Aproveitando a
oportunidade que teremos de brevemente poder gozar da companhia do novo Papa,
regozijado pela noticia da canonização de um seu antecessor, o primeiro que
passou por aqui, o primeiro que beijou o nosso solo, sinto-me compelido a
refletir sobre a relação que mantemos com a Igreja, seus dogmas e suas
diretrizes.
Dentre os vários
ensinamentos que recebemos na nossa formação religiosa, de fundamentação
cristã, entre cânticos e orações, além das lições de história, aprendemos sobre
direitos e deveres, sobre o exercício da cidadania, sobre a prática da
caridade, da ajuda ao próximo e, em particular, justificando o presente artigo,
aprendemos sobre a importância do dízimo.
Desde a mais tenra
idade, como cristão, fomos educados a reconhecer a importância; a compreender a
real necessidade da oferta do dízimo, utilizado como instrumento para arrecadar
fundos que serão utilizados para financiar as obras sociais da Igreja; para
financiar a manutenção das catedrais; custear a formação de novos sacerdotes;
etc.
Aprendemos que o
compromisso com as gerações futuras, com a salvação de nossa alma imorredoura,
nos obriga a manter acesa a chama da fé em nossos corações, da mesma forma que
nos obriga a manter edificada a Igreja, custeando seus quadros de operários e
suas despesas profanas.
Aprendemos tal qual
andar e falar, a automatizar de tal forma esta prática, que poucas vezes
paramos para refletir sobre o assunto ou o ato que praticamos.
De certa forma, da
mesma forma que não pensamos para andar e para falar, não lhe damos mais a
importância e esquecemos até de praticá-lo.
Andamos sem rumo e
nos sentimos perdidos; falamos sem pensar e sofremos as consequências de
palavras mal proferidas, incompreendidas; não honramos o compromisso e nos
afastamos de Deus.
Chegamos ao
ridículo de, cada vez que arriscamos poucas moedas num jogo de loteria,
solicitar a intervenção e a ajuda divina para alcançar o sonhado prêmio,
prometendo, no caso da premiação, edificar templos, amparar asilos e orfanatos,
construir hospitais, etc., etc., etc.
É como se
tentássemos, mesmo sem nos atentar para o fato, subornar os deuses e santos,
dividindo com eles as moedas que sonhamos ganhar, esquecendo que os outros, que almejam o mesmo prêmio, também fizeram a mesma proposta e que nossa oferenda pode ser menos valiosa, já que estamos falando em termos de dinheiro.
É como se
oferecêssemos uma "propina ao santo", do mesmo modo que lhe
oferecemos o primeiro gole do copo de pinga que tomamos no balcão do bar.
No passado, não tão
distante, a própria direção da Igreja, temendo ser preterida das necessidades
básicas de investimento das famílias mais abastadas, oferecia benefícios
adicionais, indulgentes, com o propósito de manter o fausto e as mordomias a
que se tinham acostumado.
Os rebelados contra
esta prática, que romperam com Roma, igualmente necessitados, oficializaram um
percentual sobre os rendimentos auferidos, um imposto sobre a renda, como forma
de democratizar o dízimo e promover uma distribuição equânime do céu, uma
espécie de reforma agrária celeste.
O próprio Rei, VIII
no título, mas primeiro em poder, que viu crescer o seu tesouro imperial,
apoiou esta atitude, comprometendo o Estado e criando o precedente que foi
adotado por seus pares desde então, prática copiada até mesmo pelos republicanos.
Como moedas são
moedas, com o advento das novas tecnologias, chegou-se a elaborar sofisticados
estratagemas para o recolhimento e obtenção deste dízimo, com cursos de
oratória, campanhas midiáticas, venda de imagens, de todos os tamanhos e
preços; produção e comercialização de velas tão grandes quanto os pecados; velas
tão grandes que tocam o próprio firmamento, caminhadas pela fé e romarias para
os santuários, escondendo-se o fato, ao menos dos incautos, de que toda a Terra
já é abençoada.
Neste cenário tão
triste e desolador, ao menos para mim, vejo renascer a esperança com as
atitudes do franciscano Francisco, que em poucos dias e em poucas aparições,
nos fez recordar os princípios basilares da nossa fé, que recusa as 30 moedas e
não aceita propinas.
Professor Orosco
Nenhum comentário:
Postar um comentário