Quando falamos de natureza, do que exatamente
estamos falando ?
A
ciência, a religião e a política, apesar dos seus esforços, mostraram-se
insuficientes para responder a esta pergunta que, a filosofia, como amante do
conhecimento, procura compreender.
Antes de iniciar o
estudo da "filosofia da natureza", primeiramente devemos reconhecer a
característica equívoca dos termos natureza e natural, de modo que ao empregá-los,
compreendamos exatamente sua função.
Natureza,
que pode referir-se ao caráter metafísico (que não está restrita à matéria),
natureza de algo, sua essência ou índole, que a distingue das demais, ou ainda ao
conjunto de todos os seres físicos, de todos os processos, geralmente
identificados com o corpóreo.
Natural,
que pode ser empregado como sinônimo de espontâneo; como forma de distinguir
algo do artificial produzido pelos viventes, incluído o homem; como distinto do
espiritual, não identificado com o corpóreo, como a liberdade, por exemplo e na
acepção do termo, como distinto do sobrenatural.
A
caracterização do mundo natural, como um mundo heraclitiano, em constante
movimento, evolutivo, pressupõe a produção de estruturas distintas, segundo o
tempo e o espaço, formas a priori da interioridade e da exterioridade, que se
desenvolvem independentemente da intervenção humana, onde o dinamismo e a
estruturação são características estritamente relacionadas.
Patentes
nos seres viventes, estas características estão presentes em toda a matéria,
ainda que de forma microfísica ou de equilíbrio.
Embora
o homem possa interferir na dinâmica destes processos, ele não pode modificar
suas leis, que seguem caminhos próprios, autônomos e não passivos e
independentes.
A
natureza está construída em torno de estruturas que se repetem, que formam
padrões, pautas, como nos viventes, por exemplo, que possuem uma estrutura
unitária na qual as diferentes partes desempenham funções específicas.
Tijolo
sobre tijolo, que formam o alicerce sobre o qual se edificam as paredes, a
natureza está repleta de exemplos de onde a ciência experimental busca
identificar estes padrões no intuito de ampliar nosso conhecimento dos
fenômenos.
Na
natureza nem tudo são pautas, porém, tudo gira em torno delas, e o simples
reconhecimento deste fato denota a especificidade deste nosso mundo, onde as
estruturas espaciais referem-se à ordem que os componentes naturais adotam,
suas configurações; e as estruturas temporais referem-se aos processos, ao
desenvolvimento temporal do dinamismo natural que, com pautas características
podem ser denominadas ritmos.
Interligados,
o dinamismo e a estruturação, condicionando-se mutuamente produzem ora novas
estruturas espaciais, ora novos dinamismos, segundo suas potencialidades e
virtualidades, cujos desdobramentos, de forma contingente, dependem das
circunstâncias externas, podendo-se, desta forma, caracterizar o natural
segundo sua atividade.
Dada
esta caracterização do natural em função do entrelaçamento entre o dinamismo e
a estruturação, não é possível distinguir a matéria das leis de seu
comportamento em um momento específico, como nas ciências, que precisam
formular leis limitadas a situações experimentais controladas, pelo que, ditas
leis, só podem ser válidas em circunstâncias muito específicas.
Exatamente
por isso, por retirar a possibilidade contingente, que o artificial difere do
natural, e dizer: o artificial não tem um dinamismo próprio, o que fica
restrito às entidades naturais que o compõem, contendo, apenas, estruturas
espaço-temporais correspondentes ao projetado pelo homem.
Uma
escultura produzida em bronze, por mais bonita que seja, sofrerá do desgaste
natural e dos efeitos da corrosão à qual este metal está sujeito.
No
entanto, mesmo nesta situação, dado o dinamismo próprio das entidades naturais
que compõem o artificial, não é possível ao homem modifica-los, limitando-se,
neste caso, quando muito, a direcioná-los.
O
próprio dinamismo natural humano, relacionado a suas estruturas
espaço-temporais, dada sua racionalidade, as transcende, alterando outras e
produzindo o artificial, ou seja: mesmo submetidos a leis naturais, pela
racionalidade, permitem contemplá-las, conceitua-las e controlá-las.
Como
síntese que o caracteriza, o natural contempla as propriedades do corpóreo, do
sensível, do material, da extensão cartesiana, do espaço-temporal, do
quantitativo, não se deixando, contudo, definir em função destes.
Não
pode ser definido apenas pelo corpóreo, pois este implica, quase sempre em
extensão, associado aos sólidos, desconsiderando líquidos e gasosos, ou ainda
os campos de força, todos indubitavelmente com dinamismo próprios.
Além
disso, outra consideração importante é o fato de que os artificiais também
podem ser corpóreos, ou seja, possuírem extensão.
Igualmente,
o natural não pode ser definido apenas pelo sensível, uma vez que as entidades
microfísicas, por exemplo, não são percebidas pelos sentidos, ao menos sem o
auxílio do artificial.
Também
o conceito de material não é suficiente para definir o natural, uma vez que
este termo também é um equívoco, podendo representar o corpóreo ou aquilo de
que algo seja feito, distinto do formal, que se refere ao modo de ser das
coisas.
A
extensão também não é suficiente, uma vez que nem sempre é necessária para
justificar o natural, ainda que percebido pelos sentidos, como o vento ou a luz
do dia.
Pelos
mesmos motivos, o conceito espaço-temporal também é insuficiente para definir o
natural, pois refere-se a dimensões, que, assim como o critério quantitativo
expressa característica dimensionais, de localização, são tidas como primárias
do mundo físico que, embora necessárias, aplicam-se também aos artificiais.
O
próprio conceito de necessário, que se contrapondo ao racional, no âmbito da
liberdade, negando-lhe a possibilidade, não é suficiente para significar o
natural.
Por
sua vez, o dinamismo e a estruturação, em todos os casos acima, apresenta
melhores condições de identificar o natural, pois estendem-se não só às formas
corpóreas, mas também a qualquer outro tipo de entidade natural, independentes
da ação humana.
E dizer: a caracterização do natural, conforme
Aristóteles, se dá em função do dinamismo e da estruturação, apresentando a
natureza como princípio interior de atividade nas substâncias.
Pode
até apresentar-se com o um exagero, mas, a relevância do assunto demonstra que,
sem o correto entendimento dos termos natureza e natural; da correta observação
do dinamismo e da estrutura espaço temporal das coisas, indo além daquilo que a
ciência normalmente define, o processo do conhecimento e da tentativa de compreensão
do mundo que nos circunda fica limitado e incompleto.
Professor Orosco
Extraído da obra de: ARTIGAS, Mariano.
Filosofia da Natureza. Tradução de José Eduardo de Oliveira e Silva. São Paulo:
Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lulio, 2005.
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