O presente
trabalho pretende descrever uma análise que fiz, a partir de um artigo do Dr. Sidnei
Ferreira Vares, intitulado “Sociologismo
e Individualismo em Émile Durkheim”, publicado em 2011, o qual tentei
contextualizar para o momento que vivemos.
Durkheim
(1858/1917), considerado um dos pais da Sociologia Moderna, reconhecido como um
dos melhores teóricos do conceito de Coesão Social, afirmava que o objeto desta
ciência está na análise do Fato Social, que tinha um caráter de exterioridade,
de coercitividade e de coletividade (de generalidade).
Exterioridade
porque não depende da tomada de consciência pelo indivíduo, ocorrendo desde
antes dele e após o término de sua existência.
As
leis, a língua, a moeda, são exemplos desta exterioridade.
A
sociedade já existia antes dele nascer e provavelmente continuará a existir
após o seu passamento.
“Não sou obrigado a falar francês com
meus compatriotas, nem empregar as moedas legais; mas é impossível que eu faça
de maneira diferente”.
Durkheim. Les Régles de
La Methode Sociologique. Paris: PUF,1980.
Coercitividade,
no sentido de que não se pode escapar dele, mesmo que este fato seja somente um
dever moral.
A
obrigatoriedade de usar roupas adequadas ao ambiente exemplifica bem este
critério.
Usar
terno e gravata para caminhar na areia da praia, apresenta-se social e
coletivamente tão estranho quanto usar roupas de banho para ir à igreja.
A
característica coletiva, de generalidade, associando-se a padrões
comportamentais, de feições particulares imputadas a certos grupos, como os
arquétipos, cujas imagens assumem um caráter universal ( $ para indicar
dinheiro; S.O.S. como sinal de pedido
de socorro, etc.) ou estereótipos, restritos a certas culturas, preconceituosos
ou não (todo padre é um bom homem; toda mulher loira é burra; todo baiano é
preguiçoso, etc).
Para
Durkheim, nesta concepção, chamada funcionalista, as consciências individuais
são formadas pela sociedade, opondo-se ao idealismo iluminista, segundo o qual
a sociedade seria moldada pelo “espírito” e pela consciência humana.
E
dizer, para ele, a sociedade constituindo-se como uma síntese das relações
estabelecidas entre seus membros, desenvolve uma “consciência coletiva”, aquém
do espaço e além do tempo, superior aos indivíduos, investida de uma autoridade
moral, da qual os homens não podem se separar sem correr o risco de perder sua
condição humana (1978, p.45), tornando-se o indivíduo refém de uma tirania coletiva.
Ganhando,
por assim dizer, corpo e alma, matéria e forma, após as revoluções dos séculos
XVI a XVIII ( protestante, industrial, americana e francesa ), que fizeram
brotar o sistema capitalista de produção, intensificando a divisão do trabalho,
a nova sociedade que emergia após a invenção das máquinas, implicou na
substituição da “solidariedade mecânica”, onde os indivíduos compartilhavam das
mesmas noções e valores sociais, crenças religiosas e interesses materiais para
a subsistência do grupo, pela “solidariedade orgânica”, de maior complexidade,
onde os interesses individuais são bastante distintos e a consciência de cada
individuo é mais acentuada.
As
sociedades tradicionais, que se caracterizavam por uma forte consciência
coletiva, que incidia sobre seus membros e impedia o desenvolvimento do
individualismo, na medida em que a divisão do trabalho avança, são substituídas
pelas modernas, onde a influencia dos valores tradicionais tende a recuar (Veras, 2011).
Como
consequencia deste individualismo, inclusive de caráter moral, que rompeu
paradigmas e alterou as relações de e para com o poder, explicitadas na frase “Os velhos deuses estão mortos” (Durkheim,
1913), o retrocesso, a possibilidade de retorno às antigas formas de
organização social, foi definitivamente sepultada.
Paradoxalmente,
a partir dos fatos sociais, pelas suas características de generalidade, de
exterioridade e de coercitividade, o homem se anula enquanto elemento isolado
da sociedade, passando o coletivo a ter primazia sobre as partes, passando ele,
o homem, a ter induzida a sua forma de agir, de pensar e de sentir.
“As representações, as emoções e as tendências coletivas não tem como
causas geradoras certos estados de consciência individual, mas condições em que
se encontra o corpo social em seu conjunto”.
(Durkheim, 2001, p.67)
“Os fatos sociais, embora produzidos pelas relações entre os indivíduos,
adquirem uma “consistência” e uma “autonomia” em relação a cada individuo que
contribui para sua produção”. (Veras, 2011)
Como
vítima de um sistema globalizado, corporativo, onde a atividade econômica não
deriva da ação dos indivíduos, mas da sociedade em seu conjunto, os homens
transformam-se em escravos das ideias e dos valores coletivos, entendendo-se a
partir de então, como seres sociais.
O
estado de anomia (falta de objetivos individuais, perda de identidade provocada
pelas transformações no mundo social) que se instala globalmente como
consequencia desta metamorfose social, acaba por mergulhar a civilização num vazio
moral, que pode ser tratado, na ótica de Durkheim sobre dois modos:
Ou
como um fenômeno perverso e destrutivo dos laços sociais, ou como
característica do desenvolvimento autônomo do indivíduo, que na ótica do
pragmatismo da cultura de produção e consumo do sistema capitalista moderno,
acaba por ser potencializada.
O
culto do indivíduo, como forma de uma moral que respeita as diferenças
individuais, onde o risco do egoísmo é grande, para Durkheim, que não o nega,
retrata o diferencial da moral moderna, da inclusão do “espírito de autonomia”,
definido pela capacidade do individuo assegurar, por meio da razão, sua adesão
à regra.
“Esse culto da personalidade, efeito do
avanço da divisão do trabalho nas sociedades modernas e consonante à emergência
dos ideais democráticos, é responsável por conferir ao indivíduo uma maior
autonomia, principalmente no que concerne à capacidade de modificar valores
sociais considerados ultrapassados a partir de esforços coletivos”. (Veras,
2011).
REFERENCIAS:
DURKHEIM, Émile. Pragmatismo e Sociologia.Paris:Sorbonne,1913.
____.Educação
e Sociologia. 7.ed.São Paulo:Melhoramentos, 1978.
____.[et al].Introdução ao Pensamento Sociológico. São
Paulo:Centauro, 2001. [Coletânea de Textos].
OROSCO, José Carlos. Euskadi. São
Paulo: Jasa, 2013.
VARES, Sidnei Ferreira de. Sociologismo e Individualismo em Émile
Durkheim. Caderno CRH, Salvador. V.24, n.62, p.435-446, Maio/Ago, 2011.
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