A sátira do
comportamento malandro e irreverente do brasileiro, pode ser retratada na passagem, onde estando presentes três oficiais graduados, de diferentes exércitos, que não
poupando elogios ao comportamento e disciplina de suas tropas, acabou por
provocar um desafio entre eles.
Como prova
de obediência, o primeiro comandante chamou um soldado e ordenando que desse um
tiro na cabeça.
Prontamente
atendido, todos viram o soldado sacar sua arma, encostá-la em sua têmpora e
sacrificar-se no cumprimento do dever.
De forma
irônica, o segundo oficial, para não ficar em posição inferior, chamou um
soldado de seu exercito, dando-lhe ordem similar.
Atendido
com igual eficiência e presteza, voltaram-se para o oficial brasileiro que,
desafiado e diante de tamanha disciplina, sentiu-se obrigado a dar a mesma
ordem.
Chamando um
pracinha de sua confiança, repetiu a ordem dos seus antecessores:
- Soldado!
De um tiro na cabeça.
Imediatamente
o pracinha sacou seu revolver e gritou:
- Atiro na
cabeça de quem ? meu general.
Moral da história:
O herói não é quem morre pelo seu país, é quem faz o outro
morrer pelo dele.
Valho-me
deste pequeno exemplo de valores abstratos, como honra e moral, que dependendo
do contexto, do lugar ou da época, chegam a determinar a visão que se pode ter acerca
de uma sociedade, ou seja, algo bem próximo do pensamento de Max Weber, para
prefaciar uma análise que fiz, a partir de um artigo do mestre Sidnei Ferreira
Vares, intitulado “Sociologismo e
Individualismo em Émile Durkheim”, publicado em 2011, o qual tentei
contextualizar para o momento que vivemos.
Durkheim
(1858/1917), considerado um dos pais da Sociologia Moderna, reconhecido como um
dos melhores teóricos do conceito de Coesão Social, afirmava que o objeto desta
ciência está na análise do Fato Social, que tinha um caráter de exterioridade,
de coercitividade e de coletividade (de generalidade).
Exterioridade
porque não depende da tomada de consciência pelo indivíduo, ocorrendo desde
antes dele e após o término de sua existência.
As leis, a
língua, a moeda, são exemplos desta exterioridade.
A sociedade
já existia antes dele nascer e provavelmente continuará a existir após o seu
passamento.
“Não sou
obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem empregar as moedas legais;
mas é impossível que eu faça de maneira diferente”.
Durkheim.
Les Régles de La Methode Sociologique. Paris:
PUF,1980.
Coercitividade,
no sentido de que não se pode escapar dele, mesmo que este fato seja somente um
dever moral.
A
obrigatoriedade de usar roupas adequadas ao ambiente exemplifica bem este
critério.
Usar terno
e gravata para caminhar na areia da praia, apresenta-se social e coletivamente
tão estranho quanto usar roupas de banho para ir à igreja.
A característica
coletiva, de generalidade, associando-se a padrões comportamentais, de feições
particulares imputadas a certos grupos, como os arquétipos, cujas imagens
assumem um caráter universal ( $ para indicar dinheiro; S.O.S. como sinal de pedido de socorro, etc.) ou estereótipos,
restritos a certas culturas, preconceituosos ou não (todo padre é um bom homem;
toda mulher loira é burra; todo baiano é preguiçoso, etc).
Para
Durkheim, nesta concepção, chamada funcionalista, as consciências individuais
são formadas pela sociedade, opondo-se ao idealismo iluminista, segundo o qual
a sociedade seria moldada pelo “espírito” e pela consciência humana.
E dizer,
para ele, a sociedade constituindo-se como uma síntese das relações
estabelecidas entre seus membros, desenvolve uma “consciência coletiva”, aquém
do espaço e além do tempo, superior aos indivíduos, investida de uma autoridade
moral, da qual os homens não podem se separar sem correr o risco de perder sua
condição humana (1978, p.45), tornando-se o indivíduo refém de uma tirania
coletiva.
Ganhando,
por assim dizer, corpo e alma, matéria e forma, após as revoluções dos séculos
XVI a XVIII ( protestante, industrial, americana e francesa ), que fizeram
brotar o sistema capitalista de produção, intensificando a divisão do trabalho,
a nova sociedade que emergia após a invenção das máquinas, implicou na
substituição da “solidariedade mecânica”, onde os indivíduos compartilhavam das
mesmas noções e valores sociais, crenças religiosas e interesses materiais para
a subsistência do grupo, pela “solidariedade orgânica”, de maior complexidade,
onde os interesses individuais são bastante distintos e a consciência de cada
individuo é mais acentuada.
As
sociedades tradicionais, que se caracterizavam por uma forte consciência coletiva,
que incidia sobre seus membros e impedia o desenvolvimento do individualismo,
na medida que a divisão do trabalho avança, são substituídas pelas modernas,
onde a influencia dos valores tradicionais tende a recuar (Veras, 2011).
Como
consequencia deste individualismo, inclusive de caráter moral, que rompeu
paradigmas e alterou as relações de e para com o poder, explicitadas na frase “Os velhos deuses estão mortos” (Durkheim,
1913), o retrocesso, a possibilidade de retorno às antigas formas de organização
social, foi definitivamente sepultada.
Paradoxalmente,
a partir dos fatos sociais, pelas suas características de generalidade, de
exterioridade e de coercitividade, o homem se anula enquanto elemento isolado
da sociedade, passando o coletivo a ter primazia sobre as partes, passando ele,
o homem, a ter induzida a sua forma de agir, de pensar e de sentir.
“As representações, as emoções e as
tendências coletivas não tem como causas geradoras certos estados de
consciência individual, mas condições em que se encontra o corpo social em seu
conjunto”. (Durkheim, 2001, p.67)
“Os fatos sociais, embora produzidos
pelas relações entre os indivíduos, adquirem uma “consistência” e uma
“autonomia” em relação a cada individuo que contribui para sua produção”. (Veras, 2011)
Como vítima
de um sistema globalizado, corporativo, onde a atividade econômica não deriva
da ação dos indivíduos, mas da sociedade em seu conjunto, os homens
transformam-se em escravos das ideias e dos valores coletivos, entendendo-se a
partir de então, como seres sociais.
O estado de
anomia (falta de objetivos individuais, perda de identidade provocada pelas
transformações no mundo social) que se instala globalmente como consequencia
desta metamorfose social, acaba por mergulhar a civilização num vazio moral,
que pode ser tratado, na ótica de Durkheim sobre dois modos:
Ou como um
fenômeno perverso e destrutivo dos laços sociais, ou como característica do
desenvolvimento autônomo do indivíduo, que na ótica do pragmatismo da cultura
de produção e consumo do sistema capitalista moderno, acaba por ser
potencializada.
O culto do
indivíduo, como forma de uma moral que respeita as diferenças individuais, onde
o risco do egoísmo é grande, para Durkheim, que não o nega, retrata o
diferencial da moral moderna, da inclusão do “espírito de autonomia”, definido
pela capacidade do individuo assegurar, por meio da razão, sua adesão à regra.
“Esse culto da personalidade, efeito do
avanço da divisão do trabalho nas sociedades modernas e consonante à emergência
dos ideais democráticos, é responsável por conferir ao indivíduo uma maior
autonomia, principalmente no que concerne à capacidade de modificar valores
sociais considerados ultrapassados a partir de esforços coletivos”. (Veras,
2011).
REFERENCIAS:
Orosco, José Carlos. Euskadi. São Paulo: Jasa, 2013.
DURKHEIM, Émile. Pragmatismo
e Sociologia.Paris:Sorbonne,1913.
___.Educação e
Sociologia. 7.ed.São Paulo:Melhoramentos, 1978.
___.[et al].Introdução
ao Pensamento Sociológico. São Paulo:Centauro, 2001. [Coletânea de Textos].
Vares, Sidnei Ferreira de. Sociologismo e Individualismo em Émile Durkheim. Caderno CRH,
Salvador. V.24, n.62, p.435-446, Maio/Ago, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário