domingo, 2 de junho de 2013

O MITO DO AVESTRUZ


Para que se possa compreender a forma de agir e pensar de um povo, conhecer sua filosofia e sua história torna-se necessário, antes de qualquer coisa, tentar compreender sua arte, sua religião e suas condições sociopolíticas, seus mistérios e seus mitos.
O mito precisa, aqui, ser compreendido como uma forma atenuada da intelectualidade, de uma verossimilhança que se aproxima de “uma verdade que possa ser aceita” em determinada época e em determinada região.
Os mitos geralmente tratam da conduta do homem em sociedade, do homem frente às divindades, tendo um conteúdo pedagógico moral e teológico, com caráter de mobilização, normalmente prometendo mais que o real, relacionando conceitos contraditórios, ideais de perfeição, de superação e de realização inatingível.
A análise da combinação de todas estas variáveis pressupõe, para a correta compreensão de uma sociedade, mensurar a influencia dos mitos, o grau de liberdade de que gozam os indivíduos, sua forma de organização social, etc.
            Arte e religião, próximas à ideia da imaginação, da metafísica.
            Condições sociopolíticas, indicando seu nível de organização social.
            No passado, dentre os povos helênicos, os gregos valorizavam a educação, destacando-se nas origens de sua filosofia os poemas de Homero e Hesíodo.
            A obra de Homero, rica em imaginação, raramente caia na descrição do monstruoso ou disforme, evidenciando um cuidado com a harmonia, com a proporção, com os limites, coisas que a filosofia levaria inclusive à ontologia.
            Como agente motivador, sua obra, além de narrar os fatos, preocupou-se em pesquisar suas causas e suas razões, o que preparou a mentalidade que, em filosofia, levaria à busca das causas e do princípio do por que das coisas.
            Outra característica de sua obra era procurar apresentar a realidade em sua totalidade, ainda que de forma mítica, dos valores que regem a vida do homem, que na filosofia apresentou um caráter racional, distanciando-se do mito épico.
            A teogonia (genealogia dos deuses) de Hesíodo traçava uma síntese sobre o tema, fornecendo uma explicação da gênese do universo, dos fenômenos cósmicos (cosmogonia) e abrindo o caminho para a filosofia que, sem usar a fantasia, buscaria com a razão, o princípio primeiro.
            Sua obra, exaltando a justiça como um valor supremo, muito contribuiu para os princípios éticos e do pensamento filosófico antigo, em geral, estando presente no centro dos trabalhos de Sólon e Platão.
            Para os gregos, na antiguidade, a justiça se tornaria um conceito ontológico além de ético e político.
            Os poetas líricos fixaram de modo estável o conceito de limites, de medida, que se constituíram no centro do pensamento filosófico clássico, resumido na inscrição “Conhece-te a ti mesmo”, princípio basilar do saber filosófico grego até os últimos neoplatônicos.
            A religião, pública, baseada na representação dos deuses dada por Homero, de caráter politeísta, completava-se e ao mesmo tempo distanciava-se da religião dos mistérios, que foi muito importante para a filosofia.
            Na religião, pública, tanto para Homero quanto para Hesíodo, tudo era divino, tudo ocorria por intervenção dos deuses. Todos os fenômenos naturais, a sorte das cidades, o resultado das guerras, a própria vida social dos homens, eram vinculados aos deuses, personificados em forma humana, amplificados e idealizados.
            Esta forma de religião, pública, constituindo-se como uma forma de naturalismo, onde o homem ficava refém de sua própria natureza, incapaz de elevar-se acima de si mesmo, influenciou a primeira filosofia grega, também naturalista, transformando-se em uma constante do pensamento grego ao longo de todo o seu desenvolvimento.
            A religião dos mistérios, dentre os quais os mais influentes foram os órficos (dos poemas do poeta trácio Orfeu) era recoberta pela névoa dos mitos.
            Sua importância para a filosofia pauta-se no fato de introduzir na civilização grega um novo esquema de crenças e uma nova interpretação da existência humana, proclamando a imortalidade da alma e concebendo o homem segundo um esquema dualista que contrapunha corpo e alma.
            No núcleo das crenças órficas ficava a ideia de que a alma humana, vítima de uma culpa original, fica presa a um corpo, estando condenada a reencarnar-se até que se expie a culpa original.
            O orfismo continha o conceito da ciência, onde a atividade do pensamento se apresentava como pesquisa que conduzia à verdadeira vida do homem.
            A ideia dos prêmios e castigos de além tumulo, nascia para justificar os absurdos que se constatava sobre a terra, explicando as deficiências e sofrimentos daqueles que “aparentemente” se mostravam inocentes.
            Para os órficos, ninguém era inocente e todos pagavam por culpa de suas gravidades, nesta, ou em vidas anteriores.
            Com esta ideia, este novo esquema de crenças, o homem via contrapor-se em si dois princípios, o da alma e o do corpo, rompendo-se, assim, a visão naturalista, o que influenciou sobremaneira o pensamento de Pitágoras, de Heráclito, de Empédocles e de Platão.
            Dentre os poetas antigos destacamos, representando aqui a lenda dos Sete Sábios: Tales, a quem se atribuiu a frase “Conhece-te a ti mesmo”; Bias, a quem se atribuiu as frases “A maioria é perversa” e “O cargo revela o homem”; Pítaco, a quem se atribuiu a frase “Saber aproveitar a oportunidade”; a Sólon (o pai da democracia), as frases “Toma a peito as coisas importantes” e “Nada em excesso”, que marcariam o modo de vida grego; Cleobulo, a frase “A medida é coisa ótima”; a Mísion, a frase “Indaga as palavras a partir das coisas, e não as coisas a partir das palavras”; e a Chilon as frases “Cuida de ti mesmo” e “Não desejes o impossível”, prenunciando uma verdadeira e peculiar investigação sobre a conduta do homem no mundo.
            Esta ideia de moderação grega reforçava a crença de que era preciso conter dentro dos justos limites os desejos humanos descomedidos e afastar o homem de qualquer excesso.
            A poesia grega, antes mesmo da filosofia, descobriu e justificou a unidade da lei por sob as vicissitudes aparentemente desordenadas da vida humana em sociedade.
            Diferentemente do que veio a ocorrer após a dominação romana, apesar do esforço moral particular de Sêneca ou no período posterior a Constantino, quando o cristianismo virou lei, no sistema sócio político grego, as castas sacerdotais não possuíam qualquer relevância e sua cultura não foi influenciada por uma dogmática fixa e imutável, deixando uma ampla liberdade para o desenvolvimento do livre pensamento, diferenciando a civilização grega de todas as outras na antiguidade.
             Nos dias atuais, onde a doxa (opinião) dominante é influenciada e, de certa forma conduzida, por uma mídia ancorada nas ciências sociais, e mantida pelo poder hegemônico do Capital, os valores e princípios éticos ou morais acabam por ter uma abrangência muito menor.
            No auge do período Stalinista, de modo folclórico, anterior ao “Fotoshop”, as fotografias eram constantemente alteradas, aproximando ou suprimindo figuras expoentes em função de sua amizade e apoio manifesto ao Imperador, em torno do qual se construiu o mito da imortalidade.
            Dizem as más línguas que a noticia de seu falecimento só pode ser transmitida ao próprio, três dias depois de ocorrido, quando Nikita Khrushchev criou coragem de oficiá-la, mesmo temendo a reprimenda que poderia vir do além.
            De certa forma, repetindo o mito onde Queops, como Faraó, mandou retirar as placas de identificação da pirâmide construída por seu antecessor, colocando as suas no lugar, exemplo que teria sido seguido por Quifren e posteriormente por Mikerinus, criou-se, a partir do exemplo de Stalin, nos países geridos por governos totalitários, para não dizer burros, a tola e ineficaz pratica de tentar influenciar a historia, tentando reescrevê-la ao rebatizar monumentos e negar sua legitimidade factual, sem entrar no mérito do merecimento da homenagem, negando a influencia que este ou aquele personagem exerceram em determinado momento da história.
            Seria, no caso do Brasil, como tentar reescrever a biografia de nosso primeiro Imperador Pedro I, frequentador assíduo de prostíbulos e casas de má fama, retirando de sua historia a relação que manteve com a Marquesa de Santos, mais famosa que suas duas esposas oficiais.
            Como o mito do avestruz que enterra a cabeça no chão para fugir do perigo, induzido e propagado pela “onça interessada”, precisamos, a exemplo da missão primeira da filosofia, repudiar esta prática e dizer “não” aos governantes do momento que insistem em persistir nesta prática e neste erro.
            Personagens históricos, bons ou maus, certos ou errados, somente poderão ser avaliados pelo crivo do tempo.
            O fato é que, em momento histórico definido, estes personagens tiveram influencia sobre os destinos da sociedade à qual pertenceram.
            Seu nome em uma placa que dá nome a ruas, a monumentos ou viadutos, não induz ninguém ao erro, talvez só despertando em alguns poucos a curiosidade por conhecê-los, nada mais.
            Somente o tolo, ou o desonesto tenta apoderar-se da historia real, ocultando a verdade ou chamando para si os feitos de outros; tentando convencer o avestruz a enterrar a cabeça no solo.
            Como escreveu Santayana, o homem ou a sociedade que não registra e reconhece o erro cometido, está fadado a repeti-lo.
            Sem dizer e publicitar quem foi Hitler, quem foi Mussoline, quem foi Truman, Stalin ou Mao Tse Tung, além de outros genocidas, poderemos eleger seus semelhantes.
            Nós, brasileiros, que aplicamos o calote no Hino Nacional, que fraudamos a nossa Independência, que forjamos a figura Renascentista de nosso maior herói, neste século XXI, precisamos abandonar a Caverna de Platão e recusar seguir o Mito do Avestruz.
            Precisamos ser homens livres e praticar os bons costumes.

Professor Orosco
           

            

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