o mundo inteiro, podemos começar compreender
os efeitos da desigualdade.
Entenda-se
aqui a renda como sendo o fluxo correspondente à quantidade de bens produzidos
e distribuídos ao longo de um determinado período, geralmente um ano, e capital
como sendo a quantidade total de riqueza (o conjunto de ativos não humanos) existente
em dado instante.
A
maneira mais natural e útil de medir a importância do capital em uma sociedade
consiste, portanto, em dividir o estoque de capital pelo fluxo anual de renda
β.
Exemplificando:
Digamos que, se o valor total do capital de um país for o equivalente a seis
anos
de renda nacional (o valor total, a preços de mercado, de tudo que os
residentes e o governo de um país possuem) apurada como sendo o produto interno
bruto de um país, PIB, (que é o conjunto de bens e serviços produzidos ao longo
de um ano dentro do território de um determinado país), menos a depreciação do
capital usado na produção, como a degradação de imóveis, obsolescência de
máquinas e equipamentos, etc., ao qual se deve somar ou subtrair a renda
líquida recebida ou enviada para o exterior, segundo a quantidade do capital
pertencente a estrangeiros,
teremos a relação entre capital e renda nacional : β = 6 (ou β = 600%).
Assim,
como a razão capital / renda β está ligada à participação da renda do capital
na renda nacional, que denominamos como α, no nosso exemplo, seria:
α = r
x β, onde β = 600% e r = 5% =>
α =
600% x 5% => α = 30%
De
onde deduzimos que, se a participação da renda do capital na renda nacional é
de 30%, isto implica em dizer que a participação do trabalho na renda nacional
é, portanto, de grosso modo, (100% – 30%) igual a
70%, o que justifica plenamente ser esta força de trabalho o objetivo maior do
capitalismo, como o consumidora final dos bens e serviços produzidos.
Para
entender melhor esta relação entre a taxa de remuneração e capital, tomemos o
exemplo de que, estando na posse de um imóvel cujo valor de mercado (compra / venda)
é R$ 500.000,00, do qual ao projetarmos auferir dele uma taxa de remuneração
anual de 5%, este imóvel, se alugado, deveria gerar uma receita (5% de R$
500.000,00) igual a um valor de R$ 25.000,00 por ano, ou ainda, como um valor de
locação ao redor de aproximadamente R$ 2.083,00 por mês. Isto, é claro, sem
descontar os impostos e as despesas de conservação com o imóvel, que
precisariam ser somadas ao valor cobrado como aluguel.
Agora,
antes de entrarmos num estudo mais detalhado sobre a participação da mão de
obra na riqueza, faz-se mister salientar que, embora no sistema contábil que é
aprovado internacionalmente, estejam registrados números que indicam um certo
equilíbrio entre as várias nações, no quesito da participação do capital
estrangeiro na riqueza nacional dos diversos países, ou seja, entre tudo que é
enviado ou que se recebe do exterior, na realidade, numa análise mais apurada
destes números, observa-se uma disparidade considerável, o que aumenta muito a
desigualdade entre as nações consideradas ricas e aquelas ainda em
desenvolvimento.
Por
exemplo, no início de 2010, um período bem recente, os ativos externos líquidos
detidos pelo Japão, que tem território limitado, poucas terras agricultáveis e
escassez de recursos minerais, inclusive hidrocarbonetos, alcançaram 70% da
renda nacional. A posição líquida da Alemanha, neste mesmo período, também não
era muito diferente, apresentando um valor aproximado de 50% de sua renda
nacional sendo composto de recursos vindos do exterior. Agora, o mundo inteiro
observa a ascensão da China e dos países árabes que estão comprando um número
significativo de ativos em outras nações.
Ademais,
também é preciso considerar “uma relação pouco republicana” no comportamento de
inúmeras empresas multinacionais, que enviam produtos para suas parceiras no
exterior a preços irrisórios e ainda subsidiados por incentivos à exportação,
evidenciando uma drenagem adicional de recursos não contabilizados de um país
para outro.
A
prática deste comportamento pode ser observado, por exemplo, no setor
agropecuário, responsável por parcela significativa da riqueza nacional dos
países em desenvolvimento, onde os custos de produção da proteína animal não
consideram os impactos e danos ambientais que provocam, tais como o elevado
consumo de água potável necessário para a produção da carne, ou a quantidade de
metano gerado e depositado sobre o solo na forma de excrementos, principalmente
quando comparados à produção da proteína vegetal, que também desconsidera à sua
vez, os danos provocados ao solo e aos ecossistemas locais, pelo desmatamento, pelo
uso de pesticidas, fertilizantes, etc. Situação
similar se pode observar também no segmento de mineração, onde os exemplos mais
gritantes, apenas citando a drenagem de recursos não contabilizados do Brasil
para o exterior, puderam ser observadas no caso da areia monazítica,
do Tório, que foi tabelado, ou agora do Nióbio.
Somem-se à estas drenagens de
recursos naturais e riquezas de um país para o outro, também os decorrentes da incorreta
apuração de royalties
ou do registro de patentes.
Outros pontos a serem considerados, ainda antes de
entrarmos em maiores detalhes nas questões sobre a distribuição de renda da
participação do trabalho na riqueza nacional, são aqueles relativos aos
processos de crescimento populacional, demográfico e da produção por habitante, da
renda per capta, do acúmulo de capital e da inflação.
Figura1
Do
gráfico acima, pode-se inferir que a população humana demorou praticamente até
os primórdios da Revolução Industrial para alcançar o patamar do primeiro
bilhão de indivíduos quando, então, passou a experimentar um crescimento
vertiginoso, quase exponencial em algumas regiões, como na Ásia por exemplo,
até alcançar, neste início do século XXI, um número superior a sete bilhões de
habitantes no planeta e, no gráfico abaixo, como se deu este crescimento a
partir da metade do século XX por continente, bem como uma previsão deste
crescimento até o ano de 2.100, momento em que estaremos próximos de alcançar o
número de 12 bilhões de pessoas no planeta.
Figura 2
Figura 3
Na
tabela acima pode-se observar que o crescimento médio do PIB mundial, cresceu
muito acima do crescimento populacional, principalmente no século XX, como resultado
direto das inovações tecnológicas aplicadas à produção agrícola / industrial e
aos bens e serviços, inclusive de comércio e finanças.
No
entanto, quando comparamos este quadro do crescimento da população e da
produção mundial com o quadro anterior, do crescimento populacional por
continente, já temos condições preliminares de inferir que este crescimento da
produção por habitante, não se deu na mesma proporção em cada um deles.
Assim,
observando-se o quadro da próxima tabela, percebemos que a soma da população da
União Europeia com a população dos Estados Unidos e Canadá, totalizando aproximadamente
13% da população mundial, são responsáveis por 41% do PIB mundial, valor pouco inferior ao da Ásia, que sendo
responsável por 61% da população mundial, respondem por apenas 42% do PIB
mundial. Que dizer então do continente africano, que representando 15% da
população mundial, é responsável por apenas 4,0% do PIB mundial. A América
Latina, por sua vez, com uma população de aproximadamente 8,5% da população
mundial, responde por aproximadamente 8,9% do PIB mundial, com renda per capta,
comparativamente falando, um pouco melhor do que a média da Ásia, que, à sua
vez explicita uma grande amplitude, que pode ser observada por seus extremos,
de um lado o Japão, com população de aproximadamente 1,9% da população mundial
e um PIB correspondente a aproximadamente 5,3% do PIB mundial, e do outro lado,
pela Índia, com uma população de aproximadamente 17,9 % da população mundial e
um PIB de 5,6% do PIB mundial. A situação pouco melhor da América Latina em
termos de renda per capta (quase o dobro da asiática), mesmo com um PIB menor
(cerca de um quinto do PIB asiático), é justificada pela maior população da
Ásia.
Figura 4
Estes indicadores que, per se, já
evidenciam enormes desequilíbrios econômicos regionais e as consequentes desigualdades
na renda per capta média entre os habitantes das distintas regiões do planeta indo,
por exemplo, de € 2.870,00 Euros mensais nos Estados Unidos até de € 90,00
Euros mensais na Índia e na África Subsaariana (os países do continente africano
localizados na região ao sul do deserto do Saara), já com os ajustes das
taxas cambiais, conforme se pode observar na tabela acima, por sua vez não deixam
de trazer, também, severas desigualdades na distribuição da renda dentro de
cada país, agravando ainda mais este quadro geral, um tema que passaremos a tratar
agora.
Uma
das primeiras explicações para a grande desigualdade econômica e social que
pode ser observada em um país, está na forma e no processo pelo qual se dá a
concentração da renda nas mãos de uma parcela muito pequena de sua população.
Neste processo, um dos primeiros vetores que provocam essas desigualdades e que
precisam ser analisados é a forma como cada sociedade trabalha “ in corporis
” a questão das heranças e de como elas afetam a questão da acumulação do
capital, tanto no médio quanto no longo prazo.
Primeiramente,
é necessário destacar que a legalidade do direito à herança, não está sendo
questionado neste trabalho, mas sim a maneira como ela ocorreu e a forma como
as heranças contribuíram para o acúmulo de capital nas mãos de uma pequena parcela
da população e de como elas ajudaram a aumentar a desigualdade econômica e
social, principalmente quando consideramos que a taxa de remuneração do capital
excede substancialmente a taxa de crescimento da economia.
Ou
seja, para compreender melhor como as heranças podem alterar a distribuição da
renda nas sociedades no longo prazo, voltamos a considerar a lei fundamental do
capitalismo α = r x β, onde r é a taxa
de remuneração média do capital e β, que mede a importância total do capital
numa sociedade e que também pode ser expressa pela equação β como sendo a
relação entre a taxa de poupança “s” considerada com a taxa de crescimento “g”
da renda nacional, expressa pela equação β = s/g, considerada como a segunda
lei fundamental do capitalismo.
Assim,
por exemplo, se um país poupar 12% de sua renda a cada ano e se sua taxa de
crescimento for de 2% ao ano, no longo prazo, a razão entre capital e renda
alcançará um valor de (12 / 2 = 6) 600%,
quando, então, o país terá acumulado o equivalente a 6 anos da renda nacional.
Neste
caso, usando-se por analogia o mesmo procedimento para heranças, bastaria que
os herdeiros poupassem uma parte da renda do seu capital para que ele crescesse
mais rápido que a economia como um todo, fato conhecido de um período recente
de nossa economia, quando tornava-se mais interessante deixar o capital
investido no mercado financeiro do que aplicá-lo na produção de bens ou
serviços que gerariam empregos e renda para a sociedade no geral. Uma atuação
que per se, tornava-se um grande fator de conflito social, já que a
significativa parcela mais pobre da população não compreendia e não via mérito
no fato de que uma fortuna herdada pudesse produzir riqueza maior do que aquela
que poderia ser alcançada em uma vida de trabalho, como pudemos observar pelo
surgimento no Brasil de movimentos como o MTRST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra) e do MNLM (Movimento Nacional de Luta pela Moradia).
No
plano simbólico, a desigualdade entre capital e trabalho é extremamente
violenta. Ela bate de frente com as concepções mais comuns do que é justo e do
que não é, e, portanto, não surpreende que o assunto às vezes acabe deflagrando
agressões físicas. Para todos aqueles que nada possuem além de sua força de
trabalho... é difícil aceitar que os detentores do capital, alguns dos quais,
ao menos em parte, herdam essa condição, e que possam se apropriar de um
montante significativo de riqueza produzida sem que tenham trabalhado para
isso.
(PIKETTY,
2014, p 33)
Outro
vetor significativo das desigualdades sociais e econômicas que podem ser
observadas dentro de um país, está na mensuração da forma como essa população
foi constituída e distribuída nas várias camadas sociais, a partir de sua composição
étnica.
Para
exemplificar este conceito, tomemos o caso da composição da população
norte-americana que, no ano de 1800, contabilizava uma população escrava da
ordem de 20% do total se sua gente, um porcentagem que foi reduzida a 15% do
total no período imediatamente anterior à Guerra da Secessão (1861 / 1865),
quando os estados do sul, os Confederados, contabilizavam uma população escrava
que remontava a 40% do seu total (cerca de 4 milhões de escravos e 6 milhões de
brancos) equivalente a 1,5 ano da sua renda nacional. E dizer, eram ativos
(mercadorias) muito importantes, cujo preço unitário médio podia alcançar até
U$ 2.000,00, um valor dez vezes superior que o preço médio mensal de um
trabalhador livre, que girava ao redor de U$ 200,00. Destaque-se que, uma vez
terminada a guerra, após o ano de 1868 os Estados Unidos facilitaram a
imigração maciça de populações asiáticas para trabalhar, em condições análogas
às da escravidão, na construção de sua ferrovia transcontinental e,
posteriormente nos estados e cidades de sua costa Oeste, a exemplo de São
Francisco, da mesma como fez com as populações nativas do México que habitavam
os estados da Califórnia e do Texas, anexadas ao seu território. Na Europa, por
sua vez, após a abolição da escravatura, dada a falta de mão de obra em boa
parte de suas colônias, utilizou-se o artifício da contratação de
trabalhadores, oriundos em sua maior
parte da Índia, onde a mão de obra era igualmente barata. Uma condição que
persiste até hoje onde, na Inglaterra, a maior parte dos postos de trabalho
mais braçais e menos remunerados, ainda são ocupados por essa gente, uma condição que não deve mudar
com o propalado Brexit .
Figura 5
No
Brasil, de acordo com o Censo demográfico realizado no ano de 1.872, segundo os
dados corroborados pelo demógrafo Mario Rodart, coordenador do Núcleo de
Pesquisa Histórica Econômica e Demográfica da UFMG, naquele momento, a
população do Brasil que contava com pouco mais de 10 milhões de habitantes,
tinha na sua composição aproximadamente 15,5% de escravos. Destaque-se que,
durante os 350 anos em que o comércio de escravos era permitido (foi somente no
ano de 1850 que foi promulgada uma lei que extinguia o tráfico internacional de
escravos) entraram no Brasil algo como 4 milhões de escravos, uma população que,
à época da abolição, já estava reduzida, como demonstrou o Censo a pouco mais
de 1,5 milhão de pessoas, indicando que naquele momento, estes escravos eram
considerados, tal qual no sul dos Estados Unidos, ativos financeiros
(mercadorias), muito valorizados. Uma população que, após a libertação, foi
abandonada à própria sorte, já que não receberam qualquer tipo de indenização
pelos anos de infortúnio e que viu chegar ao país, até o ano de 1930, num
projeto que tentava “embranquecer a população”, um número de aproximadamente 4
milhões de imigrantes europeus, pobres em sua grande maioria, vítimas que
fugiam das agruras da Primeira Grande Guerra Mundial e da fome generalizada
neste período, para trabalhar na lavoura, principalmente nas plantações de
cacau e de café. Uma parcela significativa da população afrodescendente,
continuou a trabalhar nas plantações de cacau na Bahia, de cana de açúcar no
Nordeste e na extração de borracha na Amazônia legal, em situação análoga à que
tinham durante o período de escravidão.
Denote-se
que à esta população libertada e composta por miseráveis, por falta de opção,
vieram formar as favelas nos morros ao entorno da Capital, no Rio de Janeiro, à
qual também se somou boa parte das tropas que não eram mais utilizadas, oriundas
da Guerra contra o Paraguai e dos conflitos internos para a pacificação do país.
Assim, ao adentrar a segunda década do século XXI, (veja-se o quadro da figura
5) o Brasil, que continuou a receber um grande fluxo de imigrantes vindos da
Europa e de outros países da América
Latina e do Caribe, conta com uma população miscigenada, onde aproximadamente 84%
das pessoas vivem em áreas urbanas e onde pouco mais de 70% dos trabalhadores (com carteira assinada
ou informais) recebem menos que um salário mínimo por mês.
Note-se que nestes quadros apresentados na figura 5, o IBGE salienta que 1% da
população tem rendimentos 36 vezes maior que a metade da população com os
menores salários, uma informação que completamos ao afirmar que deste 1% da
população que recebe os maiores salários, entre 60 e 70% são funcionários
públicos de carreira, que gozam de estabilidade no emprego e estão lotados (ou
se aposentaram) principalmente nos poderes judiciário e legislativo.
Finalmente,
analisaremos como um último vetor, que também está diretamente associado à
promoção das desigualdades sociais e do crescimento econômico, a dívida pública
e as formas como os governos lidam com ela.
Em
linhas gerais, podemos dizer que o valor de uma moeda nacional está diretamente
ligado à quantidade de ativos (públicos e privados) que um país possui.
Antigamente, este valor era ancorado nas reservas de ouro, prata, etc., e como
a necessidade de honrar de imediato as obrigações comerciais que demandam
moeda, era muito menor do que o estoque destes metais, digamos 20 % do seu
total, existia, na prática, uma quantidade de riquezas da ordem de 80% não
tinha outra serventia, senão o seguro do capital transformado em moeda
circulante. Este excedente, podia, então, ser transferido para o exterior, como
forma de poder comprar mercadorias e alavancar o crescimento da economia,
ficando o governo como avalista destes 80% contratados a descoberto. Ou seja, a
riqueza nacional que passava, grosso modo, por este artifício a um valor
nominal de 180% do total de suas reservas em ouro, prata, etc., podia ser
transformada em moeda corrente para alavancar a economia, onde o governo, como
administrador maior de todos os ativos existentes no país, ficava na condição
de avalista desta moeda. Este ingresso adicional de recursos financeiros no
país seria, em boa parte, então, utilizado para financiar ações visando
melhorar a infraestrutura geral do país, ampliar e melhorar seu sistema de
saúde, ampliar e melhorar seu sistema educacional, financiar pesquisas,
atualizar os equipamentos militares, financiar projetos privados com potencial
econômico, projetos para assegurar a autossuficiência de alguns produtos e
serviços, ações para garantir a soberania territorial, assegurar o sistema
previdenciário, e outros, muitos dos quais apresentavam uma taxa de retorno
muito baixa, senão negativa, como no caso daqueles utilizados para custeio de
parte da máquina pública, uma situação que obrigava os governos, de forma
geral, a buscar no capital privado, os novos recursos adicionais para fazer
frente a estas necessidades, via de regra, valendo-se da emissão de títulos da
dívida pública, sobre os quais se comprometiam a assegurar uma certa taxa de
retorno no momento do resgate. Esta condição de tomador de empréstimos que os
governos passaram a adotar, trazia embutida a possibilidade de sua
inadimplência, explicitando um grau de risco ao financiador que, para
proteger-se, adotava uma política compensatória de juros. Ou seja, quanto maior
o risco, maior os juros cobrados e maior a taxa de retorno cobrada, como forma
de compensar este risco. Os governos, por sua vez, na condição de tomadores de
empréstimo, para poder arcar com juros elevados, que no médio e longo prazo
poderiam piorar significativamente seu resultado financeiro, adotaram uma
política inflacionária, de desvalorização da moeda e do seu respectivo poder de
compra, como forma de amenizar o custo real no momento de resgatar os títulos
da dívida pública que haviam emitido, e dizer, com o artifício inflacionário,
drenava recursos da própria sociedade para compensar estas perdas.
Ora,
se como vimos nas páginas anteriores, a participação da renda na riqueza
nacional é algo como 30%, enquanto que a participação do trabalho na renda nacional é de 70%, fica evidente
que a maior parcela dos custos decorrentes deste processo inflacionário,
recairia sobre a massa trabalhadora do país, que veria o seu poder de compra
ser reduzido drasticamente, aumentando, assim, significativamente as
desigualdades sociais
Outro artifício
que os governos utilizam em momentos de crise, tanto para fazer caixa e reduzir
seu déficit nas contas correntes, quanto para cumprir programas e políticas de
caráter liberal, na tentativa de reduzir a influência do Estado na sociedade, é
o das privatizações.
Aqui
cabe ressaltar que a maioria das empresas estatais foram constituídas para
fomentar o desenvolvimento de áreas estratégicas, reduzindo a dependência
externa ou para, até como forma de assegurar sua soberania, fomentar as
condições de infraestrutura a fim de assegurar, tanto o desenvolvimento
regional, quanto para assegurar o próprio domínio territorial, quando estas
ações não provoquem o interesse do investidor do capital privado.
Ocorre
que, embora algumas empresas estatais tenham sua origem em processos
indenizatórios de ressarcimento do Estado, a maioria delas foi constituída ou
com o fruto das reservas monetárias do governo, que em primeira análise seriam
oriundas dos impostos cobrados de toda a sociedade, ou de empréstimos junto ao capital
privado, aumentando a dívida pública, cuja amortização se daria nas formas já
descritas anteriormente. Neste caso, o que se desconsidera, é que, nestes
processos de privatizações, estas empresas estatais deixam de fazer parte dos
ativos comuns do Estado, na condição de res pública, como patrimônio do
povo, passando para o capital privado, muitas vezes oriundos do exterior, via
de regra sob as justificativas de melhorar sua eficácia, melhorar seu
desempenho operacional, aumentar a sua capacidade de investimento ou mesmo
para cumprir metas de uma política
liberal de redução da presença do Estado na vida dos cidadãos, sem o retorno
pecuniário à população local que custeou a sua construção, o quem em última
análise, também é uma forma de expropriação do quinhão proporcional das
riquezas nacionais, de sua força de trabalho, o que também aumenta a
desigualdade. Um exemplo extremo destes processos, foi o que ocorreu na Bolívia
em anos recentes, quando o governo privatizou os direitos sobre o uso da água para
uma multinacional que desejava cobrar dos cidadãos pela água da chuva ou, em outro exemplo aqui, no Brasil, quando
a exploração dos recursos naturais de uma determinada propriedade pública ou
privada , pode, a critério do governo, ser vendido, como direito de lavra, a
terceiros, sem que o detentor da posse territorial, seja indenizado por isso,
como ocorre cotidianamente na exploração mineral nas reservas indígenas.
Este é
o cenário que contemplamos neste momento.
Um
planeta com pouco mais de 7 bilhões de habitantes, distribuídos em pouco mais
de uma centena de nações, espalhados por vários continentes e que apresentam
entre si, gigantesca desigualdade social e que evidenciam, também, diferenças
substanciais na renda per capta de seus habitantes. Um planeta que, neste ano
de 2.020, enfrenta uma grave crise sanitária que, além do elevado número de
mortos, está provocando um gigantesco desiquilíbrio na economia mundial, quer
pela paralização das atividades econômicas, quer pela mudança na matriz dos
negócios, que são mais ou menos impactados segundo o poder de tecnologia
(principalmente nas áreas de e-commerce e telecomunicações) que cada um deles
alcançou.
Os
estudos mais otimistas calculam que o PIB mundial sofrerá uma queda não
inferior a 5 ou 6% como consequência desta crise sanitária, um número que
poderá crescer ainda mais caso se demore para encontrar uma solução vacinal
para combater esta pandemia. Isto implica, como podemos observar na tabela da
figura 4, uma redução equivalente à supressão de toda a riqueza produzida, por
exemplo, pelo Japão.
O
resultado deste impacto na economia mundial trará, como consequência imediata, uma redução muito significativa no
número de pessoas empregadas que, à sua vez, não terão condições de cumprir com
suas obrigações pecuniárias (aluguéis, prestações, custeio de planos de saúde,
pensões, etc.), aumentando ainda mais esta crise e provocando um quadro de
recessão global também maior, cujos sinais serão mais observados pelo
significativo aumento nos índices de desigualdade.
Figura 6
Note-se que não estamos falando do aumento da
pobreza em caráter universal, até porque os detentores de um capital que seja suficiente
para suprir suas necessidades e ainda para investir em ativos poderão,
inclusive, lucrar neste momento, mas sim de um aumento da pobreza da expressiva
massa de trabalhadores formais ou informais, de profissionais liberais e de
pequenos empreendedores, pelo mundo inteiro, que serão obrigados a descer um
degrau nas suas prioridades, segundo a pirâmide de Maslow, figura 6, provocando,
como consequência, o aumento das tensões
sociais.
Estudos
sociológicos mostram que é mais difícil e penoso para uma pessoa que
experimentou os benefícios de um certo
grau de desenvolvimento econômico e social, precisar retornar para uma situação
anterior, do que para uma pessoa que não tenha experimentado esta ascensão
social, privar-se desta possibilidade, o que poderia ser exemplificado, pela
grande dificuldade de uma população que experimentou viver em um regime
democrático, e de garantia das liberdades individuais, precisar ser obrigada a
viver sob a égide de um regime ditatorial.
Fizemos
a inclusão deste último parágrafo, pela real possibilidade de que, dado o
agravamento da fragilidade das economias e do comércio em termos globais, e
diante do aumento das desigualdades, vejamos surgir de forma exponencial, a
adoção de regimes nacionalistas, integralistas, xenofóbicas e fascistas por
governos ou nações vítimas desta crise mundial, que podem, inclusive, fazer
brotar conflitos armados de menor ou maior extensão nos próximos anos.
Coloca-se,
então, para propiciar a retomada das atividades econômicas e a distensão das
animosidades regionais, reconhecer a necessidade de que os critérios
desenvolvimentistas adotados nos últimos séculos, em que a primazia do sistema
capitalista é inconteste (o capital tendo por meta produzir apenas e tão somente
mais capital), sejam repensados e repactuados, alcançando-se um novo patamar de
desenvolvimento humano, onde o foco principal seja alcançar a maior felicidade
possível. E dizer, onde a prioridade passe a ser o homem no desenvolvimento
pleno de suas potencialidades, como meta a ser alcançada acima do mero acúmulo
de capital.
Ou
seja, concordando com o pensamento de John Rawls ou mesmo o manifesto por
Robert Nozick, em seus últimos dias, reconhecer a necessidade de um gigantesco
movimento mundial para reduzir os níveis de desigualdade e de crescimento
econômico regionais, que priorizaria, superando as premissas do estoicismo, o
homem acima de tudo. O que poderia ser feito criando-se grandes linhas internacionais
de financiamento público e privado, a fundo perdido para, promover uma justiça
distributiva, erradicar a pobreza e o analfabetismo em nível global, desenvolvendo
programas consistentes de melhoria da saúde, através de ações visando melhorar
a condições de saneamento básico, alavancar programas de construção de moradias
e de geração de emprego, recuperação ambiental e preservação dos ecossistemas, alavancando
as atividades econômicas na indústria de base e criando as condições para a
retomada da normalidade das relações comerciais o que, de maneira geral, seria
a melhor forma para assegurar a volta à normalidade e fortalecer, no médio
prazo, a própria economia global.
Paradoxalmente,
uma parcela considerável da riqueza mundial que ainda está, nestes dias, sendo
utilizada para a execução de projetos, que no longo prazo, visam povoar outros
planetas, o que é, em si, uma contradição, já que ainda não conseguimos fazer
isso de forma racional e harmônica aqui mesmo, ou para a produção de armamentos
que nunca serão utilizados (dada as evidentes consequências de tentar fazê-lo),
e que poderiam servir para promover programas de irrigação, distribuição de
água potável, de produção de alimentos ou mesmo programas vacinais, são
questões que precisaremos equacionar, antes mesmo de que esta atual crise
sanitária seja superada.
Depois
dela, uma nova relação entre povos e nações será construída e, por bem ou por
mal, conforme preconizava Lênin, em sua obra “O imperialismo, etapa superior do
capitalismo”, uma nova revolução será colocada em marcha, cujos caminhos e
objetivos finais, precisamos escolher agora.
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