PORQUE
OS ANIMAIS NÃO PODEM SER CONSIDERADOS MERCADORIAS
O
presente ensaio pretende demonstrar, sob a ótica da racionalidade, que o
tratamento dado à maioria dos animais pelos seres humanos, como se fossem
mercadorias, é incompatível com posturas civilizadas e que os verdadeiros
interesses escondidos por trás do descaso e dos maus tratos estão ligados,
muito mais a interesses econômicos do que à real necessidade da produção de
proteínas para consumo humano.
Ao
fazê-lo, pretendemos evidenciar que a alienação proposital da maioria das
pessoas, quando consomem carne ou outros produtos de origem animal, mais do que
o simples desinteresse pelo assunto, é o resultado de uma meticulosa e bem
planejada campanha promocional a serviço das grandes corporações e do capital
especulativo, preocupadas exclusivamente com o lucro.
Desta
forma, pretendemos demonstrar que o respeito ao “direito dos animais”, mais do
que um movimento da causa ambientalista, onde os interesses humanos, desta e
das futuras gerações, são colocados acima de qualquer suspeita, elevam nosso
status ético e moral como pessoas, como espécie dominante no planeta,
capacitando-nos para iniciar uma jornada de aprendizagem por este vasto
universo, que já começamos a conhecer.
No
entanto, para poder lograr algum sucesso neste empreendimento que nos propomos
realizar, precisamos alertar o leitor sobre a necessidade de que se deixe, ao
menos momentaneamente, o conforto da “Caverna de Platão”, de tal forma que a
luz do conhecimento, que traz cor ao nosso mundo sensível, possa abrir nossos
olhos, nos permitindo, sem preconceitos, analisar os fatos e ponderar sobre os
argumentos aqui apresentados, uma vez que somente aquele que saiu da caverna
pode, autonomamente, perceber que estava preso nela.
Fazemo-lo
respaldados pelo pensamento de renomados filósofos que, ao longo da história,
abordaram o assunto e ajudaram a criar, na ótica do jusnaturalismo, da ética e
da moral, uma nova maneira de tratar o direito dos animais, chegando ao ponto
de que, no último dia 28 de janeiro de 2015, o Parlamento Francês alterou seu
código civil, reconhecendo que os animais tem sentimentos e que não podem mais,
como seres sensientes, ser definidos por valor de mercado ou patrimônio, mas
sim pelo seu valor intrínseco como sujeito de direito [1].
Um
pouco antes, o Supremo Tribunal de Justiça da Argentina, servindo de exemplo
para toda a América Latina, concedeu a uma orangotango chamada Sandra, o status
de “pessoa não humana”[2].
“A partir de uma interpretação jurídica dinâmica e não
estática, é preciso reconhecer aos animais o caráter de sujeito de direito,
pois os sujeitos não humanos (animais) são titulares de direitos, pelo que se
impõe sua proteção no âmbito das competências correspondentes”.
A própria Constituição da República
Federativa do Brasil, promulgada em 1988, declara em seu Artigo 225, § 1º,
inciso VII, seu compromisso com:
Proteger a fauna e a flora, vedadas na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoque
a extinção de espécies ou submetam animais à crueldade.
Este preceito constitucional é
regulamentado pela Lei Federal 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998, denominada
“Lei dos Crimes Ambientais” que, em seu Artigo 32, tipifica:
Praticar
ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos e
domesticados, nativos ou exóticos.
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1
(um) ano, e multa.
§ 1º - Incorre nas mesmas penas quem
realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins
didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º - A pena é aumentada de 1/6 (um
sexto) a 1/3 (um terço), se ocorrer a morte do animal.
E
dizer, a partir de 1988, no Brasil, os maus tratos contra animais de quaisquer
espécies passaram a ser crime.
DA RELAÇÃO HOMEM ANIMAL
Desde
o início dos tempos, quando a espécie humana iniciou sua jornada para a
conquista do planeta, o homem procurou, para superar as dificuldades que lhe
eram impostas pela natureza, valer-se da exploração e da domesticação de outros
animais, sento esta distinção aquela que serviu de base para o estabelecimento
do paradigma civilizatório, que deu origem ao “especismo”, termo criado pelo
filósofo inglês Richard D. Ryder [3]
Neste
processo de domesticação, histórico traumático, onde os animais ofereciam
alimento, vestuário, proteção e transporte, eles eram tratados como meros
objetos descartáveis que, com o surgimento das primeiras civilizações, como na
Roma Antiga, por exemplo, foram imbuídos de valor econômico, passando a ser
considerados moedas de troca e bens de consumo.
No
direito romano os animais eram classificados de acordo com seus interesses
econômicos, em res mancipi, coisa
passível de apropriação para fins econômicos e res nec mancipis, coisa não passível de apropriação, como era a
situação dos animais silvestres.
Esta
perspectiva negativista acabou sendo fundamentada através das religiões
monoteístas, a exemplo do judaísmo e do cristianismo que, conforme René Girard,
em a Violência e o Sagrado[4]
reduz e coloca o animal como bode expiatório a ser sacrificado no ritual que
resgata o mito, agrada a Deus e restaura a paz entre os homens.
Não
só a religião, mas também a contribuição de destacados filósofos, como
Protágoras (480-410 a.C.) que colocava o homem como a medida de todas as
coisas, ou René Descartes (1596/1650), que em sua teoria mecanicista
considerava os animais como simples máquinas, seres sem alma, contribuíram para
a legitimação desta visão negativista referente aos animais.
Esta
visão negativista perdurou pelo tempo, chegando ao século XVIII, quando a
Revolução Francesa inovou no direito da época, tipificando o envenenamento de
animais pertencentes a terceiros e atentados a bestas que se encontrassem em
propriedade alheia.
Foi
somente em 1822 que surgiu a primeira Lei específica tratando da proteção dos
animais, como os cavalos, por exemplo, ainda que considerada como proteção ao
direito de propriedade, proibindo que alguém submetesse a maus tratos o animal
que fosse propriedade de outrem, fazendo surgir, como consequência, no mesmo
ano, a Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, entidade
destinada a defender os animais em juízo e fazer cumprir a lei.
A
partir de então, inúmeras associações e inúmeras leis foram criadas e
promulgadas sobre o assunto, chegando-se aos dias atuais, onde a bioética
ganhou status de ciência.
Gradativamente
o homem aprendeu que o convívio com os animais podia ser prazeroso e trazer
benefícios além da simples alimentação.
Segundo
recentes estudos médico veterinários[5]
a companhia de animais para os seres humanos produz inúmeros efeitos benéficos,
de caráter psicológico, fisiológico e de socialização, dentre os quais podemos
destacar:
-
Diminuição da pressão, do estresse e da ansiedade, além da melhora do humor;
-
Redução da pressão arterial e da frequência cardíaca e maior expectativa de
vida;
-
Melhora na socialização de criminosos, idosos, pessoas com deficiência e no
auxílio do processo de aprendizado das crianças.
Além
destes, referendados por extensa literatura científica, a interação
homem-animal para efeitos terapêuticos (pet- terapia, zoo-terapia, equoterapia,
etc.) ou para o auxílio na superação de deficiências (cão guia, de assistência)
ou de companhia para processos pós cirúrgicos, principalmente cardíacos, ou de
perda, particularmente para idosos, tem tido, na atualidade, uma aceitação
geral pela população humana.
No
entanto, faz-se mister registrar que, esta interação onde o homem é o maior
favorecido, raramente leva em consideração o interesse do animal,
restringindo-se seus direitos, como no caso do Conselho Federal de Medicina
Veterinária, CFMV, a tentar normatizar procedimentos para a prática da
eutanásia dos mesmos[6].
O
CFMV estabelece que a eutanásia deve ser indicada quando o bem estar animal
estiver ameaçado, priorizando-se os cuidados para eliminar a dor, que não pode
ser eliminada ou aliviada por analgésicos, sedativos e outros tratamentos, ou,
ainda, quando o animal constituir ameaça à saúde pública.
O
CFMV recomenda, também[7]
que, em se tratando de um número significativo de animais submetidos à
eutanásia, como no caso de rebanhos, por exemplo, esta seja realizada por
métodos consistentes com uma morte humanitária.
O
CFMV considera “inaceitáveis” os métodos de eutanásia[8]
que se valham de traumatismos cranianos, embolia gasosa, descompressão ou
afogamento, entre outros aqui citados, exclusivamente pelo seu largo emprego na
indústria de produção de carne e insumos animais, como o processo de trituração
de pintinhos vivos, considerados descarte pelos padrões de qualidade das
empresas incubadoras de aves.
ANUMAL HUMANO E ANIMAL NÃO
HUMANO
Jon Locke, em sua obra
“Ensaio sobre o Entendimento Humano”[9]
definiu uma pessoa como “um ser pensante e inteligente, dotado de razão e
reflexão, que pode ver-se como tal, a mesma coisa pensante, em tempos e lugares
diferentes”.
Essa
definição aproxima “pessoa” daquilo que J.Fletcher[10],
queria dizer como “humano”, salvo pelo fato de escolher duas características
fundamentais: a racionalidade e a consciência de si, como âmago do conceito.
Segundo
Patrick Baert[11],
em “Algumas Limitações das Explicações da Escolha Racional na Ciência Política
e na Sociologia”, as mais importantes características das explicações da
escolha racional são:
a) A
premissa da intencionalidade
b) A
premissa da racionalidade
c) A
distinção entre informação completa e incompleta e, no caso da última, a
diferença entre risco e incerteza.
d) A
distinção entre ação estratégica e ação interdependente.
As explicações intencionais
não estipulam apenas que os indivíduos agem intencionalmente, mas tentam dar
conta de práticas sociais fazendo referência a finalidades e objetivos.
As explicações da escolha
racional são um subconjunto das explicações intencionais que atribuem, como o
nome sugere, racionalidade à ação social.
Racionalidade, neste contexto,
significa que, ao agir e interagir, os indivíduos têm planos coerentes e tentam
maximizar a satisfação de suas preferências ao mesmo tempo em que tentam
minimizar os custos envolvidos.
A racionalidade pressupõe a
ideia (premissa) de que o indivíduo é capaz de estabelecer um completo
ordenamento de alternativas.
Hoje, a ciência admite que os
golfinhos (delphins) são capazes de desenvolver atitudes intencionais e
atitudes racionais, promovendo-os junto com o homem ao status de pessoas,
apenas pessoas não humanas.
Alguns filósofos têm afirmado
que os animais não são capazes de pensar ou raciocinar e, em decorrência disso,
não tem uma concepção ou uma consciência de si mesmos.
Afirmam que são incapazes de
percorrer o caminho hegeliano de, percebendo-se, tomando consciência em si,
através da história adquirir consciência de si, alcançando o para si, que se
traduz no conceito.
Vivem o aqui e o agora.
As pessoas muito
frequentemente têm apenas “informações imperfeitas” com respeito à relação
entre um conjunto particular de ações e seus resultados.
Enfrentando riscos, as pessoas
são capazes de atribuir probabilidades aos vários resultados, ao passo que,
confrontadas com situações de incerteza, não serão capazes de fazê-lo.
No interior da teoria da
escolha racional, a teoria dos jogos, que objetiva trabalhar, por meio de
conceitos, situações nas quais os indivíduos tomam decisões considerando as
consequências das decisões tomadas por outros, trata da formalização de escolhas
estratégicas ou interdependentes por meio da constituição de modelos ideais
típicos.
Na definição que Fletcher usou
para o termo humano, ele compilou uma lista, que chamou “indicadores de
humanidade”, que incluía as seguintes características:
a) Autoconsciência
b) Autodomínio
c) Sentido
de futuro
d) Sentido
de passado
e) Capacidade
de se relacionar com outros
f) Preocupação
pelos outros
g) Comunicação
h) Curiosidade
Esta definição de
características humanas, na verdade, em nossa opinião, deveriam ser
consideradas como características de pessoas, já que os golfinhos demonstraram
possuí-las, ao mesmo tempo em que o embrião humano, o feto subsequente, a
criança com deficiência intelectual grave e até mesmo o recém-nascido, todos
indiscutivelmente membros da espécie Homo Sapiens, não apresentam estas
características, não podendo, portanto, ser consideradas pessoas, muito embora,
potencialmente, possam vir a sê-las.
Seria, portanto, mais lógico e
racional admitir que os animais encontram-se em um estágio diferente de
desenvolvimento cognitivo, similar àquele que o homem já ultrapassou, e que,
seu despertar de uma consciência capaz de alcançar o conceito, potencialmente,
é apenas questão de tempo, ainda que necessitem de milhares de gerações.
Com o desenvolvimento da
matemática, da física, da astronomia e das ciências de modo geral, a cada dia
que se passa, acabamos por conhecer um pouco mais sobre este Universo que nos
hospeda.
Dada a infinidade de galáxias,
de estrelas, de sistemas solares, a possibilidade de existir vida em outro
planeta seguramente é muito maior do que os mais céticos possam prever.
Porém, afirmar que existe vida
inteligente, vida orgânica como a que conhecemos, é outra questão que ainda
devemos demorar para poder responder.
Segundo Erich Von Daniken, um
escritor suíço que escreveu “Eram os Deuses Astronautas”, não só existe vida,
como ela é inteligente, capaz de viajar pelo cosmos e que, conforme exemplos
citados na referida obra, já visitou a Terra e de certa forma, interferiu na
evolução da espécie humana.
A ideia proposta inicialmente
pelo matemático alemão Hermann Weyl no ano de 1921 e reforçada posteriormente
pelo físico estadunidense Hohn Wheeler, em 1957, sobre a existência dos
“wormhole” (buraco de minhoca), uma característica topológica hipotética do
continuum espaço-tempo, a qual é, em essência, um atalho através do espaço e do
tempo, que permitiria à matéria viajar de um ponto a outro do espaço quase que
instantaneamente, costuma ser considerada válida pela relatividade geral (uma
generalização da Teoria da Gravitação de Newton, publicada em 1915 por Albert
Einstein) onde a matéria (energia) curva o espaço e o tempo à sua volta, ou
seja, onde a gravitação é considerada como um efeito da geometria do
espaço-tempo.
A utilização destes “buracos
de minhoca” responderia, por exemplo, às dúvidas sobre a viabilidade das
viagens interplanetárias.
Nas respostas de caráter
religioso, a separação entre corpo e espírito é suficiente para elucidar as
dúvidas.
Pitágoras acreditava na
existência de uma alma mortal e na sua ressurreição no corpo de outra pessoa ou
de um animal, criando a ideia de metempsicose.
Lucrécio acreditava que era
apenas mortal.
Platão acreditava na
existência de uma alma, que ele considerava ser o que há de mais importante
para o homem, imortal, presa momentaneamente a um corpo mortal, suscetível de
atravessar o corpo de outros seres vivos, em função de suas vidas anteriores.
Plotino acreditava que somente
depois de separar-se do corpo é que a alma podia tocar Deus.
A metafísica (além de, ou
depois dos estudos físicos), a filosofia primeira de Aristóteles, consistia em
um saber que transcende o saber físico, natural, que tenta descrever os
fundamentos, as leis, as causas ou princípios, bem como o sentido e a
finalidade da realidade como um todo, que só pode ser alcançada à luz da razão.
Os modelos metafísicos
geralmente acreditam na existência de algum tipo de ultravida que aguarda as
pessoas quando elas morrem.
Também nos textos e afirmações
de Hippolyte Léon Denizard Rivali (1804/1869), mais conhecido como Allan
Kardec, um pedagogo francês que criou a doutrina espírita, entende-se o
espiritualismo como uma doutrina filosófica que admite a existência do espírito
como realidade substancial.
E dizer, praticamente em todas
as religiões a ideia de uma segunda chance para que se possa complementar ou
corrigir nossa passagem pela vida, com maior ou com menor ênfase nos aspectos
de premiação ou de punição pelos atos praticados, manifesta-se muito mais por
um desejo, uma tênue esperança do que por uma comprovação que não seja baseada
exclusivamente na fé.
A lembrança de épocas
passadas, o “déjà vu”, a premonição de fatos futuros, a percepção extrassensorial,
a mediunidade, são acontecimentos que encontram justificação em explicações que
vão desde a memória genética transportada de nossos ancestrais aos nossos
descendentes por meio das células, à real possibilidade da existência de um
“Universo Paralelo”, de uma realidade alternativa, para a qual nosso
conhecimento ainda se mostra incipiente.
Influenciados pelo meio em que
vivemos, sujeitos a mitos e tradições, concluímos que, sobre estas questões, só
podemos agir conforme nossa consciência, nossos valores ético e morais,
lembrando de que fazemos parte do reino animal, que temos necessidades físicas,
que temos um compromisso com a continuidade de nossa espécie e que nossos atos
tem um impacto direto no meio ambiente e no destino de outras espécie, algumas
das quais, segundo Pitágoras e Platão, poderão ser nossos hospedeiros no
futuro.
Enquanto o
homem continuar sendo o destruidor implacável dos seres vivos inferiores ...
Enquanto os homens massacrarem os animais, eles matarão uns aos outros.
(Frase
atribuída a Pitágoras)
A defesa vigorosa dos direitos
à vida dos animais, como apregoado por Pitágoras, que via nesta atitude uma
forma de assegurar a continuidade da espécie humana acabou por transformar-se,
ao longo da história, em um ponto de conflito entre as várias correntes da
filosofia.
Xenófanes já fazia uma clara
separação entre os homens e os animais, que considerava inferiores, contrapondo-se,
por exemplo, à idolatria egípcia.
Aristóteles, entendendo os
animais como seres vivos, sensientes, procurou desvendar sua anatomia, o que
acabou sendo de grande valia para o desenvolvimento da medicina.
São Tomaz de Aquino, referindo-se
a um trecho do “Velho Testamento”, em Gênesis 1:30, onde se lê que:
E a todo animal
da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma
vivente, toda a erva verde será para mantimento.
Afirmou
As plantas
existem para o bem dos animais, e estes, por sua vez, existem para o bem dos
homens.
Uma vez que a
natureza não faz nada sem propósito ou em vão, é inegavelmente verdadeiro que
ela fez todos os animais para o bem do homem.
Em seus “Princípios da Moral e
da Legislação”, sua principal obra do ponto de vista propriamente filosófico,
Jeremy Bentham, concordando com Pitágoras escreveu:
Talvez chegue o
dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais
jamais poderiam ter sido privados.
UMA
VISÃO ANTROPOCÊNTRICA
Engels,
em sua análise materialista sobre a evolução do homem a partir dos macacos
antropomorfos, afirmava que o consumo de carne foi fundamental para o
desenvolvimento do cérebro humano.
Como
fonte de proteínas, o consumo da carne animal remonta à origem do homem e,
atualmente, graças aos movimentos em defesa dos direitos dos animais, boa parte
da classe médica admite que ela não é tão necessária, ao menos em todas as
fases da vida, para garantir a boa saúde e a longevidade.
As
proteínas de origem animal, consideradas completas, contem todos os aminoácidos
essenciais ao metabolismo do homem.
As
proteínas de origem vegetal, consideradas incompletas, obrigam a que se consuma
uma maior variedade de alimentos para que se alcancem todos os aminoácidos
necessários ao metabolismo.
Crianças
de um a quatro anos de idade, geralmente apresentam apetite reduzido e
inconstante, necessitando uma alimentação constituída por refeições pequenas e
frequentes, ricas em nutrientes essenciais.
Nesta
faixa etária, a deficiência de ferro é bastante comum e, por isso, o consumo de
frutas deve ser feito com bastante regularidade (4 a 5 vezes por dia), assim
como o leite e seus derivados, importantes fontes de cálcio.
A
carne ou o peixe devem ser consumidos pelo menos duas vezes por dia.
O
leite de soja, como importante fonte de proteínas, rico em isoflavonas, possui
substâncias que imitam a ação do estrógeno no corpo, não contém lactose, sendo
especialmente recomendado para pessoas com intolerância a esse carboidrato,
pode substituir, e até superar, a carne animal, principalmente a carne
vermelha, nesta fase do crescimento.
Crianças
de cinco a doze anos de idade tem um crescimento menor, porém, a alta exigência
nutricional e o apetite reduzido obrigam a que se tenha um cuidado adicional
com a alimentação, sob o ponto de vista nutricional.
O
consumo de carne vermelha, como boa fonte de ferro, aliado ao feijão, ovos, à
soja, e demais cereais fortificados, combinados com vitamina C para facilitar a
absorção do ferro, é especialmente indicada nesta fase.
A
alimentação dos adolescentes deve sustentar o crescimento e ser capaz de
acompanhar todas as transformações fisiológicas e hormonais desta fase da vida.
Neste
período, dado ao rápido crescimento físico, acompanhado de um estilo de vida
acelerado e de escolhas alimentares pouco saudáveis, comum aos jovens, pode
ocorrer uma deficiência de ferro no organismo, principalmente em meninas que
perdem sangue, durante a menstruação.
Novamente
a carne vermelha se apresenta como a principal fonte de ferro, muito embora se
possa utilizar outras fontes, como cereais fortificados, ainda que sua absorção
não seja tão eficiente, requerendo, geralmente, a combinação com a vitamina C
que aumenta a absorção do ferro pelo organismo.
Na
fase adulta, a alimentação deve fornecer ao organismo os nutrientes para
produzir ou reparar tecidos, manter o sistema imunitário saudável e permitir ao
corpo executar as tarefas diárias com facilidade.
Neste
período, a ingestão de carne vermelha, rica em gordura animal, deve
gradativamente ser substituída por carne branca, de peixes e de aves.
A
partir dos 50 anos, o bom senso recomenda o abandono quase que total do consumo
da carne vermelha, mantendo-se contudo a ingestão de carnes brancas, principalmente
peixes oriundos do mar, associado sempre ao consumo de vitamina C.
UMA
VISÃO NÃO ANTROPOCÊNTRICA
Os defensores dos animais
alegam que é errado matar para alimentar-se, muito embora muitos animais o
façam.
Eles
alegam que a maior parte dos animais que matam em busca de alimentos não conseguiria
sobreviver se não o fizessem, enquanto que nós, humanos, não temos essa
necessidade.
Dizem
mais.
Afirmam
que nós não podemos fugir à nossa responsabilidade como seres conscientes, através
da imitação de seres sensientes, que não são capazes de fazer essa opção.
Entenda-se
por sensiência a capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade, onde as
sensações como a dor ou a agonia, as emoções como o medo ou a ansiedade, são
estados subjetivos próximos do pensamento.
Um
animal é, portanto, um ser sensiênte porque demonstra a capacidade de sentir,
ter sensações e sentimentos, e dizer, ter percepções conscientes do que lhe
acontece e do que o rodeia.
No
entanto, o controle sofisticado do comportamento, baseado num sistema sensorial
complexo requer a capacidade de integração de informações de um cérebro
centralizado, desenvolvido, como nos humanos.
A
sensiência caracteriza-se, portanto, nos organismos vivos, não apenas como
reações orgânicas ou físico-químicas aos processos que afetam o corpo
(sensibilidade) mas, além dessas reações, como um acompanhamento no sentido de
que essas mesmas reações são percebidas, em estados mentais, como positivas ou
negativas.
A
sensiência, como característica presente apenas em seres do reino animal, cujo
maior sinal, a percepção da dor, é, portanto, reconhecida em todos os animais
vertebrados portadores de sistema nervoso central.
No
entanto, existem outros sinais exteriores que evidenciam que outras espécies
também experimentam o mundo de forma individual, como a existência de órgãos
sensoriais que evidenciam a necessidade de interpretar imagens, sons e odores
captados a partir dos respectivos sentidos.
Este
conceito abrange não apenas animais vertebrados mas, também, os invertebrados,
como os insetos e moluscos, onde apenas as esponjas seriam animais não
sensientes.
Sob
o ponto de vista utilitarista, outro importante argumento utilizado na defesa
dos interesses dos animais, é que, nos países pobres, as pessoas consomem em
média 180 quilos de grãos por ano, cerca de meio quilo por dia, ao passo que
nos países ricos, como nos Estados Unidos, esse consumo sobe para 900 quilos de
grãos por ano.
Essa
diferença brutal está diretamente relacionada à produção e alimentação de animais
para o fornecimento de carne, ou seja, mantendo-se o atual nível de produção de
grãos no mundo, para cada quilo de carne que se deixe de consumir,
aumentar-se-ia a oferta de grãos em cinco quilos.
A
utilização de grãos para alimentar animais de onde se espera obter a carne,
nociva para a oferta de alimentos em caráter global, hoje em dia é agravada
também pela transformação de alimentos (grãos) em combustível.
Embora
a utilização do azeite de origem vegetal como fonte de energia seja uma prática
antiga, a demanda por combustíveis renováveis (não fósseis) tem acentuado a
produção de culturas agrícolas para gerar energia, em detrimento de alimentos.
Isso
implica na constatação de que a fome no mundo seria consideravelmente reduzida,
simplesmente pela mudança dos hábitos alimentares nos países ricos, que
consomem carne, e a correta destinação dos grãos para produção de alimentos em
vez de combustíveis.
Poder-se-ia
ainda argumentar que, como seres sensientes, que sofrem com a dor, que
conseguem comunicar-se em língua própria com os de sua espécie, que tem memória
do passado, conseguindo reconhecer pessoas, locais, etc., a maioria dos animais
mereceria o nosso respeito.
Da
relação de proximidade que mantemos com certos animais domésticos, por exemplo,
conseguimos muitas vezes entender algumas de suas demandas.
A
seu modo, eles falam conosco e dizem o que desejam.
Desta
mesma proximidade, muitas vezes podemos observar que, tal qual em um bebê
humano recém-nascido, eles têm sonhos e são capazes de sorrir e de chorar.
Existem
muitas espécies de pássaros nas quais a ligação entre macho e fêmea dura até o
fim de suas vidas e, onde, ocorrendo a morte de um dos membros do casal, é
possível observar-se o sofrimento, a sensação de perda e a tristeza da parte
sobrevivente.
Resgatando
a ideia de Bentham, e considerando-se todos os argumentos anteriores, a UNESC0
(United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) idealizou a
carta dos direitos dos animais, reconhecendo que:
1- Todos os animais têm o mesmo direito
à vida.
2- Todos os animais têm direito ao
respeito e à proteção do homem.
3- Nenhum animal deve ser maltratado.
4- Todos os animais selvagens têm o
direito de viver livres no seu habitat.
5- O animal que o homem escolher para
companheiro não deve ser nunca ser abandonado.
6- Nenhum animal deve ser usado em
experiências que lhe causem dor.
7- Todo ato que põe em risco a vida de
um animal é um crime contra a vida.
8- A poluição e a destruição do meio
ambiente são consideradas crimes contra os animais.
9- Os diretos dos animais devem ser
defendidos por lei.
10-O homem deve ser educado desde a
infância para observar, respeitar e compreender os animais.
A
carta diz em seu preâmbulo e texto:
Considerando
que todo o animal possui direitos;
Considerando
que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a
levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;
Considerando
que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras
espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no
mundo;
Considerando
que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a
perpetrar outros;
Considerando
que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo
seu semelhante;
Considerando
que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a
respeitar e a amar os animais,
Proclama-se
o seguinte
Artigo
1º
Todos
os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Artigo
2º
1.Todo
o animal tem o direito a ser respeitado.
2.O
homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou
explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao
serviço dos animais
3.Todo
o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Artigo
3º
1.Nenhum
animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
2.Se
for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor
e de modo a não provocar-lhe angústia.
Artigo
4º
1.Todo
o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu
próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se
reproduzir.
2.toda
a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este
direito.
Artigo
5º
1.Todo
o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente
do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e
de liberdade que são próprias da sua espécie.
2.Toda
a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com
fins mercantis é contrária a este direito.
Artigo
6º
1.Todo
o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de
vida conforme a sua longevidade natural.
2.O
abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Artigo
7º
Todo o
animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de
intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.
Artigo
8º
1.A
experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é
incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência
médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.
2.As
técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.
Artigo
9º
Quando
o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado,
transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.
Artigo
10º
1.Nenhum
animal deve de ser explorado para divertimento do homem.
2.As
exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis
com a dignidade do animal.
Artigo
11º
Todo o
ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um
crime contra a vida.
Artigo
12º
1.Todo
o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um
genocídio, isto é, um crime contra a espécie.
2.A
poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.
Artigo
13º
1.O
animal morto deve de ser tratado com respeito.
2.As
cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no
cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos
direitos do animal.
Artigo
14º
1.Os
organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a
nível governamental.
2.Os
direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.
UMA
QUESTÃO ÉTICA
Por
tudo o que foi colocado até aqui, percebe-se que a questão do direito doa
animais, por sua abrangência e complexidade, só pode, efetivamente, ser tratado
no campo da ética, entendida como a ciência do ethos, substância constitutiva
do ser humano, tal qual o logos.
Como
ciência, a ética só pode ser compreendida pela sua característica de
universalidade, de racionalidade, de realidade, de verdade e de
verificabilidade.
Peter
Singer, filósofo australiano considerado um dos mais destacados defensores dos
animais não humanos, no qual baseia-se a maior parte deste nosso ensaio, afirma
que para uma atitude ser considerada ética, faz-se necessário que tenha uma
justificativa baseada em um princípio do qual não apenas a pessoa envolvida
seja beneficiada, ou seja, a ética, para ele, exige uma conduta que leve em
conta o universal e não o individual.[12]
Para
Singer, uma atitude não pode ser tomada em benefício próprio, mas deve levar em
consideração o interesse de todos os seres que serão afetados pela decisão – “a
capacidade de sofrer e de sentir prazer é um pré-requisito para se ter algum
interesse”.
O
princípio de igual consideração de interesses semelhantes consiste, portanto,
em atender interesses semelhantes de forma semelhante.
Em sua obra Libertação Animal (1975)
e Ética Prática (1979), baseado no utilitarismo preferencial, Singer enfatiza
que a única base plausível sobre a qual se pode defender o princípio da
igualdade para todos os seres humanos, exige ao mesmo tempo, por questão de
coerência, que se estenda essa igualdade a animais não humanos e, não fazê-lo,
é o mesmo que um preconceito similar ao racismo e ao sexismo, onde os
interesses de um indivíduo não contam moralmente, pelo simples fato de ele
pertencer a um determinado grupo, no caso, a espécie biológica.
“Se atribuo um certo
tipo de valor ao meu interesse por algo, então tenho que dar o mesmo valor a
todos os interesses similares nesse algo e, se outros devem levar em conta os
meus interesses porque eles são importantes para mim, então, eu preciso levar
em conta os interesses dos outros, reconhecendo que são importantes para eles”.
Esta posição, adotada por
Singer, não deixa de ser refutada por outros filósofos, que o acusam de ser
utilitarista, como, por exemplo, Tom Regan (The Case for Animal Rights, 1983,
2004) e Gary Francione (Animal, Property and the Law, 1995; Introduction to
Animal Rights, 2000 e Animal Persons, 2007), considerados ecoanimalistas, que
defendem os animais com os mesmos princípios que se aplica à ética ambiental
(respeito pelo valor inerente, por exemplo), como defensores de direitos.
Gary
Francione é conhecido mundialmente como um dos maiores críticos das leis de
bem-estar animal e do movimento social que luta por esse tipo de
regulamentação, o chamado movimento bem-estarista, alegando que estas leis não
retiram os animais da categoria de itens de propriedade, não servindo,
portanto, para proteger o interesse dos animais.
Francione
classifica Bentham como o “principal arquiteto do princípio do tratamento
humanitário”, definindo um direito como algo garantido por lei, uma proteção
especial a um interesse, tão importante que não devemos suspender seu
atendimento mesmo que esse seja a única maneira de evitar umj grande mal.
Neste
ponto, Francione aproxima-se muito pó pensamento de Kant.
No
entender de Francione, “o princípio de igual consideração, a noção de que cada
um conta por um e ninguém mais do que por um”, fundamental na proposta de
Bentham, prescreve abolir totalmente o uso de animais, e não meramente a regra
bem-estarista do tratamento humanitário.
Francione
também critica a posição utilitarista de Singer, que não atribui o conceito de
pessoa à maioria dos animais não humanos por não possuírem uma concepção
temporal de si (memória de si), aceitando o argumento da substituição.
Nesta
concepção, animais sensientes, porém não humanos, por não possuírem uma concepção
temporal de si, não possuem preferências quanto ao futuro e, na ótica
utilitarista, podem ser mortos desde que sejam substituídos por outros, como no
caso da criação de peixes ou de gado, por exemplo.
Francione
defende que, apesar de o ser substituído não ter consciência da perda que
sofre, é inteligível dizer que sofre uma perda, e dizer, de uma forma muito
mais radical que Singer, defende que a morte é um dano enorme para qualquer ser
sensiênte, pois impede que desfrute do prazer e que, mesmo que o indivíduo
morto seja substituído por outro, este não será o mesmo indivíduo, no sentido
de ser outra consciência experimentando o mundo.
Para
ele, ser sensiênte implica em ter interesse na existência continuada e alguma
consciência desse interesse, tendo interesse não apenas na qualidade de suas
vidas, mas também na quantidade de suas vidas (não fosse assim, os animais não
fugiriam do perigo); é ter consciência de si, ainda que no sentido espacial.
A
conclusão de Francione, portanto, é que, se um ser possui alguma experiência
mental, como a dor, por exemplo, ao mesmo tempo possui uma consciência de si,
pois as experiências mentais surgem justamente da divisão entre sujeito e
objeto, e dizer, para se ter o direito de não ser usado como mero meio para
fins de outros é requerida apenas a “core conscience”, o primeiro nível de
consciência acima da proto consciência, que distingue os indivíduos que possuem
interesses daqueles que não possuem, ainda que incremental, que significa,
quando se experimenta o prazer, mais se querer experimentá-lo.
É
o mesmo princípio pelo qual consideramos imoral a retirada “compulsória” de
órgãos de pessoas pobres ou deficientes, para fins de transplante.
Já
Tom Regan[13]
admite, por exemplo, situações especiais em que um indivíduo seja sacrificado
para beneficiar outros, como no caso de matar um terrorista que colocava a vida
de outros em perigo.
Tom
Regan adota uma postura kantiana, embora o próprio Kant não a aplicasse a não
humanos, ao defender que todos os sujeitos de uma vida possuem um valor
intrínseco devendo ser tratados como termos em si, e nunca como meios para um
fim.
Isto
significa que se uma “pessoa” tem um direito moral, esse direito não pode ser
sacrificado ainda que as consequências de fazê-lo sejam atraentes.
Regan
critica os utilitaristas hedonistas, como Benthan e Singer, para quem somente
as consequências determinam a moralidade do que fazemos e que deveríamos buscar
as melhores consequências para todos os afetados pelo resultado da decisão.
Imaginemos,
por exemplo, o cenário hipotético de um acidente no deserto, onde três humanos
sobrevivem, embora muito feridos. Junto com eles encontra-se um camelo, capaz
de levar apenas dois dos humanos até um local distante, onde seriam salvos. O
problema que se coloca é, matar o camelo para ter comida esperando a boa sorte
de serem resgatados ou matar/abandonar um ser humano, talvez o mais ferido,
para tendo assim comida suficiente, empreender a jornada em busca da salvação.
Embora
hipotética esta situação não é impossível e, um caso similar foi retratado por
Gericault em sua “Balsa da Medusa”.
Sob
uma ótica utilitarista, esse não seria um problema moral.
Regan
reconhece, assim, no utilitarismo hedonista, direitos para com os animais não
humanos, marcados por um igualitarismo forte, que rompe a barreira do
especismo, exigindo que se conte igualmente a dor e o prazer de todos os
afetados pela consequência da ação.
Desta
forma, assassinar a pessoa mais ferida, representando o maior balanço agregado
de prazeres sobre as dores, para os que seriam salvos, assim como para o
camelo, para os utilitárias não só não seria errado, como moralmente
obrigatório, isto é claro, na opinião de Regan.
Ao
fazê-lo, ele coloca-se não como um deôntico kantiano (aquele que estuda os
deveres especiais de uma situação), concluindo que o erro em se matar, dentro
do utilitarismo hedonista, não se dá primeiramente por causa do dano feito ao
que foi morto, mas sim pelo dano (moral) feito aos sobreviventes.
Com
isso, ele reconhece a evidencia do conflito moral utilitarista que vivemos pelo
fato dos humanos, sabendo que não humanos são mortos diariamente para a
produção de alimentos, pouco se importarem e de não sofrerem a menor
inquietação, já que não existem sinais de que os abatedouros pretendam sacrificar
humanos, concluindo que o utilitarismo hedonista torna muito fácil justificar o
assassinato, porque trata os indivíduos como meros receptáculos daquilo que
possui valor intrínseco, sendo o valor positivo uma experiência que proporcione
prazer e negativo uma que proporcione sofrimento.
Segundo
Regan, possuir um desejo de continuar a viver pressupõe uma concepção da
própria mortalidade, concordando, no entanto, com Singer que a luta de um
animal para escapar da morte não indica, necessariamente, uma capacidade
intelectual para preferir a própria existência futura, dado que pode estar
apenas fugindo da dor.
O
LUCRO ACIMA DE TUDO
Por
tudo o que vimos até aqui, percebe-se que a questão colocada sobre o direito
dos animais suscita acalorados embates, até mesmo entre os acadêmicos
defensores da causa, no campo da ética e da moral.
Percebemos,
também, que se considerarmos o consumo de carne como uma necessidade inconteste
para o desenvolvimento cognitivo de nossa espécie, precisamos nos perguntar
“qual a diferença substancial entre a proteína obtida a partir do cadáver de um
porco ou de uma vaca à proteína obtida a partir de um cadáver humano?”.
Esta
simples observação já evidencia que o problema precisa ser discutido não
exclusivamente pela ótica da ciência, do utilitarismo, da economia, mas pela
ótica da ética e da moral, onde os animais como sujeitos detentores de direitos
não podem ser considerados como meras mercadorias.
Diante
disto, baseados na obra de Peter Singer, A Libertação Animal, onde ele detalha
a conduta e a prática das grandes corporações no trato com os animais,
colocamos ao público a questão, sob a ótica da moral e da ética, se “os fins
justificam os meios?”
Logo
na introdução de seu livro, publicado em 2003, ele denuncia o fato de que as
pessoas desconheciam quase tudo sobre o produto carne que consumiam diariamente
em suas refeições.
A doença da
vaca louca ensinou ao público europeu que os livros que liam para os filhos
eram obsoletos. As vacas não se alimentavam só de grama. Nem herbívoras eram
mais. Para aumentar a proteína da dieta, davam-lhes sobras dos abatedouros.
Prefácio da
Edição Brasileira, X
Na maior parte do livro,
Capítulos 2 e 3, Singer denuncia a prática de maus tratos aos quais são submetidos
os animais por organizações que visam aumentar a oferta de carne e maximizar
seus lucros no processo.
Denuncia,
também, que alguns detratores dos direitos dos animais recusam-se a admitir que
eles têm interesses em não sofrer e a continuar existindo.
Alude
ao fato de que, por exemplo, nosso processo de alienação, de estranhamento ao
assunto, é tão frequente entre as pessoas que a extinção do pássaro Dodô nas
Ilhas Maurícias, provocada por marinheiros famintos e por predadores que os
humanos introduziram em seu habitat, costuma ser ridicularizada, inclusive no
cinema e nas publicações infantis, que os colocam como perfeitos idiotas.
Critica
Ludwig Wittgenstein, “que afirma não ser possível atribuir, de modo
significativo, estados de consciência a seres que não possuem linguagem”,
afirmando que embora necessária para o pensamento abstrato, em estados como a
dor, mais primitivos, ela não é necessária.
Não
chega a referir-se, por exemplo, a situações que presenciamos observando
algumas espécies de pássaros que desenvolveram um processo rudimentar de
linguagem que serve para alertar aos membros do grupo sobre perigos potenciais,
para chamar os membros do grupo para empreender determinado voo ou para fazer a
corte em processos de acasalamento.
Os
sinais básicos que utilizamos para transmitir dor, medo, amor, alegria,
surpresa, excitação sexual e muitos outros estados emocionais não são
específicos de nossa espécie. [14]
Singer
denuncia, ainda, logo no início do capítulo 2 da Libertação Animal a prática experimental
promovida pelo governo americano, de submeter macacos a um longo e doloroso
processo de aprendizagem no manuseio de uma alavanca (como o manche de um
avião) apenas para sacrificá-los posteriormente, submetendo-os a elevadas doses
de radiação ou intoxicação química, com o objetivo de determinar seu nível de
resistência orgânica, pela qual tentariam correlacionar as condições em que um
piloto, submetido ao mesmo processo, teria para completar sua missão.
Denuncia
também a prática, por pseudo estudos comportamentais, do processo de isolamento
restritivo e duradouro a que os animais são submetidos, cujos resultados são
sempre inconclusivos.
O
isolamento precoce suficientemente restritivo e duradouro reduz esses animais a
um nível socioemocional em que a reação social primária é o medo.[15]
Chegamos
à conclusão de que as provas revistas não deixam lugar a dúvidas quanto à
proposição geral de que a privação prolongada de cuidados maternos em crianças
pequenas pode ter efeitos graves e de longo alcance sob seu caráter; portanto,
durante toda a sua vida futura.[16]
Pior ainda, Singer denuncia que, entre
milhões de experimentos realizados, poucos contribuem para pesquisas médicas
importantes e que, um comitê do governo britânico descobriu que apenas um quarto
dos testes com animais é publicado.[17]
No
capítulo 3, Singer denuncia a prática de maus tratos por criadores industriais
no manuseio de animais não humanos, onde bilhões de espécimes são criados e
abatidos anualmente, somente nos Estados Unidos.
Denuncia,
também a manipulação da informação que chega às pessoas, quando se apresenta
uma imagem de uma fazenda, com animais livres, correndo pelo campo, quando na
verdade, a esmagadora maioria dos empreendimentos mantém os animais confinados
por toda a vida, privados do espaço e da liberdade, impedidos de se movimentar,
apenas para ganhar peso e ter uma carne mais macia.
As grandes
empresas e o que com elas precisam competir não estão preocupadas com nenhum
senso de harmonia entre plantas, animais e natureza. A criação é competitiva e
os métodos adotados são os que reduzem custos e aumentam a produção. Isso a
transformou em “criação industrial de animais”.
Libertação animal,
p. 142
Dentre
a prática de tortura às quais os animais são submetidos, Singer denuncia a que
se faz com as galinhas, cortando-lhes o bico (debicagem) e confinando-as em
gaiolas, sem nunca ver o Sol, em número de 5 a 7 por gaiola, de modo a alcançar
maior produtividade na produção de ovos.
A
elevada taxa de mortalidade observada entre as aves, segundo Singer, é
compensada pelo ganho de produção, pelo que esta prática é incentivada pelas
Associações de Produtores[18].
A expectativa média de vida de uma
galinha é de 7 anos, ao passo que as poedeiras mantidas em confinamento
raramente “tem permissão de viver” mais que entre 18 meses e dois anos.
Libertação
Animal, pp. 145 e 172
Singer
aproveita esta denúncia para, também, alertar à população desavisada que, boa
parte dos produtos oferecidos nos supermercados como “pedaços de frango” são
provenientes destes animais que morreram no confinamento e não de partes
animais, selecionadas propositalmente no processo de abate.
Singer
também se refere, no capítulo 3, aos porcos, animais que, segundo ele,
demonstram inteligência igual ou superior a um cão, o que é significativo, já
que a ciência comprova que cães tem uma capacidade cognitiva equivalente a uma
criança de 5 a 6 anos.
Pesquisadores
da Universidade de Edimburgo estudaram porcos criados em regime intensivo, que
foram soltos num cercado em condições seminaturais. Descobriram que seus
padrões de comportamento são coerentes: formam grupos sociais estáveis,
constroem ninhos comunitários, defecam em áreas apropriadas, bem longe dos
ninhos e são ativos, passando a maior parte do dia fuçando nas proximidades da
mata.
Libertação
Animal, PP. 176-177
Ele denuncia uma série de maus
tratos no manuseio destes animais em confinamento, que vão desde o corte da
cauda (para evitar que se mordam uns aos outros pelo elevado nível de estresse)
à limitação de seu espaço para movimento.
Singer
alerta, também, que, no processo de confinamento, dado o volume de esterco
produzido no local fechado, a produção de amoníaco ataca o pulmão dos animais,
obrigando os produtores a administrarem-lhes consideráveis doses de
antibióticos.
O amoníaco
realmente come o pulmão dos animais. [...] a má qualidade do ar é um problema.
Depois de trabalhar aqui por algum tempo, já sinto isso em meus pulmões. Mas,
ao menos, saio daqui à noite. Os porcos, não; portanto, temos de lhes aplicar
tetraciclina, o que, na verdade, ajuda a controlar o problema.[19]
Singer
também denuncia o processo de imobilização à qual uma porca prenhe é submetida,
de modo a evitar que, no quase inexistente espaço, ela venha a esmagar um
filhote.
Denuncia,
ainda que, dado a processos mecânicos de alimentação dos leitões, uma porca
consegue produzir arte 45 leitões/ano, ao invés dos 16 que amamentaria
normalmente.
Isto
significa que, tão logo os leitões possam ser removidos, a porca é novamente
coberta (inseminada) e já inicia um novo processo gestacional.
Finalmente,
para encerrar este capítulo de nosso ensaio, reproduzimos, ao menos
parcialmente, a denúncia pormenorizada de Singer daquilo que ele considera a
mais repugnante das formas de criação intensiva praticadas, a indústria da
vitela.
Como
ele mesmo esclarece, vitela é a carne de bezerros abatidos antes do desmame,
como forma de manter ativa a produção de leite.
Dada
a oferta limitada deste tipo de carne, mais macia, os produtores da Holanda, na
década de 1950, desenvolveram um modo de manter os bezerros vivos por mais
tempo, sem que sua carne se tornasse vermelha ou menos macia.
A
técnica desenvolvida por eles consiste basicamente em confiná-los em caixas de
madeira, de modo que não consigam mover-se, alimentando-os com uma dieta
líquida, composta de leite em pó desnatado, enriquecido com vitaminas, minerais
e estimulantes de crescimento.
Desta
forma, em aproximadamente 16 semanas, os animais podem chegar a pesar 180
quilos, em vez dos 40 que teriam como recém nascidos.
Singer,
nesta denúncia, alerta, também, para o fato de que, a carne mais branca da
vitela oferecida para o consumo humano é obtida pela total restrição ao ferro
na dieta dos animais, o que reduz consideravelmente seu valor nutricional,
apenas para aumentar o lucro dos produtores.
CONCLUSÕES
FINAIS
Por tudo o que foi
apresentado neste ensaio, em seus vários capítulos e, considerando-se as
posições mais ou menos radicais dos defensores dos direitos dos animais frente
à busca desenfreada pelo aumento da lucratividade das empresas que tem as suas
atividades focadas na exploração animal, consideramos que o consumo de carne
para a alimentação humana, desde muito tempo, deixou de ser uma necessidade.
Pior,
consideramos que sua produção industrial, em detrimento da produção de grãos,
só faz provocar o desequilíbrio dos ecossistemas, promovendo um consumo
exagerado de água potável e contribuindo para o aquecimento global.
Consideramos
que a prática e o manejo dos animais, tratados como mercadorias nas fazendas
industriais ferem os princípios básicos da convivência harmoniosa entre as
espécies que coabitam nosso planeta, isto provocado por uma ganância e desejo
de lucro acima de qualquer outro objetivo.
Entendemos,
contudo, que a solução do problema só pode se dar ao longo prazo, envolvendo a
conscientização das pessoas, a ponto de promover uma gradual mudança em seus
hábitos alimentares.
Entendemos,
também, e aqui discordando de Peter Singer, que o simples boicote ao consumo de
carne, reduzindo a demanda, num primeiro momento só daria subsídios para que a
indústria revogasse totalmente as poucas conquistas alcançadas na defesa do
direito dos animais, como forma de manter seus lucros e oferecer seus produtos
a preços mais competitivos, principalmente para uma população de baixa renda ou
com déficit alimentar.
No
entanto, concordamos com ele que um boicote seletivo, como o de se recusar a
comer ovos que não sejam produzidos senão a partir de “galinhas caipira”, por
exemplo, que têm assegurado um espaço adequado para ciscar e se desenvolver, já
seria um bom começo.
Professor Orosco
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
CUNHA, Luciano Carlos. O Consequencialismo e a
Deontologia na Ética Animal: Uma Análise Crítica Comparativa das Perspectivas
de Peter Singer, Steve Sapontzis, Tom Regan e Gary Francione. Dissertação de
Mestrado. Florianópolis: UFSC, 2010
OLIVEIRA, Gabriela Dias. Ateoria dos Direitos
Animais Humanos e Não Humanos, de Tom Regan. Florianópolis: Étich@, v,3, n.3.
pp. 283-299, Dez 2004
OROSCO, José Carlos. Euskadi. São Paulo: Jasa,
2013
REGAN, Tom. The Case for Animal Rights. EUA:
University of Califórnia Press, 1983, 2004
SANTANA, Luciano R., [et al]. Posse Responsável
e Dignidade dos Animais. 8º Congresso Internacional de Direito Ambiental. pp
533-552
SINGER, Peter. Ética Prática. Trad. Jeferson
Luiz Camargo. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002
_________. Libertação Animal. Trad. Marly
Winckler. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010
www.apasfa.org/futuro/frases.shtml,
Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis, acessado em 03.04.2015
Notas:
[1] O Código
Civil da França, elaborado originalmente por Napoleão em 1804, foi alterado em
28 de Janeiro de 2015, acrescentando em seu artigo 515-14, o direito dos
animais sensientes, aqueles capazes de sentir.
[2] Em 18 de
Dezembro de 2014, o Supremo Tribunal de Justiça da Argentina, em sua Câmara
Federal de Decisão Penal (sala II) reconheceu como Pessoa Não Humana a
orangotango Sandra, assegurando-lhe o direito a uma vida digna, à liberdade e a
não ser torturada ou maltratada física ou psicologicamente.
[3] RYDER, Richard D. Victims of
Science: The use of animals in research (1975) Revised edition 1983. London:
Centaur Press; National Anti Vivisection Society Limited, 1983, p. 5.
[4]
GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 1998
[5]
Revista Clinica Veterinária, nº 30, jan/fev 2001
[6]
Resolução CFMV nº 714 de 20/06/2002, publicada no DOU de 21/06;2002
[7]
Idem, Artigo 9
[8]
Ibidem Artigo 14
[9]
LOCKE, John. Ensaio Sobre o Entendimento Humano. Trad. Pedro Paulo Garrido
Pimenta. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
[10]
Joseph Fletcher (1905/1991) teólogo protestante, foi um professor americano que
fundou a teoria da éticas situacional na década de 1960, sendo o pioneiro no
campo da bioética. Foi um importante acadêmico envolvido nos temas de aborto,
infanticídio, eutanásia, eugenia e clonagem.
[11]
Patrick Baert (nascido em 1961) é um sociólogo belga, teórico social, baseado
na Grã Bretanha, onde atua como professor de Teoria Social da Universidade de
Cambridge.
[12] BRAVO,
Terezinha. O Princípio da Igual Consideração de Interesses Semelhantes como
Subsídio para o Ensino de Ciências nas Séries Iniciais – WWW.nutes.ufrj.br, acessado em 03/04/2015
[13] REGAN, Tom. The Case for Animal
Rights. EUA: University of Califórnia Press, 1983
[14] GOODALL, Jane. In The Shadow of
Man. Boston: Houghton Mifflin, 1971, p.225. SINGER. Peter. Libertação Animal,
p. 23
[15] Proceedings of The National Academy
of Science 54:90 (1965. SINGER, Peter. Libertação Animal, p.47
[16] Maternal Care and Mental
Health. Série de Monografias da Organização Mundial de Saúde,
2:46 (1951). SINGER, Peter. Libertação Animal, p 48
[17] Relatório9 Littlewood Committee,
pp53, 166; citado por Richard Ryder, Experiments on Animals, Nova York:
Taplinger, 1972, p 43. SINGER, Peter. Libertação Animal, p.61
[18] Pountry Tribune, jan 1974 – SINGER,
Peter. Libertação Animal, p 157
[19] Bob Frase, citado em Orville
Schell, Modern Meat (Nova York: Random House, 1984, p62) SINGER, Peter. Libertação
Animal, p.182
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