sexta-feira, 26 de julho de 2013

ENXERGANDO A LÓGICA DA LINGUAGEM ARISTOTÉLICA ATRAVÉS DOS OLHOS DE PORFÍRIO


O presente trabalho pretende fazer uma reflexão sobre a obra de Porfírio ao analisar as “Categorias de Aristóteles”, que serviram de base para o desenvolvimento de uma lógica da linguagem, que persiste até nossos dias.

            Porfírio (234/305) foi um filósofo neoplatônico, um dos mais importantes discípulos de Plotino, responsável por organizar e publicar 54 tratados de seu mestre na obra “As Enéadas”, composta por seis livros.
            Seu livro “Introductio in Praedicamenta”, traduzido para o latim por Boécio (475/523) transformou-se em um texto padrão nas escolas medievais.
            Nesta obra, também conhecida por “Isagoge”, Porfírio faz um comentário e uma análise da obra “Categorias” de Aristóteles (384/322 a.C.), descrevendo como as qualidades atribuídas às coisas podem ser classificadas, quebrando o conceito filosófico da substância como gênero/espécie do relacionamento.
            Para compreender melhor o seu trabalho, principalmente para o campo da lógica e da linguagem, vamos iniciar o presente artigo fazendo uma pequena retrospectiva, partindo dos conceitos primários da linguagem e dos pressupostos aristotélicos.
            A primeira função da linguagem seja ela realizada da forma que for, por meio da fala, da escrita ou da transmissão de imagens, é transmitir a informação e, para isso no exercício da linguagem, principalmente na sua forma escrita, nós podemos combinar ou não, entre si, aquilo que chamamos palavras, expressões ou frases, sempre que desejamos manifestar uma ideia.
            Ao fazê-lo nos valemos de um vocabulário do campo semântico da lógica, qual seja, termos, proposições, etc.
            O termo é uma unidade de representação do conceito; é a encarnação dos conceitos e das ideias em palavras.
            Pode ser constituído por uma única palavra ou por um grupo de palavras que denota o conceito.
            Na lógica, é um nome associado a um objeto do universo do discurso.
            O termo pode ser unívoco, quando se aplica a uma ideia, ou seja, quando o nome da coisa significa o mesmo em cada caso e tem a mesma definição.
            Exemplo: Um homem e um boi recebem o nome de “animal”.
            Este nome é o mesmo em ambos os casos, mantendo a definição essencial, já que toda vez que falamos de animal estaremos dando a mesma definição.
            O termo pode ser equívoco, quando designa várias ideias, ou seja, quando a definição de sua essência é distinta.
            Exemplo: A palavra manga pode significar uma fruta ou uma parte da roupa (parte da camisa, parte do casaco, etc.).
            O termo pode ser análogo, quando associa palavras por comparação, ou seja, a uma ideia comum.
            Exemplo: O termo saudável pode ser associado à comida, a um remédio, a um exercício, sempre se conotando a ideia comum de coisas que se relacionam com a saúde.
            O termo pode ser derivado, quando os objetos tem seu nome derivado de outro, por meio de uma nova forma verbal.
            Exemplo: de heroísmo deriva-se herói.
            O termo pode indicar uma localização, como por exemplo, anterior, que só pode ser usado quando a ordem de existência entre duas coisas for fixa, não podendo ser reversível.
            Exemplo: entre os números reais, o número um é sempre anterior ao número dois.
            Em uma oração existem dois termos essenciais: o sujeito e o predicado.
            O sujeito é aquele sobre o qual se diz alguma coisa e o predicado é aquilo que se declara do sujeito.
            Existem três tipos de predicados: o nominal, o verbal e o verbo-nominal.
            Predicado nominal é aquele cujo núcleo significativo é formado por um nome, que pode ser um substantivo, um adjetivo ou um pronome.
            Exemplo: Gustavo é um estudante.
            Predicado verbal é aquele cujo núcleo significativo é formado por um verbo, seguido ou não de termos acessórios.
            Exemplo: A caneta caiu.
            Predicado verbo-nominal é aquele que tem dois núcleos significativos: um verbo e um nome.
            Exemplo: Eu acho minha caneta feia.
            Preposição é uma palavra invariável que liga dois elementos da oração, subordinando o segundo ao primeiro (substantivo a substantivo; verbo a substantivo; adjetivo a substantivo, etc.).
            As preposições podem ser essenciais: a, ante, até, após, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás...
            Também podem ser acidentais: afora, menos, salvo, conforme, exceto, como, que, segundo, mediante...
            Proposições (do latim propositione) referem-se ao ato de propor, referem-se a uma proposta ou sugestão.
            Na gramática, significa uma oração ou sentença.
            A proposição é um “julgamento” que associa ou dissocia sujeitos e predicados, podendo ser verdadeira ou falsa.
            Costuma-se usar a palavra proposição para designar o significado de uma sentença ou oração declarativa.
            Argumento é qualquer grupo de proposições, de tal forma que se afirme ser uma delas derivada das outras, as quais são consideradas provas evidentes da verdade da primeira.
            Um argumento envolve sempre, pelo menos, duas preposições: uma conclusão e pelo menos uma premissa.
            A conclusão de um argumento é aquela proposição que se afirma com base nas outras proposições desse mesmo argumento e, por sua vez, essas outras proposições que são enunciadas como provas ou razões para aceitar a conclusão são as premissas desse argumento.
            Nenhuma proposição, tomada em si mesma, isoladamente, é uma premissa ou uma conclusão.
            No universo da linguagem, existem coisas das quais, quando nos referimos a elas por palavras sem combinar, podemos predicar algo de um sujeito, ainda que não se achem presentes a nenhum sujeito.
            Exemplo: um elemento gramatical está na mente ou na inteligência como em um sujeito, mas não pode predicar-se de qualquer sujeito conhecido.
            Por outro lado, existem algumas coisas que não só se afirma ou se predicam de um sujeito, senão que se acham, ademais, no sujeito.
            Exemplo: a ciência ou o conhecimento está presente nesta ou naquela inteligência, como no sujeito.
            Existe, ainda, uma classe de coisas que não pode achar-se em um sujeito e nem podem ser afirmadas de nenhum sujeito.
            Exemplo: este ou aquele homem; este ou aquele cavalo.
            Ou seja, de forma geral, nunca se pode afirmar de um sujeito aquilo que em sua natureza é individual ou numericamente um.
            Ainda sobre os predicados, podemos dizer que quando predicamos uma coisa de outra coisa, como de um sujeito, os predicados do predicado se estendem ao sujeito.
            Predicamos o termo homem, de um homem; igualmente predicamos o termo homem do animal; logo, como consequencia, podemos predicar o termo animal, deste ou daquele homem.
            Isto porque um homem é ambas as coisas, homem e animal.
            Dos predicáveis, alguns são ditos de acordo com um somente, como os indivíduos, como por exemplo, Sócrates, este e aquele; e alguns de acordo com muitos, como os gêneros, as espécies, as diferenças, os próprios e os acidentes, que são em comum, mas não propriamente em algo; o gênero é, por exemplo, o animal; a espécie, por exemplo, o homem; a diferença, por exemplo, o racional; o próprio, por exemplo, a capacidade de rir e o acidente, por exemplo, o branco, o preto, o sentar-se.
            Assim, o gênero é uma característica arbitrária dos sistemas linguísticos naturais; um sistema de classificação nominal que possuem algumas linguagens em que os elementos nominais são classificados dentro de um número finito de classes, para os quais, geralmente há regras de concordância.
            De fato, diz-se que gênero é a reunião daqueles que possuem, de alguma maneira, algo relativo a um e um relativo uns aos outros.
            É o princípio de geração de cada um.
            Quando os gêneros não estão subordinados uns aos outros e são distintos, suas diferenças serão distintas especificamente.
            Quando estão subordinados, uns aos outros, nada impede que eles tenham as mesmas diferenças.
            Desta forma, predicamos uma magnitude maior de outra menor, ou seja, compreendemos que as diferenças do predicado afetam e pertencem ao sujeito.
            Sendo o homem espécie, predica-se de Sócrates e Platão, os quais não diferem um do outro em espécie, mas em número; e sendo o animal gênero, predica-se de homem, de boi e de cavalo, os quais diferem um do outro em espécie e não somente em número.
            O gênero difere-se também do próprio, pois o próprio predica-se de acordo com uma espécie somente, da qual ele é próprio.
            Assim, o gênero distancia-se dos que são predicáveis de acordo com somente um dos indivíduos; distanciam-se dos predicáveis como espécies ou como próprios e, ao predicar-se no que é, distancia-se das diferenças e dos acidentes comuns.
            A espécie é dita sobre a forma de cada um, e também do que é sob o dado gênero, definindo-se como o que se põe sob o gênero e sendo aquilo de que o gênero se predica no que é.
            A substância, o princípio do ser, aquilo que é permanente, a natureza de uma coisa, a essência é, ela própria, um gênero; sob ela está o corpo; sob o corpo está o corpo animado, sob o qual está o animal; sob o animal está o animal racional, sob o qual está o homem; sob o homem estão Sócrates, Platão e outros particulares.
            Desta forma, o relativo aos anteriores a si, de acordo com o qual se diz que são espécies deles e o relativo aos posteriores a si, de acordo com o qual se diz que são gêneros deles.
            Em outras palavras, os que estão no meio serão espécie dos anteriores a si e gêneros dos posteriores a si.
            Os iguais devem predicar-se dos iguais ou os maiores dos menores, como o relinchar do cavalo ou como o animal do homem, mas não os menores dos maiores, pois não se pode dizer que o animal é um homem, assim como se diz que o homem é um animal.
            A diferença se diz comumente, propriamente e mais propriamente.
            Comumente quando difere do outro por qualquer tipo de alteridade, relativamente a si ou relativamente a outro.
            Exemplo: Sócrates difere de Platão por alteridade e ele difere de si mesmo, sendo criança e havendo se tornado adulto.
            Difere propriamente do outro sempre que ocorrer um acidente inseparável, como por exemplo, a cor dos olhos, uma cicatriz na face, etc.
            Difere mais propriamente do outro sempre que se separar por uma diferença específica, como por exemplo, o homem difere do cavalo pela diferença específica de ser racional.
            Ou seja, a diferença é aquilo que é naturalmente apto a separar os que estão sob o mesmo gênero.
            O próprio, por sua vez, divide-se em quatro possibilidades:
            O que é acidente em somente uma espécie, posto que não em toda, como no homem este ser médico ou geômetra.
            O que é acidente em toda a espécie, como no caso do homem que é bípede.
            O que é em um somente, em todo e em um período, como todo o homem ficar grisalho na velhice.
            E aquele no qual concorre o ser em uma espécie somente, em toda ela e sempre, como o homem ser capaz de rir.
            O acidente, por sua vez, é o que aparece e desaparece sem a corrupção do sujeito, podendo ser separável, como dormir; e inseparável, como ser preto no corvo ou no etíope.
            O acidente é o que se admite pertencer ou não pertencer ao mesmo, ou o que não é nem gênero nem diferença, nem espécie, nem próprio, mas sempre subsistente no sujeito.
            Assim sendo, pelo que observamos até aqui, podemos dizer que:
            É comum do gênero e da diferença o conterem as espécies.
            De fato, a diferença contém espécies, mesmo que não todas que o gênero contém.
            É comum também, o fato de removidos o gênero ou a diferença, removerem-se também os que estão sob eles.
            No entanto, é próprio do gênero o ser predicado de muitos, isto é, da diferença, da espécie, do próprio e do acidente.
            O gênero contém a diferença em potencia, sendo anterior a ela.
            Por sua vez, tomam-se por diferenças aquelas pelas quais o gênero é cindido.
            O gênero e a espécie possuem em comum serem predicados, e diferem-se pelo gênero conter as espécies e estas estarem apenas contidas nos gêneros.
            É comum ao gênero e ao próprio o seguirem-se às espécies, o gênero predicar-se das espécies e o próprio dos indivíduos que dele participam.
            O gênero é anterior e o próprio é posterior.
            O gênero predica-se de acordo com muitas espécies, mas o próprio o faz de uma espécie, do qual ele é próprio.
            Os próprios removidos não removem os gêneros, mas os gêneros removidos removem as espécies dos quais são próprios.
            É comum ao gênero e ao acidente o predicarem-se, como se disse, de acordo com muitos, seja dos separáveis, seja dos inseparáveis.
            O gênero diferencia-se do acidente, sendo este anterior às espécies e o outro posterior a elas.
            Os gêneros predicam-se dos que estão sob ele no que é, mas os acidentes o fazem no como é ou no como cada um se porta.
            É comum da diferença e da espécie o serem igualmente participadas e o estarem sempre juntas aos que delas participam.
            Por sua vez, é próprio da diferença o predicar-se no como é enquanto a espécie o predicar-se no que é.
            A diferença e o próprio têm em comum o serem participados igualmente pelos que deles participam, estando sempre juntos a tudo.
            É próprio da diferença que ela, por vezes, seja dita em muitas espécies, como o racional tanto no deus, quanto no homem; mas, o próprio o é em uma espécie, da qual ele é próprio.
            É comum à diferença e ao acidente o serem ditos de muitos e é comum, com relação aos acidentes inseparáveis, o sempre estarem juntos a tudo.
            Diferem no fato da diferença conter e não ser contida.
            A diferença não é mais ou menos intensa, mas os acidentes aceitam o mais e o menos.
            É comum à espécie e ao próprio o se antipredicarem um ao outro, ao mesmo tempo em que a espécie difere do próprio, por ser gênero de outros, enquanto o próprio não pode ser próprio de outros.
            É comum da espécie e do acidente o predicarem-se em muitos, enquanto é próprio da espécie o predicar-se no que é dos que é espécie e, do acidente, o fazê-lo no como se porta.
            É comum ao próprio e ao acidente inseparável que eles não subsistam àqueles que são contemplados sobre eles dois, e diferenciar-se pelo próprio estar junto a uma espécie e o acidente inseparável não estar junto a uma espécie.
            Para Aristóteles, cada uma das palavras ou expressões independentes, aquelas que não se combinam com as outras, significam, possuem, de suas, uma das seguintes características:
            O que é, ou a substância, essência;
            A sua magnitude, ou a sua quantidade;
            Que classe de coisa é, ou a sua qualidade;
            Com o que se relaciona, ou a sua relação;
            Onde está, ou o seu lugar;
            Quando está, ou em que tempo;
            Em que atitude está, ou sua posição, seu estado;
            Quais as suas circunstâncias, seu hábito, condição;
            Qual a sua atividade, a ação;
            Qual a sua passividade, a paixão.
            Nenhum destes termos, em si mesmo, conota uma afirmação positiva ou negativa, o que só ocorre quando vários termos se combinam entre si.
            O sentido primeiro, mais verdadeiro do termo substância, é o de que é aquilo que nunca se predica de outra coisa e nem pode achar-se no sujeito.
            No entanto, podemos falar de substâncias secundárias, entre as quais, se são especiais, ficam incluídas às substâncias primárias, nas quais, se são gêneros, ficam contidas às mesmas espécies.
            Exemplo: incluímos um homem particular na espécie chamada homem e, à sua vez, incluímos esta espécie no gênero animal.
            Assim colocado, das substâncias primárias, somente a espécie e o gênero, entre todas as coisas, podem ser chamados substâncias secundárias, isto porque, dentre todos os predicados possíveis, somente eles definem a substância primária.
            É comum à substância não estar presente no sujeito, porque o que chamamos substância primeira não pode estar presente no sujeito nem predicar-se de nenhum sujeito.
            Predicamos a espécie homem e, sem exagero, homem não se acha no sujeito, já que a humanidade não está no homem.
            A diferença e a substância tem em comum a característica de quando as predicamos, as predicamos univocamente.
            Toda substância se nos apresenta como um indivíduo, o que nos indica que é um, indivisível, não tendo graus ou admitindo ser mais ou menos, muito embora, mesmo permanecendo uma e a mesma, ela pode receber em si mesma, qualidades contrárias, por meio de uma transformação realizada em si mesma.
            A quantidade é discreta ou contínua.
            Podemos entender por discreta, o número ou a locução, e por quantidades contínuas, a linha, a superfície, o sólido, ou às que se podem associar tempo e lugar.
            Os números (reais) são grandezas absolutas, nem mais nem menos, pelo que representam quantidades discretas, grandezas exatas, não contínuas.
            A linha, por sua vez, é contínua.
            Nela descobrimos um ponto, que separa o antes e o depois, mas como o tempo, são infinitos para antes ou para depois do ponto.
            Também o espaço está nessa classe da quantidade.
            Assim, pode-se deduzir que as quantidades se compõem de partes; e essas partes, segundo vimos, tem posições relativas entre si ou carecem de tais posições.
            No caso do tempo, seria melhor poder dizer que suas partes tem uma ordem relativa, isto porque uma é anterior à outra.
            Uma qualidade, por sua vez, sempre é expressa em relação a outra, mais ou menos, mais ou menos branca; mais ou menos doce; mais ou menos bonito, etc.
            Por qualidade entende-se aquilo cuja virtude os homens são chamados tais e quais.
            As qualidades que chamamos passivas não são, em verdade, designadas com este nome por significar que as coisas que as possuem estão afetadas de alguma forma, ou que experimentam uma mudança em si mesmas, mas sim, que podem provocar uma sensação.
            Todas as cores, por exemplo, o branco e o negro, são qualidades passivas, e lhes damos estes nomes pelo fato de que nos provocam, nos despertam, estados afetivos ou passionais.
            As qualidades também podem indicar as formas e as figuras das coisas (plano, reto, cilíndrico, etc.) e as coisas que derivam seus nomes delas, ou dependem delas de qualquer outra forma, são coisas qualificadas de uma ou outra maneira.
            As qualidades admitem a contrariedade, sem bem que não em todos os casos, admitindo sempre os graus, mais ou menos, maior ou menor, etc.
            Por sua vez, os sujeitos de qualidades contrárias precisam pertencer à mesma espécie ou gênero.
            Dizemos que uma coisa é relativa quando ela existe do modo que existe; porque existe em dependência de outra coisa; porque sua existência está relacionada com algo de alguma forma.
            Por exemplo, dizemos que é o “dobro” por ser duas vezes algo.
            Existem, por sua vez, outras formas de relação, como hábito, disposição, percepção, posição ou atitude, conhecimento.
            Todos explicáveis por meio de uma referencia a algo que eles possuem.
            Assim, um hábito é um hábito a algo; um conhecimento é conhecimento de algo; uma posição é posição de algo, etc.
            Dizemos que uma colina é grande, em relação a outra, da mesma forma que dizemos que algo é semelhante ou igual, se for semelhante ou igual a algo.
            Os relativos, às vezes, permitem contrários.
            A virtude é contrario ao vicio, sendo cada um dos termos, em si mesmo, um relativo.
            Os relativos, em alguns casos, admitem graus, um mais ou um menos, um igual ou um desigual.
            Todos os relativos têm seus correlativos, e dizer, para existir o “escravo” é necessário existir o “senhor”; para existir o dobro, é necessário existir a metade, etc.
            Assim, para que se possa perceber um objeto, este precisa existir antes da percepção, pois o ato da percepção implica primeiro na existência de um objeto, de um corpo que possa ser percebido, começando a percepção a existir junto com o sujeito que percebe.
            Dito isto, fica evidente que se um relativo é conhecido de uma maneira definida, aquilo ao que faz referencia será, também, algo conhecido de uma maneira definida.
            A ação e a paixão, por sua vez, admitem contrários e graus, e dizer, aquecer é o contrário de esfriar, podendo ser aquecido mais ou menos.
            Finalizando, para Porfírio, os conceitos se subordinam, partindo dos mais gerais até chegar aos menos extensos.
            Em sua obra, construiu uma árvore, “a árvore de Porfírio”, que tenta representar estes critérios de subordinação.
            Para ele, a substância pode ser material (a coisa) ou imaterial (o espírito), ou seja, ela pode ser corporal ou incorporal.
            A coisa pode ser animada, como os viventes, ou inanimada, como os minerais.
            Os viventes podem ser sensíveis, como os animais ou insensíveis, como as plantas.
            Os animais podem ser racionais, como o homem, ou irracionais, como as bestas.
            E o homem, pode ser dividido segundo o número de sujeitos que compõem a espécie.

Professor Orosco

  
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COPI, Irving.M. Introdução à Lógica.Tradução de Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo:  Mestre Jou, 1978.
OROSCO, José Carlos. Euskadi. São Paulo: Java, 2013.
SARANYANA, Joseph-Ignasi. A Filosofia Medieval.Das Origens Patrísticas à  Escolástica Barroca.Tradução de Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lulio, 2006.



            

terça-feira, 23 de julho de 2013

DEIXANDO DE SER MOLEQUE


Aproveitando o momento especial que vivemos, gozando da presença do Papa Francisco nas terras do Brasil, sirvo-me da presente para tecer algumas considerações de caráter histórico religioso, místico, como o pugna ser a própria fé.
Registra a história que, a milhares de anos atrás (cerca de 4.000 anos) num lugar habitado por tribos semitas, aquelas formadas a partir dos descendentes de Sem, o filho mais velho de Noé, de quem, na nona geração de seus descendentes, vê-se surgir, nas terras de “Ur” dos caldeus, Abrão.
Este personagem, ao alcançar seus 75 anos de idade, seguindo a orientação de seu deus, mudou-se com Ló, para Canaã.
Neste período, era costume entre os cananeus (os antigos habitantes de Canaã), a exemplo das outras tribos, oferecer sacrifícios ao deus Moloch.
Em sua crença, seu deus exigia dos fiéis o sacrifício das “primícias”, que tanto eram os primeiros frutos, as primeiras frutas colhidas, as primeiras crias do gado e, em geral, o primeiro filho de seus adoradores.
É deste sacrifício ao deus Moloch que deriva o termo “moleque”, palavra que sobreviveu até os nossos dias, ainda que descaracterizada, termo este que à época era utilizado para designar o primogênito que seria oferecido em holocausto, quando completasse seus treze anos de idade.
Conta a lenda que Abrão, diante do “quase sacrifício” de seu filho Isaque, fez um pacto com Deus, onde, ao invés do sacrifício humano (somente o prepúcio do macho seria oferecido), seria imolado um cordeiro em holocausto.
Tal qual na prática anterior, este animal seria sangrado e depois queimado no altar dos sacrifícios.
Com este acordo, a transição da adoração do deus Moloch para a adoração de um outro Deus, único, Javé, menos violento, que exigia apenas o prepúcio, foi relativamente bem aceita pela maioria do povo.
Abrahão, como preferiu ser chamado Abrão após firmar o pacto com Javé, aceitando-o como único Deus, fez dar ciência a todos aqueles que, anteriormente haviam sacrificado seus filhos, que como prova de amor e como forma de honrar a aliança que se estabelecia, o próprio Deus enviaria, posteriormente, seu filho à Terra para ser sacrificado, para glorificar o seu nome e redimir os homens do pecado.

Professor Orosco



segunda-feira, 22 de julho de 2013

O PAPEL DA ESCOLA NA REPRODUÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NA ÓTICA DE PIERRE BOURDIEU.


O presente trabalho espera poder apresentar, de forma sucinta, as considerações desenvolvidas por Pierre Bourdieu sobre o efeito reprodutor e legitimador das desigualdades sociais promovidos pela escola, pública ou privada que, corrobora e de certa forma contribui para tornar verdadeiras as alegações de Antonio Gramsci sobre o controle hegemônico cultural imposto pelas classes dominantes às classes menos favorecidas.

            Pierre Bourdieu (1930/2002), um importante sociólogo francês, docente da École de Sociologie du Collège de France, teve o mérito de formular uma resposta original, abrangente e bem fundamentada, para o problema das desigualdades escolares.
            Até pouco após a primeira metade do século XX, predominava nas Ciências Sociais e mesmo no senso-comum uma visão de inspiração funcionalista, extremamente otimista, que atribuía à escolarização um papel central no processo de superação do atraso econômico, do autoritarismo e dos privilégios associados às sociedades tradicionais.
            Supunha-se, à época, que por meio da escola pública e gratuita seria resolvido o problema de acesso à educação, garantindo-se, em princípio, a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos, um pilar considerado basilar para a construção de uma nova sociedade, mais justa (meritocracia), moderna (centrada na razão e nos conhecimentos científicos) e democrática (fundamentada na autonomia individual).
            Ocorreu que, nos anos 60, instalou-se uma profunda crise acerca dessa concepção de escola, provocando por sua vez, a necessidade de uma reinterpretação do papel dos sistemas de ensino na sociedade.
            Percebeu-se, então, de forma clara, o peso da origem social, da classe, da etnia, do gênero sexual e do local de moradia dos alunos, sobre seu desempenho escolar, reconhecendo-se, a partir daí, que o sucesso da educação não dependia, tão simplesmente, dos dons individuais dos alunos.
            A isto se acrescenta o progressivo sentimento de frustração que se via despontar nos estudantes, principalmente franceses, com o caráter autoritário e elitista do sistema educacional, agravado pelos efeitos inesperados da massificação do ensino, que provocou o baixo retorno social e econômico auferido pelos certificados escolares no mercado de trabalho.
            Em sua análise, Bourdieu nos oferece uma nova interpretação da escola e da educação onde, o que se via como igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, passa a ser compreendido como uma simples reprodução e legitimação das desigualdades sociais existentes.
            A educação, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído de instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como uma das principais instituições por meio da qual se mantém e se legitimam os privilégios sociais.
            Para ele, a educação, assim colocada, aproxima-se dos pressupostos defendidos por Émile Durkheim, para quem o processo educativo vem a ser a incorporação do indivíduo das representações coletivas constitutivas da sociedade, consistindo num esforço contínuo para impor ao estudante seus valores, seu modo de ver e de agir.
            Igualmente, sua denúncia se aproxima da realizada por Max Weber, de que a educação, enquanto processo formal de aprendizagem, está envolvida numa pedagogia de treinamento que visa apenas formar o especialista, aquele que vai ocupar um lugar na vasta organização de uma grande empresa ou órgão público.
            Bourdieu inova ao considerar em suas análises e reflexões o tema da constituição diferenciada dos atores segundo sua origem social e familiar, associando-as ao comportamento escolar e às repercussões dessa formação diferenciada.
            Para Bourdieu, a escola, ao definir seu currículo, seus métodos de ensino e suas formas de avaliação, cumpriria o papel fundamental de legitimação dessas desigualdades, ao dissimular as bases sociais destas, convertendo-os em diferenças acadêmicas e cognitivas, relacionadas aos méritos e dons individuais.
            O indivíduo, para Bourdieu, é um ator socialmente configurado em seus mínimos detalhes, onde, seus gostos, preferências, aptidões, posturas corporais e aspirações relativas ao futuro profissional seriam socialmente constituídos.
            Bourdieu afirma que a ação das estruturas sociais sobre o comportamento individual se dá preponderantemente de dentro para fora, e não o inverso.
            A partir de sua formação inicial em um ambiente social e familiar que corresponde a uma posição específica na estrutura social, os indivíduos incorporariam um conjunto de disposições para a ação típica dessa posição (um “habitus” familiar ou de classe) que passaria a conduzi-los ao longo do tempo e nos mais variados ambientes de ação.
            Desta forma, a estrutura social se perpetuaria, até mesmo, porque os próprios indivíduos tenderiam a atualizá-la ao agirem de acordo com o conjunto de disposições típicas da posição estrutural na qual eles foram socializados.
            Essas disposições não seriam normas rígidas e detalhadas de ação, mas princípios de orientação que precisariam ser adaptados pelo sujeito às variadas circunstâncias de ação.
            Ou seja, para o campo da Sociologia da Educação, cada indivíduo passa a ser caracterizado por uma bagagem socialmente herdada.
            Constitui essa bagagem, o capital econômico, tomado em termos dos bens e serviços a que ele dá acesso; o capital social, definido como um conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela família, além do capital cultural, institucionalizado, formado por títulos escolares.
            Coloca-se aqui, um aparte para realçar o papel de dominação cultural, hegemônica, exercido pela escola, que tenta chamar para si o direito exclusivo de difundir e controlar a produção do conhecimento, exercendo o monopólio da emissão dos diplomas.
            A Sociologia da Educação de Bourdieu se notabiliza, justamente, pela diminuição que promove do peso do fator econômico, comparativamente ao cultural, na explicação das desigualdades escolares.
            A posse de capital cultural favoreceria o desempenho escolar na medida em que facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e códigos escolares.
            As referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos, o domínio maior ou menor da língua, trazidos de casa por certos alunos, facilitariam o aprendizado escolar na medida em que funcionariam como uma ponte entre o mundo familiar e a cultura da escola onde, no caso dos estudantes oriundos de meios culturalmente favorecidos, a educação escolar seria uma espécie de continuação da educação familiar.
            Esse capital cultural é fruto da experiência escolar vividas pelos pais ao qual se soma o contato pessoal com professores, amigos ou parentes que possuem familiaridade com o sistema educacional.
            O capital econômico e o social funcionariam, na verdade, apenas como meios auxiliares na acumulação do capital cultural.
            Segundo Bourdieu, cada grupo social, em função das condições objetivas que caracterizam sua posição na estrutura social, constituiria um sistema específico de disposições para a ação, que seria transmitido aos indivíduos na forma de “habitus”.
            A ideia de Bourdieu é a de que, isto ocorre pelo acúmulo histórico de experiências, de êxito e de fracasso, relativo ao que é possível ou não de ser alcançado pelos seus membros, dentro da realidade social concreta, na qual eles agem.      
            Aplicado à educação, esse raciocínio indica que os grupos sociais constituem uma estimativa de suas chances objetivas no universo escolar e passam a adequar seus investimentos a essas chances.
            Isso significa que os membros de cada grupo social tenderão a investir uma parcela maior ou menor dos seus esforços, medidos em termos de tempo, dedicação e recursos financeiros, na carreira escolar de seus filhos, conforme percebam serem maiores ou menores as probabilidades de êxito.
            Assim, as elites econômicas, por exemplo, não precisariam investir tão pesadamente na escolarização de seus filhos quanto certas frações das classes médias que devem sua posição social, quase que exclusivamente, à certificação escolar.
            Paradoxalmente, o modelo nivelador da educação formal, segundo as leis do mercado, da oferta e da procura, acaba por transformar o acesso fácil a um título escolar, em algo desvalorizado em função de sua quantidade (não em função do seu custo de obtenção), tornando-se (o diploma) em mais um objeto que permite a exploração do homem pelo homem, ou seja, uma forma adicional para a obtenção da “mais valia” nos critérios e moldes denunciados por Marx.
            Bourdieu distingue em sua obra três conjuntos de disposições e de estratégias de investimento escolar, segundo a classe social.
            O primeiro grupo, pobre em capital econômico e cultural, tenderia a investir, segundo ele, de modo moderado no sistema de ensino, o que é explicado em boa parte pela percepção, a partir dos exemplos acumulados, de que as chances de sucesso são reduzidas, com retorno incerto do investimento e de risco elevado.
            Essas famílias estariam, em função de sua condição socioeconômica, menos preparadas para suportar os custos envolvidos de um longo período para a formação escolar de seus filhos.
            Diante disso, esse grupo social tenderia a adotar o que Bourdieu chama de “liberalismo” em relação à educação dos filhos, onde, a vida escolar destes não seria acompanhada de modo sistemático e nem haveria, por parte dos pais, uma cobrança intensiva em relação ao sucesso alcançado, esperando-se que eles estudassem apenas o suficiente para que possam se manter ou para que consigam elevar-se ligeiramente, em relação ao nível socioeconômico da família, privilegiando-se, na maioria das vezes, carreiras escolares mais curtas e que dão acesso mais rápido à inserção profissional.
            Contrapondo-se às classes populares, as classes médias tenderiam, por sua vez, a investir pesada e sistematicamente na escolarização dos filhos.
            As famílias desse grupo social já possuiriam um volume razoável de capitais que lhes permitiria apostar no mercado escolar sem correrem tantos riscos.
            No entanto, o comportamento das famílias das classes médias não pode ser explicado apenas pelas chances comparativamente superiores dos filhos dessas famílias alcançarem o sucesso escolar, sendo necessário considerar, igualmente, as expectativas quanto ao futuro sustentadas por esses grupos sociais, que nutrem a esperança de continuar sua ascensão social, em direção às elites.
            Bourdieu destaca, como componentes desse esforço, o ascetismo, o malthusianismo e a boa vontade cultural.
            O ascetismo, caracterizado pela disposição das classes médias para renunciarem aos prazeres imediatos em benefício do seu projeto futuro.
            O malthusianismo, caracterizado pela propensão ao controle da fecundidade, como estratégia inconsciente de concentração dos investimentos.
            Finalmente, a boa vontade cultural, caracterizada pelo reconhecimento da cultura legítima e pelo esforço sistemático para adquiri-la.
            Embora, de um modo geral, possa se falar que a aspiração por ascensão social, que caracteriza as classes médias conduz à tendência de se investir fortemente na educação dos filhos, não se pode esquecer que o grau em que isso ocorre dependeria, também, do peso relativo dos capitais em cada uma das frações da classe média.
            As frações mais providas de capital econômico, ao contrário das que possuem quase que exclusivamente capital cultural, tenderiam a não conceder uma prioridade tão acentuada ao investimento escolar.
            Bourdieu se refere, finalmente, às elites econômicas e culturais, que investem pesadamente na escola, porém, de uma forma bem mais descontraída.
            Os críticos das ideias de Bourdieu, de sua teoria das classes sociais, particularmente no que diz respeito aos processos de formação e de transmissão do “habitus” familiar, pautam-se na tese de que esse “habitus” são seria transmitido aos filhos de modo automático, sendo necessário, antes, estudar a dinâmica interna de cada família; as relações de interdependência social e afetiva entre seus membros, etc.
            Para eles, a transmissão do capital cultural só poderia ser feita por meio de um contato prolongado e afetivamente significativo.
            O ponto de partida do raciocínio de Bourdieu para afirmar que a escola seria uma instituição a serviço da reprodução e legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes se aproxima, aqui, de uma concepção antropológica de cultura, onde, apesar de arbitrários, esses valores, a cultura de cada grupo social, seriam vividos como os únicos possíveis.
            No caso das sociedades de classes, a capacidade de legitimação de um arbitrário cultural corresponderia à força da classe social que o sustenta.
            Neste ponto, concordando com o conceito da dominação pela imposição hegemônica da cultura pelas classes dominantes, denunciada por Gramsci, para Bourdieu, a cultura escolar, socialmente legitimada, seria basicamente, a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes.
            Bourdieu observa, no entanto, que a autoridade pedagógica só pode ser garantida na medida em que o caráter arbitrário e socialmente imposto da cultura escolar é dissimulado, apresentando-se como neutra.
            Uma vez reconhecida como legítima e portadora de um discurso não arbitrário e socialmente neutro, a escola passa a poder exercer, livre de qualquer suspeita, suas funções de reprodução e legitimação das desigualdades sociais.
            Tratando formalmente de modo igual, em direitos e deveres, quem é diferente, a escola privilegiaria, dissimuladamente, quem, por sua bagagem familiar, já é privilegiado.
            Mais concretamente, Bourdieu observa que a comunicação pedagógica, tal como realizada tradicionalmente na escola, exige implicitamente, para o seu pleno aproveitamento, o domínio prévio de um conjunto de habilidades e referências culturais, que apenas os membros das classes mais privilegiadas possuiriam.
            Ao dissimular que sua cultura é a cultura das classes dominantes, a escola dissimula igualmente os efeitos que isso tem para o sucesso escolar das classes dominantes.
            As diferenças nos resultados escolares tenderiam a ser vistas como diferenças de capacidade, enquanto que, na realidade, decorreriam da maior ou menor proximidade entre a cultura escolar e a cultura familiar do aluno.
            Nessa condição, o estudante oriundo das classes menos favorecidas, sendo incapaz de perceber o caráter arbitrário e impositivo da cultura escolar, acaba por aceitar que suas dificuldades escolares são consequência de uma inferioridade que lhe seria inerente.
            Para Bourdieu, a reprodução e a legitimação das desigualdades sociais propiciada pela escola não resultariam apenas, no entanto, da falta de uma bagagem cultural apropriada para a recepção da mensagem escolar, mas também de um modo específico de se relacionar com a cultura e com o saber.
            O sistema de ensino valorizaria e cobraria dos alunos uma destreza verbal e um brilho no trato com o saber e a cultura que, somente aqueles que têm familiaridade com a cultura dominante, podem oferecer.
            Para Bourdieu, as posições mais elevadas e prestigiadas dentro do sistema de ensino tendem a ser ocupadas pelos indivíduos pertencentes aos grupos socialmente dominantes e, segundo ele, por mais que se democratize o acesso ao ensino por meio da escola pública e gratuita, continuará existindo uma forte correlação entre as desigualdades sociais, sobretudo, culturais, e as desigualdades ou hierarquias internas ao sistema de ensino.
            A grande contribuição de Bourdieu para a compreensão sociológica da escola foi a de ter ressaltado que essa instituição não é neutra.
            Os conteúdos curriculares seriam selecionados em função dos valores, dos conhecimentos, e dos interesses das classes dominantes.
            Prevalece na obra de Bourdieu a percepção de que o processo de reprodução das estruturas sociais por meio da escola é, basicamente, inevitável.
            Essa análise, feita no plano macrossocial das relações entre as classes, na visão de Bourdieu, tem, assim, boas razões para ser pessimista.
            No entanto, no plano microssociológico, influenciado individualmente por cada escola, por cada professor, este efeito poderia ser atenuado.
            Infelizmente, novamente recorrendo a Gramsci e a sua denúncia do controle hegemônico cultural exercido pelas classes dominantes, até mesmo os melhores professores, aqueles melhor qualificados, tendem a ser contratados por instituições privadas que, oferecendo melhores salários e condições de trabalho, acabam por diferenciar a prática pedagógica, beneficiando as elites, que podem pagar por um ensino de melhor qualidade.

Professor Orosco

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins e Maria Alice. A Sociologia da Educação de     Pierre Bourdieu: Limites e Contribuições. Revista Educação e Sociedade, ano        XXIII, n 78, Abril, 2002.
OROSCO, José Carlos. Euskadi. São Paulo: Editora Java, 2013
           
           
           

            

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A FILOSOFIA DE PLOTINO



       O presente trabalho pretende descrever uma análise que fiz sobre o Pensamento Filosófico de Plotino, a partir dos pressupostos filosóficos antropológicos da visão de homem para Platão e Aristóteles.

         Plotino (205/270) foi o fundador e é considerado o maior representante do movimento chamado neoplatonismo, responsável pelo fim de um longo período de pluralismo, durante o qual as diferentes escolas filosóficas (cética, estoica e epicurista) tinham produzido representações correntes de Platão.
         Sensível à questão religiosa da salvação, típica do seu tempo, ele permaneceu fiel aos fundamentos do racionalismo grego e à autoridade de Platão, cuja teoria gnosiológica, a partir de sua religião (órfica), entendia Corpo e Alma como substâncias completas em si, que se unem acidentalmente.
         Para Platão, a alma, no momento da desencarnação, bebe das águas do rio Lete (do esquecimento) para apagar da memória os pecados contidos na vida passada e, dependendo de quanto beba, no momento da retomada da consciência em novo corpo, pode ainda preservar a base do conhecimento humano, fenômeno que chamou “reminiscência” (recordação do passado; o que se mantém na memória).
         Plotino, fiel a este conceito, entendia a alma como possuidora de diferentes partes, que se superpõem e constituem por seu agrupamento, a realidade humana.
         Algo próximo do pensamento de Aristóteles, que via no seu silogismo dialético, premissas endoxais, aceitas pela maioria dos indivíduos; entendidas como não verdadeiras em todos os casos, mas na maioria deles.
         Para Aristóteles, a primeira forma de conhecimento do homem é a percepção dos objetos sensíveis, de onde se extrai as lembranças, existindo no seu entender três categorias de alma: vegetativa, como nas plantas; sensitiva, como nos animais e intelectiva, nos homens, contendo a superior, potencialmente, a inferior.
         Plotino entendia a parte inferior da alma como sendo aquela que exerce as atividades da alma animal, da sensação e do movimento; da alma vegetativa, que é o crescimento.
         A parte central, entendida como racional, que realiza seu discurso interior ou exterior no tempo, e a parte superior da alma, que exerce a atividade do pensamento puro, típica do intelecto.
         E dizer, como que acompanhando a linha de raciocínio de Aristóteles, Plotino privilegia uma apresentação hierárquica onde os níveis de realidade descem do Uno até a matéria, indo do Ser-Intelecto e da Alma aos corpos inanimados, ou seja, onde o efeito não está separado da causa, estando sempre em seu princípio.
         O “Um”, chamado frequentemente de “Bem”, “Deus” ou “Primeiro”, é o fundamento de todas as coisas, absolutamente simples e único, de onde tudo emana e para onde tudo deseja retornar.
         O ser humano, enquanto corpo, governado por uma alma provida de funções superiores (raciocínio e intelecto) ou inferiores (sensitivas e vegetativas) é verdadeiramente o ponto de encontro dos dois mundos tradicionais de Platão: o inteligível e o sensível.
         Plotino declara que a alma é como um universo inteligível. 
                                                                          (Enéadas IV,7)
         Para poder tocar o “Um”, a alma deve despojar-se de tudo e abandonar o que caracteriza a inteligência para perder toda a forma, como objeto para o qual ela tende.
         Para Plotino, ainda que existam muitas almas, todas elas são uma só alma; uma alma que pode se tornar Intelecto, já que na sua parte superior, ela já é um intelecto.
         Ou seja, Plotino, copiando Platão, diz que existem duas classes de natureza: a inteligível e a sensível, e que, antes de encarnarmos em um corpo, estávamos no inteligível e éramos almas puras e intelecto, onde outro homem, o que nasceu no tempo, juntou-se ao que éramos antes, chegando nossa alma, ligando-se ao sensível a esquecer-se do inteligível.

“Na verdade, antes de acontecer o nascimento, estávamos lá [no inteligível], sendo outros homens e, alguns, também deuses: almas puras e intelectos unidos à totalidade da essência, partes do inteligível, sem separação, sem divisão, mas sendo do todo...”
                                Enéadas VI, 4,14,16-25

         Segundo Pierre Hadot, em sua obra “Les niveaux de conscience dans lês états mystiques selon Plotin” (Journal de Psychologie, n 2-3, p 246-247, 1980) essa tomada de consciência da vida superior não se faz pela consciência ordinária do homem, mas por uma supraconsciência.
         Plotino reconhece ainda que existem sensações que não alcançam a consciência; que existem desejos que permanecem na parte apetitiva (aquela associada à capacidade de experimentar dores e prazeres físicos) e são desconhecidos por nós, antecipando o conceito de inconsciente de Freud, explicando, por exemplo, a busca automática e natural por água, quando o corpo sente sede; por alimento, quando sente fome; por calor, quando sente frio; pelo abrigo, quando cai a noite.

REFERÊNCIAS:

BRANDÃO, Bernardo G.S.L. A União da Alma e do Intelecto na Filosofia de Plotino. Belo Horizonte: Kriterion,  n 116, Dez/2007, p.481-491.
OROSCO, José Carlos. Euskadi. São Paulo: Jaza Editora, 2013.

CONHECENDO O PENSAMENTO DE ÉMILE DURKHEIM


O presente trabalho pretende descrever uma análise que fiz, a partir de um artigo do Dr. Sidnei Ferreira Vares, intitulado “Sociologismo e Individualismo em Émile Durkheim”, publicado em 2011, o qual tentei contextualizar para o momento que vivemos.

            Durkheim (1858/1917), considerado um dos pais da Sociologia Moderna, reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito de Coesão Social, afirmava que o objeto desta ciência está na análise do Fato Social, que tinha um caráter de exterioridade, de coercitividade e de coletividade (de generalidade).
            Exterioridade porque não depende da tomada de consciência pelo indivíduo, ocorrendo desde antes dele e após o término de sua existência.
            As leis, a língua, a moeda, são exemplos desta exterioridade.
            A sociedade já existia antes dele nascer e provavelmente continuará a existir após o seu passamento.

            “Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem empregar as moedas legais; mas é impossível que eu faça de maneira diferente”.
                            Durkheim. Les Régles de La Methode Sociologique. Paris: PUF,1980.

            Coercitividade, no sentido de que não se pode escapar dele, mesmo que este fato seja somente um dever moral.
            A obrigatoriedade de usar roupas adequadas ao ambiente exemplifica bem este critério.
            Usar terno e gravata para caminhar na areia da praia, apresenta-se social e coletivamente tão estranho quanto usar roupas de banho para ir à igreja.
            A característica coletiva, de generalidade, associando-se a padrões comportamentais, de feições particulares imputadas a certos grupos, como os arquétipos, cujas imagens assumem um caráter universal ( $ para indicar dinheiro; S.O.S. como sinal de pedido de socorro, etc.) ou estereótipos, restritos a certas culturas, preconceituosos ou não (todo padre é um bom homem; toda mulher loira é burra; todo baiano é preguiçoso, etc).
            Para Durkheim, nesta concepção, chamada funcionalista, as consciências individuais são formadas pela sociedade, opondo-se ao idealismo iluminista, segundo o qual a sociedade seria moldada pelo “espírito” e pela consciência humana.
            E dizer, para ele, a sociedade constituindo-se como uma síntese das relações estabelecidas entre seus membros, desenvolve uma “consciência coletiva”, aquém do espaço e além do tempo, superior aos indivíduos, investida de uma autoridade moral, da qual os homens não podem se separar sem correr o risco de perder sua condição humana (1978, p.45), tornando-se o indivíduo refém de uma tirania coletiva.
            Ganhando, por assim dizer, corpo e alma, matéria e forma, após as revoluções dos séculos XVI a XVIII ( protestante, industrial, americana e francesa ), que fizeram brotar o sistema capitalista de produção, intensificando a divisão do trabalho, a nova sociedade que emergia após a invenção das máquinas, implicou na substituição da “solidariedade mecânica”, onde os indivíduos compartilhavam das mesmas noções e valores sociais, crenças religiosas e interesses materiais para a subsistência do grupo, pela “solidariedade orgânica”, de maior complexidade, onde os interesses individuais são bastante distintos e a consciência de cada individuo é mais acentuada.
            As sociedades tradicionais, que se caracterizavam por uma forte consciência coletiva, que incidia sobre seus membros e impedia o desenvolvimento do individualismo, na medida em que a divisão do trabalho avança, são substituídas pelas modernas, onde a influencia dos valores tradicionais tende a recuar       (Veras, 2011).
            Como consequencia deste individualismo, inclusive de caráter moral, que rompeu paradigmas e alterou as relações de e para com o poder, explicitadas na frase “Os velhos deuses estão mortos” (Durkheim, 1913), o retrocesso, a possibilidade de retorno às antigas formas de organização social, foi definitivamente sepultada.
            Paradoxalmente, a partir dos fatos sociais, pelas suas características de generalidade, de exterioridade e de coercitividade, o homem se anula enquanto elemento isolado da sociedade, passando o coletivo a ter primazia sobre as partes, passando ele, o homem, a ter induzida a sua forma de agir, de pensar e de sentir.
            “As representações, as emoções e as tendências coletivas não tem como causas geradoras certos estados de consciência individual, mas condições em que se encontra o corpo social em seu conjunto”.  (Durkheim, 2001, p.67)
           
“Os fatos sociais, embora produzidos pelas relações entre os indivíduos, adquirem uma “consistência” e uma “autonomia” em relação a cada individuo que contribui para sua produção”. (Veras, 2011)

            Como vítima de um sistema globalizado, corporativo, onde a atividade econômica não deriva da ação dos indivíduos, mas da sociedade em seu conjunto, os homens transformam-se em escravos das ideias e dos valores coletivos, entendendo-se a partir de então, como seres sociais.
            O estado de anomia (falta de objetivos individuais, perda de identidade provocada pelas transformações no mundo social) que se instala globalmente como consequencia desta metamorfose social, acaba por mergulhar a civilização num vazio moral, que pode ser tratado, na ótica de Durkheim sobre dois modos:
            Ou como um fenômeno perverso e destrutivo dos laços sociais, ou como característica do desenvolvimento autônomo do indivíduo, que na ótica do pragmatismo da cultura de produção e consumo do sistema capitalista moderno, acaba por ser potencializada.
            O culto do indivíduo, como forma de uma moral que respeita as diferenças individuais, onde o risco do egoísmo é grande, para Durkheim, que não o nega, retrata o diferencial da moral moderna, da inclusão do “espírito de autonomia”, definido pela capacidade do individuo assegurar, por meio da razão, sua adesão à regra.
            

“Esse culto da personalidade, efeito do avanço da divisão do trabalho nas sociedades modernas e consonante à emergência dos ideais democráticos, é responsável por conferir ao indivíduo uma maior autonomia, principalmente no que concerne à capacidade de modificar valores sociais considerados ultrapassados a partir de esforços coletivos”. (Veras, 2011).


REFERENCIAS:


DURKHEIM, Émile. Pragmatismo e Sociologia.Paris:Sorbonne,1913.
____.Educação e Sociologia. 7.ed.São Paulo:Melhoramentos, 1978.
____.[et al].Introdução ao Pensamento Sociológico. São Paulo:Centauro, 2001. [Coletânea de Textos].
OROSCO, José Carlos. Euskadi. São Paulo: Jasa, 2013.
VARES, Sidnei Ferreira de. Sociologismo e Individualismo em Émile Durkheim. Caderno CRH, Salvador. V.24, n.62, p.435-446, Maio/Ago, 2011.



terça-feira, 9 de julho de 2013

A CULTURA QUE FALTA PARA A CULTURA



Neste 9 de Julho, lembrando o 23 de Maio, dia sagrado por decreto estadual aos Heróis MMDCA, precisamos, à luz da verdade, recordar um pouco da nossa história recente.
Para os paulistanos, a data de 23 de maio de 1932 jamais poderá ser apagada do calendário cívico da Cidade de São Paulo, onde foi edificada como exemplo de patriotismo às gerações futuras, recordando o ideal de cinco (quatro + um ) jovens que perderam suas vidas em prol da Constituição de seu País. 
Foram eles, Euclides Bueno Miragaia, Mário Martins de Almeida, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo Camargo de Andrade, aos quais somou-se o nome de Orlando Alvarenga (que veio a falecer meses depois). 
Com as iniciais de seus nomes composta a sigla MMDC+A (Miragaia, Martins, Dráusio, Camargo e Alvarenga), a sigla passou a representar a indignação do povo com o governo federal.
Depois da morte destes paulistas, São Paulo se preparou para a luta armada por uma nova Constituição, promessa não cumprida por Getúlio Vargas quando assumiu o governo em 1930 e, assim, em 9 de julho de 1932, São Paulo abandonou os discursos para ir definitivamente às armas, quando então estourou a revolução. 
Recentemente, o brilho da homenagem ao civismo e brio do povo paulista, reconhecida na denominação que foi dada ao Túnel 9 de Julho, foi, infelizmente, para sempre ofuscado pela atitude da ex-prefeita e atual MINISTRA DA CULTURA, Marta Suplicy, que ignorando a historia do povo que governava, rebatizou, após quase setenta anos de sua inauguração, com o nome de Túnel Dr. Daher Elias Cutait, como, aliás, é prática comum de seu partido político.
O Dr. Cutait, um ilustre medico, certamente merecedor de reconhecimento, poderia ter sido lembrado com seu nome dado a outro monumento, com o qual a edilidade poderia lhe homenagear, não precisando, em sua história de vida, ser associado a ato tão vil.

Professor Orosco