Para
que se possa compreender a forma de agir e pensar de um povo, conhecer sua filosofia
e sua história torna-se necessário, antes de qualquer coisa, tentar compreender
sua arte, sua religião e suas condições sociopolíticas, seus mistérios e seus mitos.
O
mito precisa, aqui, ser compreendido como uma forma atenuada da intelectualidade,
de uma verossimilhança que se aproxima de “uma verdade que possa ser aceita” em
determinada época e em determinada região.
Os
mitos geralmente tratam da conduta do homem em sociedade, do homem frente às
divindades, tendo um conteúdo pedagógico moral e teológico, com caráter de
mobilização, normalmente prometendo mais que o real, relacionando conceitos
contraditórios, ideais de perfeição, de superação e de realização inatingível.
A
análise da combinação de todas estas variáveis pressupõe, para a correta compreensão
de uma sociedade, mensurar a influencia dos mitos, o grau de liberdade de que
gozam os indivíduos, sua forma de organização social, etc.
Arte e religião, próximas à ideia da imaginação, da
metafísica.
Condições sociopolíticas, indicando seu nível de
organização social.
No passado, dentre os povos helênicos, os gregos
valorizavam a educação, destacando-se nas origens de sua filosofia os poemas de
Homero e Hesíodo.
A obra de Homero, rica em imaginação, raramente caia na descrição do monstruoso
ou disforme, evidenciando um cuidado com a harmonia, com a proporção, com os
limites, coisas que a filosofia levaria inclusive à ontologia.
Como agente motivador, sua obra, além de narrar os fatos,
preocupou-se em pesquisar suas causas e suas razões, o que preparou a
mentalidade que, em filosofia, levaria à busca das causas e do princípio do por
que das coisas.
Outra característica de sua obra era procurar apresentar
a realidade em sua totalidade, ainda que de forma mítica, dos valores que regem
a vida do homem, que na filosofia apresentou um caráter racional,
distanciando-se do mito épico.
A teogonia (genealogia dos deuses) de Hesíodo traçava uma
síntese sobre o tema, fornecendo uma explicação da gênese do universo, dos
fenômenos cósmicos (cosmogonia) e abrindo o caminho para a filosofia que, sem
usar a fantasia, buscaria com a razão, o princípio primeiro.
Sua obra, exaltando a justiça como um valor supremo,
muito contribuiu para os princípios éticos e do pensamento filosófico antigo,
em geral, estando presente no centro dos trabalhos de Sólon e Platão.
Para os gregos, na antiguidade, a justiça se tornaria um
conceito ontológico além de ético e político.
Os poetas líricos fixaram de modo estável o conceito de
limites, de medida, que se constituíram no centro do pensamento filosófico
clássico, resumido na inscrição “Conhece-te a ti mesmo”, princípio basilar do
saber filosófico grego até os últimos neoplatônicos.
A religião, pública, baseada na representação dos deuses
dada por Homero, de caráter politeísta, completava-se e ao mesmo tempo
distanciava-se da religião dos mistérios, que foi muito importante para a
filosofia.
Na religião, pública, tanto para Homero quanto para
Hesíodo, tudo era divino, tudo ocorria por intervenção dos deuses. Todos os
fenômenos naturais, a sorte das cidades, o resultado das guerras, a própria
vida social dos homens, eram vinculados aos deuses, personificados em forma
humana, amplificados e idealizados.
Esta forma de religião, pública, constituindo-se como uma
forma de naturalismo, onde o homem ficava refém de sua própria natureza,
incapaz de elevar-se acima de si mesmo, influenciou a primeira filosofia grega,
também naturalista, transformando-se em uma constante do pensamento grego ao longo
de todo o seu desenvolvimento.
A religião dos mistérios, dentre os quais os mais
influentes foram os órficos (dos poemas do poeta trácio Orfeu) era recoberta
pela névoa dos mitos.
Sua importância para a filosofia pauta-se no fato de
introduzir na civilização grega um novo esquema de crenças e uma nova
interpretação da existência humana, proclamando a imortalidade da alma e
concebendo o homem segundo um esquema dualista que contrapunha corpo e alma.
No núcleo das crenças órficas ficava a ideia de que a alma
humana, vítima de uma culpa original, fica presa a um corpo, estando condenada
a reencarnar-se até que se expie a culpa original.
O orfismo continha o conceito da ciência, onde a
atividade do pensamento se apresentava como pesquisa que conduzia à verdadeira
vida do homem.
A ideia dos prêmios e castigos de além tumulo, nascia
para justificar os absurdos que se constatava sobre a terra, explicando as
deficiências e sofrimentos daqueles que “aparentemente” se mostravam inocentes.
Para os órficos, ninguém era inocente e todos pagavam por
culpa de suas gravidades, nesta, ou em vidas anteriores.
Com esta ideia, este novo esquema de crenças, o homem via
contrapor-se em si dois princípios, o da alma e o do corpo, rompendo-se, assim,
a visão naturalista, o que influenciou sobremaneira o pensamento de Pitágoras,
de Heráclito, de Empédocles e de Platão.
Dentre os poetas antigos destacamos, representando aqui a
lenda dos Sete Sábios: Tales, a quem se atribuiu a frase “Conhece-te a ti
mesmo”; Bias, a quem se atribuiu as frases “A maioria é perversa” e “O cargo
revela o homem”; Pítaco, a quem se atribuiu a frase “Saber aproveitar a
oportunidade”; a Sólon (o pai da democracia), as frases “Toma a peito as coisas
importantes” e “Nada em excesso”, que marcariam o modo de vida grego; Cleobulo,
a frase “A medida é coisa ótima”; a Mísion, a frase “Indaga as palavras a
partir das coisas, e não as coisas a partir das palavras”; e a Chilon as frases
“Cuida de ti mesmo” e “Não desejes o impossível”, prenunciando uma verdadeira e
peculiar investigação sobre a conduta do homem no mundo.
Esta ideia de moderação grega reforçava a crença de que
era preciso conter dentro dos justos limites os desejos humanos descomedidos e
afastar o homem de qualquer excesso.
A poesia grega, antes mesmo da filosofia, descobriu e
justificou a unidade da lei por sob as vicissitudes aparentemente desordenadas
da vida humana em sociedade.
Diferentemente do que veio a ocorrer após a dominação romana,
apesar do esforço moral particular de Sêneca ou no período posterior a
Constantino, quando o cristianismo virou lei, no sistema sócio político grego,
as castas sacerdotais não possuíam qualquer relevância e sua cultura não foi
influenciada por uma dogmática fixa e imutável, deixando uma ampla liberdade
para o desenvolvimento do livre pensamento, diferenciando a civilização grega
de todas as outras na antiguidade.
Nos dias atuais, onde
a doxa (opinião) dominante é influenciada e, de certa forma conduzida, por uma
mídia ancorada nas ciências sociais, e mantida pelo poder hegemônico do Capital,
os valores e princípios éticos ou morais acabam por ter uma abrangência muito
menor.
No auge do período Stalinista, de modo folclórico, anterior
ao “Fotoshop”, as fotografias eram constantemente alteradas, aproximando ou
suprimindo figuras expoentes em função de sua amizade e apoio manifesto ao
Imperador, em torno do qual se construiu o mito da imortalidade.
Dizem as más línguas que a noticia de seu falecimento só
pode ser transmitida ao próprio, três dias depois de ocorrido, quando Nikita Khrushchev criou coragem de oficiá-la, mesmo
temendo a reprimenda que poderia vir do além.
De
certa forma, repetindo o mito onde Queops, como Faraó, mandou retirar as placas
de identificação da pirâmide construída por seu antecessor, colocando as suas
no lugar, exemplo que teria sido seguido por Quifren e posteriormente por
Mikerinus, criou-se, a partir do exemplo de Stalin, nos países geridos por
governos totalitários, para não dizer burros, a tola e ineficaz pratica de
tentar influenciar a historia, tentando reescrevê-la ao rebatizar monumentos e
negar sua legitimidade factual, sem entrar no mérito do merecimento da
homenagem, negando a influencia que este ou aquele personagem exerceram em
determinado momento da história.
Seria,
no caso do Brasil, como tentar reescrever a biografia de nosso primeiro
Imperador Pedro I, frequentador assíduo de prostíbulos e casas de má fama,
retirando de sua historia a relação que manteve com a Marquesa de Santos, mais
famosa que suas duas esposas oficiais.
Como
o mito do avestruz que enterra a cabeça no chão para fugir do perigo, induzido
e propagado pela “onça interessada”, precisamos, a exemplo da missão primeira da
filosofia, repudiar esta prática e dizer “não” aos governantes do momento que
insistem em persistir nesta prática e neste erro.
Personagens
históricos, bons ou maus, certos ou errados, somente poderão ser avaliados pelo
crivo do tempo.
O
fato é que, em momento histórico definido, estes personagens tiveram influencia
sobre os destinos da sociedade à qual pertenceram.
Seu
nome em uma placa que dá nome a ruas, a monumentos ou viadutos, não induz ninguém
ao erro, talvez só despertando em alguns poucos a curiosidade por conhecê-los,
nada mais.
Somente
o tolo, ou o desonesto tenta apoderar-se da historia real, ocultando a verdade
ou chamando para si os feitos de outros; tentando convencer o avestruz a
enterrar a cabeça no solo.
Como
escreveu Santayana, o homem ou a sociedade que não registra e reconhece o erro
cometido, está fadado a repeti-lo.
Sem
dizer e publicitar quem foi Hitler, quem foi Mussoline, quem foi Truman, Stalin
ou Mao Tse Tung, além de outros genocidas, poderemos eleger seus semelhantes.
Nós,
brasileiros, que aplicamos o calote no Hino Nacional, que fraudamos a nossa
Independência, que forjamos a figura Renascentista de nosso maior herói, neste
século XXI, precisamos abandonar a Caverna de Platão e recusar seguir o Mito do
Avestruz.
Precisamos
ser homens livres e praticar os bons costumes.
Professor Orosco